Lidia Goldenstein: De qual reindustrialização falamos?
Após anos de desprezo, a política industrial volta a ser discutida como opção pelo novo governo, mas debate corre risco de se tornar uma busca por um passado ilusório ou por um futuro impossível. Para economista, é preciso entender melhor as forças e fraquezas da indústria que tivemos
Após anos de desprezo, a política industrial volta a ser discutida como opção pelo novo governo, mas debate corre risco de se tornar uma busca por um passado ilusório ou por um futuro impossível. Para economista, é preciso entender melhor as forças e fraquezas da indústria que tivemos
Por Lidia Goldenstein*
Depois de anos no limbo do debate no mainstream brasileiro, considerada por muitos um atraso motivo de ridicularização e desprezo, a discussão sobre opções de política industrial volta à lista de prioridades no novo governo, às páginas dos cadernos de economia dos jornais e ao debate acadêmico em instituições nas quais era motivo de chacota.
Entender o porquê desta aversão a qualquer proposta de política industrial não é simples. A resposta fácil e superficial é dizer que as políticas implementadas no Brasil não deram certo, causaram déficits, funcionaram mais como transferência de renda do setor público para o privado sem ganhos para a sociedade e, sobretudo, foram responsáveis pelo processo inflacionário que dominou nossa economia durante décadas.
Tudo isso é absolutamente verdadeiro, o que não significa que qualquer política industrial teria o mesmo resultado desastroso.
Políticas industriais bem-sucedidas podem ser encontradas nos mais diferentes países. Consequentemente, seria subestimar os seus críticos (como, aliás, eles fazem com os defensores). O caminho, acredito, não é por aí.
Entender as relações promíscuas entre academia, mercado financeiro e cargos públicos – suas raízes, influências e mecanismos de financiamento, em uma verdadeira dança das cadeiras que compromete a independência de pensamento em cada uma destas instancias – pode ajudar nesta compreensão. Porém é um assunto que merece não um artigo, e sim um estudo profundo.
Mas o foco aqui é outro. Muito longe de querer aprofundar o tema em um artigo “ligeiro”, a pretensão é apenas a de mostrar que o assunto voltou à pauta, mas de forma “torta”, superficial, e equivocada.
Fala-se de uma “reindustrialização”, mas de que indústria estamos falando? Pode tanto ser a busca por um passado muitas vezes ilusório como pode ser a busca por um futuro impossível.
O passado ilusório é o que acredita que em algum momento tivemos uma indústria forte e poderosa e que, além disso, ela ainda pode ser ressuscitada.
Não só nossa indústria era menos robusta do que um dia achamos, como, no mundo atual, graças às novas tecnologias, à globalização e seus determinantes na divisão internacional do trabalho, ela não existe mais.
Já o futuro impossível é aquele que acha que podemos internalizar todos os elos das cadeias produtivas e produzir de parafusos a semicondutores, recriando o sonho da autossuficiência, cuja perseguição com a Lei da Informática já se mostrou um pesadelo cujas consequências foram anos de atraso e perda de competitividade do país.
Entre um passado ilusório e um futuro inexistente existe um espaço para a indústria brasileira o qual, entretanto, não está minimamente desenhado. E não é fácil traçar este desenho!
Antes de mais nada é preciso entender melhor – e sem ufanismos ou negacionismos – as forças e fraquezas da indústria que tivemos.
No meio do marasmo no qual este debate ficou adormecido por décadas, uma luz aparece em artigo recente do professor Afonso Fleury[1] que, sem dogmas ou preconceitos, avança na compreensão da dinâmica dos processos que pautaram a indústria internacional, moldando as Cadeias Globais de Valor (CGV) à partir do final dos anos 1980, e seu impacto na indústria brasileira.
Fleury nos ajuda a começar a destrinchar o que, a meu ver, são as quatro perguntas fundamentais para avançamos em uma estratégia de reindustrialização:
- Por que desindustrializamos?
- O que é a indústria de hoje?
- O que ainda existe de indústria no brasil?
- O que faz sentido em uma estratégia de reindustrialização: o que preservar, o que atrair e o que criar criar?
*Lidia Goldenstein é colunista da Interesse Nacional. Economista formada pela USP e doutora pela Unicamp, foi assessora econômica da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado do Rio de Janeiro e da Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo, assessora da presidência do BNDES, analista do Seade, pesquisadora do Cebrap e comentarista de economia.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Referências:
[1] Reindustrialização: determinações advindas das Cadeias Globais de Valor. Afonso Fleury Departamento de Engenharia de Produção Universidade de São Paulo Novembro 2022.
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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