O espaço da produção automobilística na indústria brasileira
Prioridade no país desde os anos 1950, a indústria automobilística passou a ter uma força incomensurável na medida em que se tornou um dos principais motores da economia e uma das maiores empregadoras de mão de obra do país. Para economista, questionar e repensar a opção pela produção de automóveis é fundamental para desenvolver novas estratégias para a indústria brasileira e sua inserção internacional
Prioridade no país desde os anos 1950, a indústria automobilística passou a ter uma força incomensurável na medida em que se tornou um dos principais motores da economia e uma das maiores empregadoras de mão de obra do país. Para economista, questionar e repensar a opção pela produção de automóveis é fundamental para desenvolver novas estratégias para a indústria brasileira e sua inserção internacional
Por Lidia Goldenstein*
Em 1974 eu estava no segundo ano da faculdade de economia da Universidade de São Paulo. Em uma aula de economia brasileira perguntei ao professor por que nos anos 1950 o Brasil tinha optado por basear toda sua estratégia de industrialização, transporte e logística na indústria automobilística em detrimento do transporte ferroviário.
O professor, auxiliar próximo do então todo poderoso ministro da Fazenda, respondeu irritado que era uma pergunta absurda feita obviamente por uma esquerdista. E ignorou minha pergunta.
Na época, chamar alguém de esquerdista era uma denúncia grave que podia ter consequências funestas. Ainda mais em uma sala de aula, dentro da Universidade de São Paulo, cheia de agentes infiltrados da polícia procurando os “esquerdistas” para ameaçar ou prender. Apesar de achar a pergunta mais do que legítima, assustada com a acusação, calei a boca.
Cinquenta anos depois, a pergunta continua oportuna. Mais ainda, questionar e repensar a opção pela indústria automobilística é hoje fundamental para pensar novas estratégias para a indústria brasileira e sua (eventual) inserção internacional.
Uma vez instalada, a indústria automobilística passou a ter uma força incomensurável na medida em que se tornou um dos principais motores da economia e uma das maiores empregadoras de mão de obra do país. Eram todas filiais de empresas internacionais que colocavam um “do Brasil” no nome para obter vantagens de todo tipo, gozavam de privilégios de uma economia fechada, sem concorrência, que lhes proporcionavam taxas de lucro especialmente elevadas.
O fechamento da economia lhes garantia uma reserva de mercado de tal sorte favorável que lhes desobrigava de investir na modernização dos seus produtos. Como bem disse em um surpreendente arroubo de lucidez o mal falado presidente Collor: produzíamos carroças enquanto Itens mínimos de segurança e conforto já eram o padrão nos mais diferentes países.
Mais ainda, construiu-se uma aliança perversa entre um operariado fortemente sindicalizado e combativo e uma indústria livre da concorrência: os embates salariais podiam ser “facilmente” absorvidos, pois os repasses para os preços finais eram pagos pela sociedade que via a escalada inflacionaria sem meios para se defender.
Tudo isso seria apenas história, se não tivéssemos agora em um momento extremamente delicado no qual o Brasil terá necessariamente que fazer novas opções e repensar sua estrutura industrial.
Nada melhor que analisar a história e seus processos para ajudar a pensar em novas estratégias e, eventualmente, não cair nas mesmas armadilhas que já nos custaram tanto.
Pensar estratégias e implementá-las é (ou deveria ser) o principal objetivo de políticas públicas de Estado.
No Brasil, independentemente de erros e acertos, tivemos algumas políticas de Estado que moldaram um arcabouço institucional e financeiro que criou condições para o país crescer e ter alguma forma de inserção internacional: o Plano de Metas nos anos 1950, o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) nos anos 1960 e o II PND nos anos 1970. Todos criaram um boom de crescimento e posteriormente revelaram fragilidades e problemas: concentração de renda, inflação, dívida externa são algumas das consequências que claramente resultaram de opções em cada um destes planos.
Exatamente por isso, rever estratégias, atualizá-las, corrigir equívocos ou até mesmo mudar a rota depende de uma sofisticada capacidade de análise, independência crítica e condão de articulação com os mais diferentes atores da sociedade para “cooptá-los” em torno de um projeto comum.
O risco que corremos agora, dada nossa aparentemente total incapacidade de articular uma estratégia, é o de reforçar uma indústria obsoleta, que vem passando por uma radical transformação no mundo todo.
Não é inteligente proteger um setor em nome da defesa de alguns empregos fadados a desaparecer em função das novas tecnologias. A população trabalhadora brasileira estará MUITO mais protegida se uma estratégia de crescimento realista e articulada com as novas tecnologias, restrições ambientais e condições internacionais for implementada.
*Lidia Goldenstein é colunista da Interesse Nacional. Economista formada pela USP e doutora pela Unicamp, foi assessora econômica da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado do Rio de Janeiro e da Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo, assessora da presidência do BNDES, analista do Seade, pesquisadora do Cebrap e comentarista de economia.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Lidia Goldenstein é doutora em economia, foi professora da Unicamp, pesquisadora do Cebrap e comentarista de economia nas TV Cultura e TV Manchete. Exerceu os cargos de assessora da presidência do BNDES, assessora econômica da Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo e da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado do Rio de Janeiro.
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