24 abril 2025

Logística no agro: oportunidades para enfrentar o desafio do escoamento da produção

Para superar esses desafios, precisamos de uma abordagem estrutural. Primeiro, é fundamental aumentar os investimentos em infraestrutura de transporte, historicamente próximos a 0,5% do PIB. Devemos priorizar ferrovias e hidrovias, modos mais eficientes para longas distâncias.

Foto: Wikimedia Commons

Por Thiago Guilherme Péra*

O Brasil bate recordes na produção de grãos. Entretanto, este sucesso produtivo revela um paradoxo preocupante: quanto mais produzimos, mais evidentes ficam nossas deficiências logísticas. A logística vai além do transporte, envolvendo armazenagem, gestão de estoques e eficiência. Sem soluções estruturais, a competitividade do setor fica ameaçada. O desequilíbrio na matriz de transporte é crítico.

Em 2023, 69% da soja foi transportada por caminhão, 22% por ferrovia e 9% por hidrovia (dados do Esalq-LOG). Entre 2010 e 2023, a dependência dos caminhões no escoamento para portos cresceu de 45% para 54%, enquanto a participação ferroviária caiu de 47% para 33%. Isso significa que, em contradição às melhores práticas logísticas mundiais, o Brasil está aumentando sua dependência do transporte rodoviário para longas distâncias. É fundamental que o País apresente crescimento de infraestrutura ferroviária e hidroviária em ritmo superior ao crescimento da produção agrícola e exportação, principalmente. Caso contrário, dentro de dez anos, o agronegócio poderá estar limitado pela capacidade de sua infraestrutura logística.

Na armazenagem, o cenário é igualmente problemático. O Brasil tem capacidade para armazenar apenas 60-70% da produção de grãos, enquanto os EUA chegam a 150%. Apenas 20% da armazenagem está nas fazendas, forçando produtores a vender rapidamente ou recorrer a caminhões como “estoques sobre rodas”, elevando custos logísticos. Um estudo do Esalq-LOG/CNA revelou que 61% dos produtores não possuem armazéns próprios e muitos desconhecem linhas de crédito disponíveis para investimentos.

A capacidade de armazenagem próxima à capacidade produtiva nas grandes regiões produtoras do País é salutar para evitar picos na demanda por transporte. Muitos argumentam que não se deve dimensionar a infraestrutura considerando os períodos de pico do sistema, já que isso implicaria um elevado nível de ociosidade durante o restante do ano, dificultando a diluição dos custos fixos.

Contudo, o Brasil possui uma demanda reprimida significativa por infraestrutura, com projeções otimistas para o crescimento do agronegócio, tornando o cenário atual bastante oportuno para investimentos.

Quais as soluções para a logística no agro?

Para superar esses desafios, precisamos de uma abordagem estrutural. Primeiro, é fundamental aumentar os investimentos em infraestrutura de transporte, historicamente próximos a 0,5% do PIB. Devemos priorizar ferrovias e hidrovias, modos mais eficientes para longas distâncias.

O sucesso do corredor do Arco Norte, que já responde por 35% das exportações de grãos e farelo (contra 12% em 2010), demonstra o potencial transformador de investimentos coordenados. Entretanto, não devemos nos esquecer de eixos rodoviários, principalmente de estradas vicinais que conectam as grandes regiões de produção aos eixos principais de escoamento.

O tempo de maturação dos projetos de infraestrutura deve ser mais célere. Esperar 30 anos para ter ferrovias em operação não é viável para um país com uma demanda reprimida gigantesca.

Paralelamente, precisamos de políticas eficazes para fomentar a armazenagem, especialmente nas fazendas. É necessário ampliar o acesso ao crédito e disseminar conhecimento sobre linhas de financiamento existentes. A aproximação dos fundos de investimentos ao setor de logística do agronegócio pode contribuir para fechar a lacuna da falta de infraestrutura.

A melhoria da produtividade do transporte é fundamental. É inadmissível que caminhões esperem mais de 30 horas em filas para carga e descarga. Sistemas de agendamento, digitalização de processos e melhoria da infraestrutura de descarregamento dos terminais são essenciais para reduzir essas ineficiências.

Reduzir o tempo de ociosidade dos equipamentos de transporte promove maior disponibilidade de capacidade de transporte para o sistema logístico. Há muita oportunidade de melhoria de gestão. O Brasil não deve continuar com o modelo do “estoque sob rodas”.

Mais ainda, vivenciamos agora um período de transição energética global. Para o Brasil atender a esse novo paradigma no setor de cargas teremos que ter uma renovação massiva da frota de caminhões, que tem uma idade elevada. Uma oportunidade de gerar um aumento na produtividade do transporte.

Por fim, não podemos ignorar o fator humano. Os motoristas autônomos, que representam cerca de 50% da oferta da frota brasileira de transporte e são um dos importantes elos da cadeia, precisam de melhores condições de trabalho para garantir a sustentabilidade do setor no longo prazo. Alguns países da Europa e Estados Unidos têm apresentado problemas de escassez de motoristas de caminhão, principalmente na transição geracional.

Um tema a ser explorado e tratado no Brasil, ainda mais se a tendência observada na última década de aumento da dependência de caminhões se prevaleça para a próxima década, pode ser um problema sério. Políticas de manutenção e estímulo da oferta de trabalho de motorista devem ser discutidas.

A Universidade de São Paulo tem contribuído de forma bastante ativa na formação de profissionais e em pesquisas na área de logística do agronegócio, principalmente a partir do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (Esalq-LOG), pertencente à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz.

O caminho para transformar a logística do agronegócio brasileiro de gargalo em diferencial competitivo requer uma estratégia integrada e multissetorial, contemplando investimentos estratégicos em infraestruturas, marcos regulatórios que estimulem a participação privada e tragam segurança jurídica, políticas de financiamento adequadas e gestão profissionalizada da cadeia logística. A cooperação entre universidade, governo e setor privado deve ser estimulada.


*Thiago Guilherme Péra é professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP

Este texto é uma reprodução autorizada de conteúdo do Jornal da USP - https://jornal.usp.br/

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