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Interesse Nacional
18 abril 2022

Marca do país pode ajudar a promover produtos ‘Made in Brazil’ no e-commerce da China

Em entrevista, Renata Thiébaut diz que desconhecimento é uma barreira para produtos brasileiros na China, mas explica que o Brasil precisa elevar seus produtos no mercado chinês e desenvolver marca própria associada ao país

Em entrevista, Renata Thiébaut diz que desconhecimento é uma barreira para produtos brasileiros na China, mas explica que o Brasil precisa elevar seus produtos no mercado chinês e desenvolver marca própria associada ao país

Por Daniel Buarque

Uma análise sobre os produtos brasileiros à venda no comércio eletrônico na China revelou que a maioria dos itens que usam o nome do Brasil em sua marca é produzida e comercializada por empresas chinesas ou de outros países, que se beneficiam da associação à marca do Brasil. O estudo indica que o Brasil aproveita mal o seu potencial, exporta matérias primas, e não consegue agregar valor a seus produtos –mesmo que tenham apelo entre consumidores chineses.

Segundo Renata Thiébaut, diretora da consultoria de e-commerce Green Proposition com mais de 15 anos de experiência na China, o Brasil poderia elevar seus produtos, desenvolver marca própria associada ao país, entendendo o consumidor chinês e o que ele quer, adaptando seus produtos ao mercado chinês.

“O Brasil tem que alavancar essas relações comerciais, não só importando produtos da China, mas começando a exportar produtos com alto valor agregado. Não só pensando em vendas, sem desenvolvimento da marca, sem pensar em uma estratégia de longo prazo. Existe esse potencial muito grande que já está determinado e embasado no fato da China ser um parceiro muito importante para o Brasil”, disse Thiébaut em entrevista à Interesse Nacional. Com este esforço, ela explicou, o Brasil pode exportar mais para a China e ter um ganho de longo prazo, agregando valor aos produtos que exporta para a China.

Thiébaut é autora do relatório “As oportunidades e os desafios para empresas brasileiras no maior mercado de e-commerce do mundo: A China”, publicado em parceria com o Conselho Empresarial Brasil-China. O trabalho apresenta o comércio eletrônico como caminho para a expansão do comércio do Brasil com a China e discute caminhos para que empresas brasileiras consigam navegar no comércio eletrônico chinês.

Segundo ela, barreiras culturais e de desconhecimento mútuo atrapalham a inserção no mercado chinês, mas vários países conseguiram desenvolver estratégias para promover seus produtos, e o Brasil pode aproveitar melhor seu potencial.

Leia abaixo a entrevista completa

Daniel Buarque – Quais são as maiores dificuldades para empresas brasileiras que querem entrar no mercado chinês?
Renata Thiébaut –
A China é um mercado grandioso, e isso contribuiu para um desenvolvimento do comércio eletrônico e também de importação de produtos de países diferentes. Devido a esses fatores, vários países conseguiram angariar mais empresas para irem para a China. Só que existe a barreira do idioma e da cultura. É um país que tem um idioma dificílimo, e nem todas as pessoas na China falam inglês. Então é bem complicado. Essa é a primeira e a grande barreira que toda e qualquer empresa tem para comercializar com a China.

Daniel Buarque – Existe também uma questão de desconhecimento geral? Você fala de idiomas, de cultura, mas é uma questão que se discute muito na academia: o quanto os brasileiros desconhecem a China e, em grande parte, a China também desconhece o Brasil. Isso pode atrapalhar também?
Renata Thiébaut –
Com certeza. Acho que em todos os setores, na economia, na política, é preciso ter um certo conhecimento de como lidar com o chinês em si. Nos negócios também, porque os chineses prezam pelo estabelecimento de relações até mais pessoais quando eles vão fazer negócios com pessoas ou empresas de outros países. Então nada acontece de um dia para o outro. Leva-se tempo tempo. É preciso ter reuniões presenciais, viajar à China para conhecê-los melhor, conhecer as facilidades. O chinês preza muito por isso. Com a pandemia, ficou um pouco mais difícil, porque tudo é feito online e então a criação dessa relação de confiança é até mais complicada. Então eu acho que essa barreira cultural, é o foco principal de como saber lidar com o chinês.

Isso não é um problema só do Brasil. Vários países têm essa mesma barreira e às vezes nem sabem negociar com os chineses porque desconhecem essa forma de se tratar com eles. É bem importante trabalhar nisso.

Daniel Buarque – E do outro lado, o que os chineses conhecem do Brasil? Você escreveu sobre a necessidade de o país ter um esforço de “branding”, de criar uma forma de se colocar de forma competitiva no mercado chinês. Existe uma marca do Brasil, como país, na China?
Renata Thiébaut –
Existe sim, para vários produtos que são até conhecidos como provenientes do Brasil, como vários tipos de castanha, nozes, queratina para cabelo, joias, pedras preciosas e semipreciosas, o café, o açaí, que é conhecido como uma fruta silvestre do Brasil. O Brasil infelizmente ainda não explora esses setores que já têm um certo conhecimento com produtos tipicamente provenientes do Brasil.

Daniel Buarque – E, de uma forma mais ampla, o que as pessoas pensam sobre o Brasil? Como você vê essa imagem do Brasil na China?
Renata Thiébaut –
A questão da imagem é um problema para vários países, não só o Brasil. Vários países tentam criar relações de negócios com a China sem se preocupar com essa construção de relações e de imagem. No caso do Brasil, há uma percepção de que o brasileiro não trabalha tanto, provavelmente devido à imagem do carnaval. Eles conhecem sobre o carnaval, praia, festa, então eles é acham que os brasileiros não trabalham tanto quanto os chineses. Tem o conhecimento do futebol também e, dependendo do setor, também já têm conhecimento sobre produtos agrícolas, sobre o potencial do país nessa área. Mas, fora isso, o conhecimento em si, principalmente da população, é muito limitado em relação ao Brasil. São esses estereótipos que se formam.

Daniel Buarque – Seu trabalho recente sobre o e-commerce da China menciona três grandes movimentos: alta penetração da internet, uma logística eficiente e desenvolvimento de métodos de pagamento online; aumento do poder de compra da classe média; e a indústria manufatureira pré-existente. O Brasil tem penetração de internet, mas todo o resto deixa a desejar no país. Quais devem ser as prioridades do Brasil para mudar esse cenário e seguir o modelo chinês?
Renata Thiébaut –
O sucesso chinês, não só no e-commerce, mas no desenvolvimento da economia em si, foi feito através de planejamento e projetos piloto. Não foi feito para o país todo, por exemplo, na tentativa de desenvolver a logística e a infraestrutura no país todo. Eles primeiro selecionaram uma província ou algumas províncias para fazer um projeto de desenvolvimento. Depois de implementar esse projeto, avaliam o resultado e como melhorar. Depois eles começam a replicar para outras províncias. A gente vê o modelo, por exemplo, de Shenzhen, que é no sul da China, que era uma vila de pescadores nos anos 1980 e hoje é o Silicon Valley da China. Além disso, a parceria entre o governo local, o governo federal e parcerias com empresas foi muito positivo.

No Alibaba, há projetos em desenvolvimento em cidades pequenas, juntamente com os governos locais, para oferecer treinamento, capacitação sobre ferramentas de comércio eletrônico, por exemplo, e isso transformou a realidade socioeconômica de pequenas cidades no interior da China. Então esse modelo poderia ser facilmente replicado para o Brasil, porque o Brasil também é um país em desenvolvimento. É claro que na China esse modelo já começou a ser implantado há mais ou menos dez anos, então o Brasil ainda tem muito para fazer. Não basta só falar, é preciso que desenvolver infraestrutura, fazer investimentos. Seria preciso fazer um estudo, escolher certas regiões no Brasil para implantar um projeto que possa realmente ter resultado.

Daniel Buarque – Como o governo brasileiro pode ajudar nesse processo de maior internacionalização de marcas e empresas do país, especialmente nessa entrada no mercado chinês?
Renata Thiébaut –
Por mais que o governo ofereça certos serviços como treinamento e capacitação, se não tiver um acompanhamento após o treinamento, as empresas ainda não sabem como aplicar isso. Uma coisa é a teoria, outra coisa é a prática. Esse acompanhamento após o treinamento, a ajuda para abrir uma loja, o acompanhamento das vendas para aprimorar o trabalho é muito interessante. Em vez de só prestar apoio antes de a empresa internacionalizar e começar a vender para algum mercado externo.

Daniel Buarque – E como você vê isso sendo feito pelo Brasil hoje? Existe algum trabalho nesse sentido?
Renata Thiébaut –
Hoje este trabalho ainda é muito incipiente, mas creio que, caso o Brasil tenha um projeto para levar para o mercado chinês, como abrir uma loja temática do Brasil, isso facilitaria. Isso poderia ser feito num primeiro momento com cerca de 20 empresas, para testar. E caso essa loja do Brasil tenha sucesso, aí poderia ser replicada para outros setores também. Existem conversas em relação a isso, mas nada foi implementado até agora.

Daniel Buarque – Seu trabalho fala especificamente disso, da criação de uma “loja Brasil”. O levantamento que você fez mostra que o nome Brasil aparece em produtos que não são necessariamente brasileiros. Por que isso acontece e como seria possível reverter isso?
Renata Thiébaut –
Na verdade, mesmo esses produtos não sendo brasileiros, eles usam ingredientes do Brasil. São produtos que são sinônimo de qualidade. Produtos anunciados como queratina brasileira, por exemplo, são vistos como sendo melhores. Há várias marcas chinesas que usam própolis e mel do Brasil, por exemplo, e há empresas da Alemanha que usam grãos de café do Brasil, ou da Bélgica que vendem pó de açaí do Brasil. Não é uma questão de pirataria, mas só de usar o nome do país, porque realmente a origem do produto é o Brasil. A questão é que o brasileiro fornece a matéria-prima, fornece o ingrediente, e eles vão produzir o produto final ou vender com a marca deles. Então o Brasil acaba perdendo. Vários produtos tipicamente brasileiros são vendidos por marcas chinesas e europeias ou até japonesas, e não do Brasil.

Daniel Buarque – Você vê isso acontecer com outros países, também? A Colômbia, por exemplo, também produz café, chocolate e matérias primas. Há esse tipo de uso do nome do país sem a manufatura dele.
Renata Thiébaut –
A Colômbia trabalha muito bem a figura do Juan Valdez em seu café, e a associação de cafeicultores da Colômbia tem escritório na China. O país faz um trabalho excelente de trazer mais marcas da Colômbia e vender através ou do e-commerce ou parcerias com restaurantes e outros estabelecimentos. A Austrália e a Nova Zelândia fazem um trabalho excelente com a China, então eles acabam também despontando em relação a vender para a China e até fazer produtos que os chineses querem comprar e desenvolver marcas somente para o mercado chinês. Itália e França, vários países fazem um trabalho excelente de vender o produto deles. Temos também o caso do Peru, que lançou uma loja, focando muito em maca e quinoa e tenta desenvolver a marca do Peru com produtos que são tipicamente deles, e assim conseguem até divulgar mais o país.

Daniel Buarque – Este seria um modelo que o Brasil deveria seguir, então?
Renata Thiébaut –
Sim. Comparando o Brasil com o Peru ou com outro país da América Latina, é claro que o Brasil tem muito mais potencial de explorar os produtos, de trazer mais marcas do Brasil para realmente estabelecer um ‘made in Brazil’ para produtos que são tipicamente do país.

‘Mesmo produtos primários podem ser vendidos diretamente para o consumidor ou gerar mais valor agregado para o produto’

Daniel Buarque – Isso é importante pelo fato de a pauta de exportação do Brasil para China ser muito ligada a produtos primários, ferro, soja, petróleo, carne. Só que o que você está falando é que eles não estão in natura, mas sim processados já, então a ideia seria usar esses produtos, industrializar eles e poder vender.
Renata Thiébaut –
Mesmo produtos, digamos, primários, podem ser vendidos diretamente para o consumidor ou gerar mais valor agregado para o produto. O Brasil poderia elevar um pouco esses produtos que são vendidos, desenvolver marca própria, elevando o produto. Várias empresas trabalham muito bem com o mercado chinês através do maior entendimento do consumidor chinês e o que ele quer, adaptando o produto ao local. É isso que o Brasil deveria fazer.

Daniel Buarque – Qual o seu nível de otimismo em relação ao futuro desse comércio Brasil com a China?
Renata Thiébaut –
Existe potencial simplesmente pelo fato de a China já ser o maior parceiro comercial do Brasil. O Brasil tem que alavancar essas relações comerciais, não só importando produtos da China, mas começando a exportar produtos com alto valor agregado. Não só pensando em vendas, sem desenvolvimento da marca, sem pensar em uma estratégia de longo prazo. Existe esse potencial muito grande que já está determinado e embasado no fato de a China ser um parceiro muito importante para o Brasil. Desta forma, o Brasil acaba passando a exportar mais para a China e a ter um ganho de longo prazo, em vez de só exportar commodity, esperar um comprador, mas sim pensar em estratégia de longo prazo e desenvolvimento de marcas, que é muito importante, e agregar valor aos produtos que hoje eles exportam para a China.

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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