22 abril 2022

Miguel Correa Do Lago: Extrema-direita chega fortalecida à disputa pela Presidência da França

A grande divisão de 2017, democracia versus autoritarismo, foi substituída pela dicotomia entre povo e elite, o que demonstra uma vitória narrativa da extrema-direita que pode se converter em vitória real neste domingo Por Miguel Correa Do Lago* A população francesa vai às urnas neste domingo 24 de abril de 2022 decidir quem ocupará a […]

A grande divisão de 2017, democracia versus autoritarismo, foi substituída pela dicotomia entre povo e elite, o que demonstra uma vitória narrativa da extrema-direita que pode se converter em vitória real neste domingo

Cartazes dos candidatos à Presidência da França nas eleições de 2017 (Foto: Lorie Shaull)

Por Miguel Correa Do Lago*

A população francesa vai às urnas neste domingo 24 de abril de 2022 decidir quem ocupará a Presidência da República nos próximos cinco anos. Ainda que os dois candidatos sejam os mesmos que em 2017, trata-se de uma eleição totalmente diferente da última. Se, em 2017, o cordão sanitário contra a extrema-direita funcionou e trouxe a Emmanuel Macron uma votação de cerca de dois terços do eleitorado, a eleição deste domingo promete ser muito mais apertada.

Em 2017, Macron, do République En Marche e Marine Le Pen, do Front National, se enfrentaram no segundo turno. Ele era um outsider sem um partido político, ela a herdeira de um partido personalista que havia sido a cara de seu pai, Jean Marie Le Pen por quarenta anos.

Macron fez uma carreira brilhante como burocrata, depois passou pelo mercado financeiro e finalmente se tornou conselheiro do Presidente socialista François Hollande. Quando alçado por este a ministro, tornou-se uma figura pública e popular. Passado pouco tempo no governo, traiu um presidente impopular para se lançar como candidato à sucessão. Sem espaço, nem força dentro do Partido Socialista, decidiu criar um movimento personalista que portava suas iniciais (En Marche!). Se beneficiando de uma crise política interna tanto da partido socialista, quanto do partido gauliste (de direita tradicional) conseguiu chegar ao segundo turno contra a temida Marine Le Pen, candidata explicitamente de extrema direita. Diante do segundo turno, todas as famílias políticas da esquerda à direita fizeram um “frente republicano” contra a extrema-direita e Macron ganhou com facilidade.

Se o segundo turno de 2017 foi o da polarização entre extrema-direita e extremo-centro, Macron não está sendo capaz de repetir a mesma estratégia do que a de cinco anos atrás. Marine normalizou-se ao longo dos últimos cinco anos, trouxe tecnocratas para seu partido, mudou o nome do partido, rompeu com os grupos identitários mais radicais. Seu discurso no primeiro turno foi mais moderado do que o da candidata Valérie Pécresse, da direita tradicional, que movida pelo desespero de seu pífio resultado eleitoral incorporou elementos de extrema-direita em seu discurso e em sua campanha. Marine já não dá mais o mesmo medo que antes: ela é uma candidata como outra qualquer. Por outro lado, o governo de Macron decepcionou grande parte de seus eleitores, e, em que pese seu bom desempenho governamental, a vida dos franceses de classe média e de classe baixa está mais difícil. Desse modo, Le Pen conseguiu se construir como a candidata popular contra o candidato de elite, Macron. Essa transformação tem atraído eleitores que votaram em candidatos de esquerda no primeiro turno para ela.

A grande dicotomia de 2017 foi democracia versus autoritarismo. Hoje, infelizmente a dicotomia é entre povo versus elite, o que demonstra uma vitória narrativa da extrema-direita que pode se converter em vitória real neste domingo. 2017 e 2022 são eleições completamente diferentes, apesar de ter os mesmos protagonistas.


* Miguel Correa Do Lago é diretor-executivo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). É também professor visitante da School of International and Public Affairs da Universidade de Columbia e da École Affaires Publiques de Sciences Po (Paris).


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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