Mino Carta, importante editor de publicações nacionais, se foi. Haverá outro como ele?
Mino Carta nunca foi devorado pela insistente tendência da política brasileira de ser dominada pela direita. Ele sempre destacava as reportagens que cutucavam o status quo, que apontavam soluções que diferiam das preferidas pelo poder

Por Luiz Roberto Serrano*
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a única alta autoridade do País a comparecer ao velório do jornalista Mino Carta, morto na última terça-feira, 2, após uma longa enfermidade que não foi divulgada.
A presença de Lula no velório nada teve de surpreendente para quem acompanhou o apoio que Mino Carta manifestou ao atual presidente da República desde a época em que ele liderava greves desafiadoras ao regime militar, no tempo em que presidiu o então Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, comandando greves históricas que desafiaram o governo ditatorial que governou o País entre 1964 e 1985.
As ações de Lula desembocaram, agregadas a outras forças políticas contrárias ao regime, na fundação do Partido dos Trabalhadores, pelo qual, em aliança com outros partidos de esquerda, ele se elegeu três vezes à Presidência da República. O apoio da IstoÉ e de outras publicações fundadas e dirigidas por Carta à Lula como presidente do sindicato e no restante de sua trajetória política foi quase uma voz solitária no mainstream da grande imprensa brasileira. Por isso, nada mais natural que a presença de Lula no velório, suspendendo várias audiências que, naquele dia, constavam de sua agenda na Presidência da República.
Filho do jornalista Gianinni Carta, que se exilara do regime totalitário de Benedito Mussolini, na Itália, e se tornou editor de Internacional d’O Estado de S. Paulo – cujo dono, Júlio Mesquita, abrigava e protegia os “seus” esquerdistas na redação do jornal –, Carta teve uma trajetória brilhante e respeitadíssima na imprensa brasileira. Comandou a editoria de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, ensaio que resultou no lançamento do então inovador Jornal da Tarde. Deste, logo partiu para ser o primeiro comandante da revista Veja, na Editora Abril, na qual já chefiara a revista Quatro Rodas, apesar de não dirigir automóveis, como fazia questão de ressaltar. Foi editor da Veja por seis anos, até o então ministro da Justiça, Armando Falcão, do governo Geisel, implicar com a contratação do autor teatral Plínio Marcos como colunista, o que resultou na demissão de Carta.
Na sequência, Carta abrigou-se como colunista na Folha de S.Paulo, a convite de seu amigo Cláudio Abramo, que então dirigia o jornal. Comandar publicações independentes era seu destino. Dirigiu a IstoÉ, competindo com a semanal da qual fora retirado, a Veja. Teve uma experiência amarga com o Jornal da República, mesmo nome de uma publicação romana, La Repubblica. O diário República brasileiro, não teve fôlego para enfrentar o Estadão e a Folha de S.Paulo, e Carta partiu então para criar a revista Senhor e, posteriormente, a Carta Capital, que hoje é a mais visível publicação semanal impressa e digital de esquerda no mercado.
Mino Carta nunca enfrentou um computador, optando sempre por batucar suas matérias em uma máquina de escrever. Dizia, como já foi amplamente relatado, temer que os computadores o “devorassem”. Mas ele nunca foi devorado pela insistente tendência da política brasileira de ser dominada pela direita, exceto em alguns e significativos momentos históricos, como o segundo governo Vargas, momentos do governo de Fernando Henrique Cardoso e os três mandatos do Partido dos Trabalhadores. Em suas máquinas Olivetti e ao paginar, pessoalmente, as edições de suas revistas, sempre destacava as reportagens que cutucavam o status quo, que apontavam soluções que diferiam das preferidas pelo poder.
Sua presença nas redações – convivi com ele na IstoÉ por uma meia dúzia de anos, entre meados dos anos 1970 e alguns dos anos 1980 – era desafiadora, sempre instigando, às vezes severamente, o talento dos componentes das equipes. Cobri, intensamente, as greves do ABC paulista ao lado de colegas como Ricardo Kotscho, Clóvis Rossi, José Meirelles Passos e Hélio Campos Mello, com todo apoio e simpatias de Carta pelo então comandante do sindicato, Lula, marcha fundamental para a trajetória deste à Presidência da República. Nos editoriais da revista, por ele escritos, a defesa de Lula era constante.
Haverá outro personagem como Mino Carta no comando de publicações brasileiras do mainstream da imprensa? A pergunta cabe, neste momento em que a imprensa digital, que abriga inúmeros e variados títulos à esquerda e à direita, domina as telas, meio preponderante de acesso ao noticiário. Talvez não, sua presença brilhante pode não ser possível de replicar.
O que seria uma grande perda para o jornalismo brasileiro, mesmo nesta fase de dominância digital.
*Luiz Roberto Serrano, jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP
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