06 maio 2024

Modelos regionais: uma alternativa para prever os impactos futuros das mudanças climáticas na Amazônia

Ao analisar todo o sistema climático e em escalas espaciais menores, os modelos climáticos regionais são capazes de gerar projeções que mostram cenários preocupantes

Posto de combustível flutuante para barcos encalhado na comunidade de Nossa Senhora de Fátima, devido ao nível baixo do rio Igarapé Tarumã-açu, na maior seca em 121 anos que Manaus vem sofrendo. (Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Por Leonardo Moreno Domingues*

O clima da região amazônica tem importantes efeitos – locais e em todo o mundo. As altas taxas de evapotranspiração da floresta (que é o processo conjunto de evaporação das águas do solo e interceptada pelas folhas das árvores, e de transpiração das plantas, que retorna a água à atmosfera) compensam parte do intenso aquecimento da superfície, e transportam umidade para o interior do Brasil.

Por isso, é tão importante entender como as mudanças climáticas globais irão alterar os processos dinâmicos na região, bem como o impacto das mudanças climáticas da Amazônia no clima global. As projeções climáticas para a Amazônia para o final do século XXI indicam um cenário preocupante: as chuvas na região devem diminuir, especialmente no trimestre junho, julho, agosto, em que a redução é projetada em 36% no cenário mais pessimista de concentração de gases do efeito estufa.

Olhando mais atentamente esses resultados, sob a ótica do balanço hídrico, é possível que um mecanismo de retroalimentação entre em curso, ou seja, que ocorra uma redução na evapotranspiração em decorrência da diminuição das chuvas que, por sua vez, diminuam ainda mais pela menor oferta de vapor d’água.

Projeções a partir de modelos climáticos

Mas como é possível termos projeções confiáveis para uma área específica e para um período tão longo?

Não há dúvidas de que o clima do planeta está mudando. Uma ampla gama de evidências observacionais dá suporte a essa afirmativa, embora sobressaia na percepção pública a noção de que o aumento da temperatura do ar, inclusive com a utilização de um termo − já um pouco obsoleto − de aquecimento global, seja a única alteração em andamento. Falamos que o clima está mudando, e não apenas que o globo está aquecendo, pois outras variáveis climáticas – como a precipitação, a umidade do ar e a circulação dos ventos – também estão mudando.

E por que estão mudando? Porque, em poucas palavras, a concentração de gases do efeito estufa na atmosfera, que absorvem a radiação de onda longa emitida pela superfície terrestre, está aumentando, muito além do que naturalmente ocorreria sem as atividades humanas. A emissão desses gases (como, por exemplo, o dióxido de carbono, o metano, o vapor d’água e o óxido nitroso) é decorrente, essencialmente, da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento.

Para tentar compreender melhor essas mudanças, os cientistas vem utilizando os chamados modelos climáticos, para avaliar o quanto as mudanças observadas nas variáveis climáticas decorrem da variabilidade natural do clima, da atividade humana, ou da combinação dos dois. A partir daí, é possível gerar projeções para o futuro.

Esses modelos, que são diferentes dos modelos de previsão do tempo, procuram alterações em variáveis e padrões climáticos com relação a um período de referência, do passado. Para tanto, eles simulam matematicamente as principais componentes do sistema climático − atmosfera, superfície terrestre, oceano e gelo marinho − em diferentes níveis da atmosfera com relação à altura, sob distintos cenários de desenvolvimento econômico, que levam a concentrações específicas de gases de efeito estufa.

Modelos climáticos regionais

Apesar da concentração de gases do efeito estufa poder ser tratada de forma global, os efeitos das mudanças climáticas são regionais. Uma das principais limitações para estudos de avaliação de impacto em resposta a essas mudanças é que os modelos climáticos globais representam o sistema climático em resoluções muito grosseiras, geralmente de centenas de quilômetros. Quanto maior a resolução, mais complicado e mais caro computacionalmente é sua utilização.

Um efeito prático disso, por exemplo, é que as heterogeneidades das coberturas dos terrenos (lagos, cidades, florestas, etc) e topografia (vales e montanhas), que se comportam de forma conhecidamente diferente em relação à dinâmica da atmosfera, se misturam em áreas de, digamos, 100 km x 100 km.

Como alternativa para refinar a resolução dos modelos globais, os cientistas utilizam os modelos regionais, que dinamicamente contabilizam os efeitos que ocorrem em escalas espaciais menores, como a topografia, o litoral e a cobertura vegetal, e as alterações nas circulações de mesoescala (como uma melhor representação da brisa marítima e da circulação de vale-montanha em regiões de relevo complexo).

Ao analisar todo o sistema climático e em escalas espaciais menores, os modelos climáticos regionais são capazes de gerar projeções como a que abre esse texto, que mostra um cenário preocupante.

Certamente, os resultados das projeções climáticas da comunidade científica para a Amazônia, apesar das incertezas envolvidas, sinalizam que os impactos das mudanças climáticas precisam ser discutidos pela sociedade. E corroboram ainda mais a necessidade de um planejamento sério, envolvendo comunidade científica, tomadores de decisão e toda a população, para uma adaptação que seja, de fato, possível.


*Leonardo Moreno Domingues é doutor em meteorologia pela Universidade de São Paulo (USP)

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Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

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