Muito além das chuvas: desastres socioambientais no Brasil precisam ser combatidos com Educação
Desastres socioambientais – como inundações, deslizamentos de terra, secas, incêndios florestais e ondas de calor – estão ocorrendo com maior frequência e intensidade. No Brasil, quase 900 mil pessoas foram atingidas por desastres em 2022 e aproximadamente 2.500 escolas estão localizadas em áreas de risco, em todas as regiões do país
Desastres socioambientais – como inundações, deslizamentos de terra, secas, incêndios florestais e ondas de calor – estão ocorrendo com maior frequência e intensidade. No Brasil, quase 900 mil pessoas foram atingidas por desastres em 2022 e aproximadamente 2.500 escolas estão localizadas em áreas de risco, em todas as regiões do país
Por Patricia Mie Matsuo*
O refrão da música – “Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, mas que beleza” – ecoa em nosso inconsciente coletivo e traz uma falsa sensação de segurança brasileira contra as intempéries da natureza. Ainda permanece a crença de que o Brasil desfruta dessa “imunidade” em relação aos desastres, por estar isento de eventos relacionados ao vulcanismo, grandes terremotos e tsunami. Mas, na vida real, a banda toca outra música.
Desastres socioambientais – como inundações, deslizamentos de terra, secas, incêndios florestais e ondas de calor – estão ocorrendo com maior frequência e intensidade. No Brasil, quase 900 mil pessoas foram atingidas por desastres em 2022 e aproximadamente 2.500 escolas estão localizadas em áreas de risco, em todas as regiões do país!
Neste contexto, é emergencial a criação de uma cultura de prevenção de riscos de desastres socioambientais e a educação é estratégica na transformação desses cenários de riscos. É fundamental desconstruir a ideia de que os desastres são naturais. Não são!
Os desastres socioambientais são uma construção social, formada a partir da combinação complexa de elementos naturais, como a chuva, e um sistema de fatores geradores de riscos, como as desigualdades sociais, falta de políticas públicas habitacionais, econômicas e educacionais. Esse entendimento é essencial para a criação e fortalecimento de uma cultura de prevenção e redução de riscos.
Escolas públicas como agentes de prevenção
Será que as escolas abordam esses tipos de desastres nos espaços de ensino? Quais os desafios ao tratar deste tema tão complexo? Estas perguntas guiaram minha pesquisa de doutorado realizada na Universidade de São Paulo (USP). Investiguei as 309 iniciativas escolares sobre Educação em Redução de Risco de Desastres (ERRD), inscritas nas quatro primeiras edições (2016 – 2019) da Campanha #AprenderParaPrevenir, coordenada pelo Programa Cemaden Educação do Centro Nacional de Monitoramento de Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Este foi o primeiro retrato nacional de como as escolas abordam os desastres no ensino. Todo o conjunto de resultados serve como subsídio para a criação e o fortalecimento de políticas públicas integradas, programas e projetos de ERRD.
Neste contexto, o primeiro ponto a ser destacado é o reconhecimento e valorização das escolas – de todos os níveis, em 20 estados e no Distrito Federal – como agentes na construção de conhecimentos sobre os desastres. Quase 90 variedades de atividades educativas foram desenvolvidas, das mais tradicionais (como palestras) às mais investigativas, como mapeamento das áreas de risco, criação de sistemas de alerta e principalmente a construção de equipamentos para medir a quantidade de chuva que cai em uma determinada região, chamados de pluviômetros.
As escolas públicas desenvolveram 97% dessas práticas, o que ressalta a potência dessas comunidades escolares – com professoras e professores que, mesmo com as dificuldades estruturais do sistema educativo, criaram práticas sobre prevenção e redução de riscos de desastres – e a necessidade de integração de todo esse aprendizado nos planos de gestão dos riscos de desastres no Brasil.
Ao longo da pesquisa, identifiquei cinco abordagens didáticas (expositiva, comunicativa, experiencial, investigativa e cidadã) adotadas nessas práticas educativas. Os pluviômetros, por exemplo, foram utilizados em contextos variados, seja apenas com o propósito de possibilitar o contato direto com esses equipamentos, ou para permitir o monitoramento das chuvas e o compartilhamento dos dados com a Defesa Civil ou universidades.
Esta condição multidimensional me instigou a criar a mandala de ERRD, como instrumento de análise, monitoramento e avaliação das abordagens didáticas, criando uma representação visual menos tradicional, que contribui na co-criação e na avaliação de médio e longo prazo dessas práticas educativas.
A “moça dos riscos”
Na escolha do tema para o meu doutorado, resgatei memórias de infância, quando que eu, minha família e minhas escolas tinham sido atingidas pelas inundações do Rio Tietê. Isso tornou minha pesquisa ainda mais significativa, já que poderia contribuir a partir do olhar de quem vivenciou um desastre socioambiental.
A pesquisa com foco em desastres foi pioneira no programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências, onde fui batizada de a “moça dos riscos”. Trazer essa inovação temática para dentro desta comunidade acadêmica, quando esta questão ainda era pouco abordada, “levantou a lebre” da prevenção dos desastres em novos espaços de diálogos da sociedade, em especial no campo do Ensino.
A tese acabou sendo premiada no Prêmio Capes de Teses 2023, o Oscar da Ciência no Brasil, e se transformou no livro Muito além da chuva: práticas educativas na era dos desastres, que apresenta os principais caminhos das escolas de todas as regiões do país e os desafios a serem superados.
Muitas escolas atuam no processo de construção de comunidades locais protegidas e preparadas aos riscos de desastres, seja por meio de projetos de extensão universitária, ação colaborativa com Defesas Civis, disciplinas eletivas ou outras estratégias. Os exemplos são vários e inspiradores.
Estudantes de uma escola do município de Rio do Sul/SC, realizaram leituras diárias da quantidade de chuva, sempre no mesmo horário. A leitura foi registrada em um planilha e no final do mês foi impressa e encaminhada para a Defesa Civil, que disponibilizaria os dados à toda comunidade pelo site da instituição.
Outra escola, de Epitaciolândia/AC, formou um grupo pelo aplicativo de comunicação WhatsApp para a troca de dados de monitoramento de pluviômetros artesanais com a comunidade interna e externa da escola.
Já algumas escolas do estado de São Paulo buscaram integrar os princípios da robótica na criação de sistemas de alerta comunitário que utilizariam dados registrados dos pluviômetros, associando com condições anteriores em que ocorreram os desastres e a emissão de alertas às populações das áreas vulneráveis.
Existe ainda um longo percurso para superar os desafios de formalização dessa temática na Educação Básica, para sua inclusão nos processos de formação de professores, assim como nos materiais de apoio para o desenvolvimento dessas ações. Mas os primeiros passos foram dados e espero que os resultados inspirem o desenvolvimento de iniciativas e políticas públicas pautadas na participação social, na equidade e na redução das desigualdades sociais e que fortaleçam a formação de estudantes protegidos e preparados para esses eventos, que se intensificam com a emergência climática.
*Patricia Mie Matsuo é doutora em ensino de ciências pela Universidade de São Paulo (USP)
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
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