29 janeiro 2025

Multilateralismo respirando por aparelhos e a política externa equilibrista

Em 2025, o Brasil terá papel de liderança na COP30 do clima, em Belém, e no grupo dos Brics, e tem a oportunidade de consolidar-se como um ator-chave no enfrentamento dos desafios globais mais urgentes de nossa era. Mas para isso, terá que fazer política externa equilibrista

3ª Sessão da Reunião de Líderes do G20: Desenvolvimento Sustentável e Transição Energética. Rio de Janeiro – RJ (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Após anos de turbulência doméstica e retração diplomática, o ano de 2024 consolidou o retorno da voz diplomática brasileira na cena internacional. Mais do que uma simples efetivação da mudança de rota proposta pelo governo eleito, em 2024 o Brasil deu provas de seu renovado compromisso com a cooperação internacional e com o fortalecimento do multilateralismo, hoje respirando por aparelhos. 

Em 2025, o Brasil terá papel de liderança na COP30 do clima, em Belém, e no grupo dos Brics, e tem a oportunidade de consolidar-se como um ator-chave no enfrentamento dos desafios globais mais urgentes de nossa era. Mas para isso, terá que fazer política externa equilibrista. 

Um olhar para o turbulento ano de 2024 oferece algumas pistas para pensar o que vem pela frente.  

‘Em âmbito regional, o desejo do atual governo de retomar o protagonismo brasileiro na integração e no diálogo político regional deu passos importantes, mas ainda insuficientes’

Em âmbito regional, o desejo do atual governo de retomar o protagonismo brasileiro na integração e no diálogo político regional – relançando programas de investimento de infraestrutura no Cone Sul e projetos de cooperação técnica e buscando atuar como mediador político na vizinhança – deu passos importantes, mas ainda insuficientes.

O desafio aqui, para além de afinar a harmonia no presidencialismo de coalizão, é melhor equipar o Estado brasileiro para esse diálogo, fazendo o ajuste fino entre as ambições globais do país e a agenda regional. 

Em 2025, o Brasil tem a oportunidade de costurar mais e melhor com a vizinhança, sobretudo na COP30, em Belém. Aqui, uma costura com os vizinhos amazônicos é estratégica para alavancar a visibilidade da região na agenda climática e garantir a viabilidade política e financeira dos atuais esforços de combate ao desmatamento e à criminalidade ambiental organizada, bem como na agenda positiva de restauração e transição ecológica justa. 

‘A COP30 é uma oportunidade única para fortalecer a cooperação regional amazônica e impulsionar a implementação de promessas feitas na Cúpula de Belém da OTCA, em 2023’

A COP30 é uma oportunidade única para fortalecer a cooperação regional amazônica e impulsionar a implementação de promessas feitas na Cúpula de Belém da OTCA, em 2023. Para isso, o Brasil precisará investir ainda mais capital diplomático para construir consensos e viabilizar planos de ação concretos junto aos vizinhos amazônicos. 

Em âmbito global, e diante de um mundo fragmentado, polarizado e repleto de crises e tensões geopolíticas, a presidência do Brasil no G20 em 2024 mostrou que o país tem autoridade e credibilidade diplomática para criar pontes e inovar politicamente, inclusive em arenas e com parceiros menos tradicionais a nossa atuação diplomática. 

Em um mundo onde a cooperação internacional patina, o Brasil oxigenou o G20 com uma agenda social, trazendo à mesa questões chave como o combate à fome, pobreza e desigualdade. Colocou na agenda o tópico da tributação de grandes fortunas e entregou um Plano de Reforma dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento

‘Uma das vitórias mais simbólicas, foi a criação da Aliança Contra a Fome e a Pobreza. A iniciativa – que já recebeu apoio de mais de 80 países e várias organizações internacionais’

Uma das vitórias mais simbólicas, foi a criação da Aliança Contra a Fome e a Pobreza. A iniciativa – que já recebeu apoio de mais de 80 países e várias organizações internacionais – mobilizar recursos e criar sinergias entre governos, fundações e instituições multilaterais para avançar no combate à fome e a pobreza ao redor do globo. 

Ainda que modesta em escopo, essa nova plataforma posiciona o Brasil como um hub de inovação em políticas e aprendizado mútuo, especialmente em áreas ditas “menos sensíveis ou polarizantes” onde a colaboração Norte-Sul pode e deve ser estimulada. 

No entanto, nem tudo foram flores na liderança brasileira do G20 em 2024. Em outros pilares, sobretudo na agenda climática, os esforços diplomáticos do país não foram suficientes para garantir avanços mais concretos e ambiciosos.  

Em um ano que se anuncia o mais quente da história, a Declaração do Rio sou tímida e não logrou destravar o impasse na COP29 de Baku acerca da nova meta global de financiamento climático. 

Apesar de sinalizações importantes (por exemplo, no apoio à industrialização verde nos países em desenvolvimento), o resultado ficou aquém das expectativas. No entanto, algumas ideias lançadas, como a proposta brasileira para a criação de um Conselho de Mudança Climática nas Nações Unidas, podem e devem ser refinadas ao longo do ano de 2025. 

‘O Brasil soube criar costuras e sinergias entre processos no G20 e no sistema ONU, sinalizando que segue atento e comprometido com a coesão e coerência entre agendas e espaços multilaterais’

No fim, o saldo do Brasil na Presidência do G20 foi positivo (tanto para o país como para o Grupo). Não é exagero dizer que foi também um alento para o bastante convalescido multilateralismo. O Brasil soube criar costuras e sinergias entre processos no G20 e no sistema ONU, sinalizando que segue atento e comprometido com a coesão e coerência entre agendas e espaços multilaterais

Em sua Presidência, o país buscou criar pontes e sinergias entre pilares do G20 de Finanças e Clima e entre o G20 e a ONU: organizando, por exemplo, uma reunião de chanceleres do G20 às margens da ONU e garantindo que iniciativas como a Aliança Contra a Fome e a Pobreza estivessem ancoradas e aliadas à iniciativas existentes no Sistema ONU. 

Mostrou-se assim consciente das armadilhas do “minilateralismo” e dos custos político-diplomáticos que a “diplomacia de clube” pode trazer ao país: incluindo o risco de ser percebido como um líder autodeclarado não-desejoso ou incapaz de construir com o resto do mundo em desenvolvimento e o peso da duplicação de pautas, agendas e espaços no funcionalismo público dedicado a assuntos internacionais.  

É, portanto, bem-vindo o anúncio das prioridades brasileiras para a presidência dos BRICS em 2025, reforçando a conexão com a agenda construída no G20 ao longo de 2024 e o processo da COP30. Em sua configuração expandida, o BRICS é um grupo que hoje congrega países fundamentais para a transição energética e ecológica, além um conjunto importante de países biodiversos (Brasil, China, Índia e África do Sul). 

‘O Brasil tem a chance de alavancar a agenda do grupo nestas temáticas e contribuir para uma reorientação estratégica do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) para apoiar essa missão’

O Brasil tem, portanto, a chance de alavancar a agenda do grupo nestas temáticas e contribuir para uma reorientação estratégica do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) para apoiar essa missão. Aqui, o Brasil pode e deve utilizar da liderança e capital político-diplomático de Dilma Rousseff no Banco para alavancar este ajuste fino, já que Dilma deve ter seu mandato estendido no NDB, pois a Rússia de Vladmir Putin já sinalizou que não pretende assumir seu lugar na presidência rotativa. 

Em 2025, para além das incertezas geradas pelo retorno de Donald Trump à Casa Branca, o cenário doméstico será bastante desafiador. Meio a tensões entre Governo e Congresso, investigações de golpismo nas Forças Armadas e possíveis turbulências no plano econômico, o país se aproxima das eleições presidenciais de 2026.  Neste contexto, a intensa agenda diplomática que se anuncia traz, ironicamente, o risco de que os eleitores sofram de uma certa “fadiga de Brasil no mundo”. 

‘O maior desafio será o de dialogar com as frustrações e insatisfações de diferentes setores na sociedade e convencer que a contribuição ativa do Brasil é do interesse de todos’

Aqui, o governo terá de mostrar e comunicar o valor e legado de seu importante ativismo em política externa e calibrar diplomacia do prestígio com diplomacia pública. O maior desafio será, portanto, o de dialogar com as frustrações e insatisfações de diferentes setores na sociedade e convencer que a contribuição ativa do Brasil a um mundo mais estável, descarbonizado e cooperativo é do interesse de todos. 

Sem pretender fazer futurologia, na corda bamba das relações internacionais de 2025, a política externa equilibrista que se anuncia é aquela que alia ambição e determinação de avançar no que é possível. Diante da tarefa, é importante ao governo calibrar o tamanho de nossas pernas político-diplomáticas e a responsabilidade de seguir trabalhando no enfrentamento dos grandes desafios globais da contemporaneidade. Em um contexto em que o mundo carece de lideranças e capacidade de articular consensos, a voz do Brasil no mundo será ainda mais importante. 

Laura Trajber Waisbich é cientista política e diretora-adjunta de programas no Instituto Igarapé. É afiliada ao Skoll Centre, na Said Business School da Universidade de Oxford e foi diretora do Programa de Estudos Brasileiros e professora de estudos latino-americanos na mesma universidade.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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