20 junho 2025

Notas sobre a escalada da guerra no Oriente Médio

Duas superpotências nucleares e militares, Israel e EUA, atuam conjuntamente contra quem se opuser a seus interesses e indiretamente defendendo um político israelense controverso

O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu (Foto:Instagram)

As guerras que estão se desenrolando nos últimos dois anos no Oriente Médio estão intimamente relacionadas aos problemas pessoais de um político israelense e aos problemas de ego e de coerência de um político norte-americano.

Para fugir de julgamento pela Corte de Justiça de Israel, por acusação de corrupção, Netanyahu aproveitou o ataque terrorista do Hamas na fronteira de Israel e iniciou a guerra contra o grupo terrorista de Gaza, em seguida, aproveitando ataques contidos do Hezbollah, a partir do Líbano, ampliou a guerra com esse grupo radical financiado pelo Irã. 

‘Com a mesma afirmação de ameaça existencial invocada por Putin, Netanyahu reeditou o que o líder russo fez com a Ucrânia: atacou (sem ser atacado) o território iraniano’

Com a destruição da capacidade de ataque do Hamas e do Hezbollah, a fim de continuar a guerra, como é de seu interesse, com base em alertas que começaram nos anos 80 do século passado sobre a iminência do Irã produzir uma bomba atômica e se tornaram dramáticos nos últimos dias (apesar de contestados por fontes dos órgãos de inteligência dos EUA), Netanyahu, com a mesma afirmação de ameaça existencial invocada por Putin, reeditou o que o líder russo fez com a Ucrânia: atacou (sem ser atacado) o território iraniano com a previsível reação de Teerã.

A guerra entre Israel e Irã entra agora em nova fase com a participação de outra personalidade, Donald Trump, aliado de Israel desde a primeira hora nessas guerras, mas que, até aqui, relutava em levar os EUA a ter um maior envolvimento direto no conflito. 

Cabe lembrar que Israel atacou o Irã no meio da negociação entre sobre o programa nuclear iraniano com os EUA e que a intervenção de Trump ocorre no momento em que as consequências das medidas econômicas tomadas por seu governo começam a dar sinais negativos com a desaceleração econômica e inflação, enquanto as medidas anti-imigração despertam reações (“No King”) em todo o país. 

‘A belicosidade de Trump contrasta com a imagem de “peacemaker” que tentou passar na campanha’

A belicosidade de Trump contrasta com a imagem de “peacemaker” que tentou passar na campanha. Apesar da oposição de parte do Partido Republicano e de seus seguidores, Trump está ameaçando a destruição dos centros nucleares iranianos, mandando a população sair de Teerã, ameaçando o líder religioso iraniano de morte, prometendo a mudança de regime e pedindo a rendição incondicional do Irã.

O próximo passo poderá ser a entrada dos EUA na guerra, caso o prazo de duas semanas concedido por Trump para que os entendimentos diplomáticos em Genebra entre alguns países da União Europeia e o Irã e outros, a partir da semana que vem, prosperem. 

‘Com a prioridade de Israel mudando para a rendição incondicional e a mudança de regime, as perspectivas não são encorajadoras’

Com a prioridade de Israel mudando para a rendição incondicional e a mudança de regime, as perspectivas não são encorajadoras, já que Khamenei rechaçou a possibilidade de rendição incondicional. As consequências serão imprevisíveis tanto dentro do Irã, quanto no restante da região. São conhecidas as experiências de “regime change” no Iraque, no Afeganistão e na Líbia, lideradas pelos EUA. 

A guerra contra o Irã mudou o patamar das operações bélicas modernas. Israel desarmou, desorientou e desestabilizou Teerã antes mesmo de a guerra começar. A eliminação dos “proxies” do Irã (Hamas, Hezbollah), decapitação dos comandos do exército, da guarda republicana, as mortes dos cientistas nucleares e a destruição da defesa antiaérea, de radares e dos lançadores de mísseis e drones, com capacidade de inteligência avançadíssima, guerra cibernética, dissimulação estratégica, infiltração de pessoal e equipamento em território iraniano, iron dome e drones, criaram um alto grau de surpresa, de abalo psicológico e paralisia no governo Khamenei.

‘O mundo assiste atônito a essa escalada militar sem ter como influir na disputa’

O mundo assiste atônito a essa escalada militar sem ter como influir na disputa. Por diferentes razões, China, Rússia, União Europeia pedem a limitação dessas ações, e a maioria pede que o Irã desista de seu programa nuclear militar. 

Afinal, na prática, são duas superpotências nucleares e militares, Israel e EUA, atuando conjuntamente contra quem se opuser a seus interesses e indiretamente defendendo um político israelense controverso. A opinião pública de Israel e do Irã, apesar das divergências internas, estão apoiando o governo de turno por uma atitude nacionalista.

A inação e a perda de importância do G7 reunido no Canadá foi acentuada pela saída abrupta de Trump no primeiro dia do encontro para presidir reunião mais importante do Conselho de Segurança Nacional em Washington, que iria decidir sobre a entrada dos EUA na guerra, e pela cândida manifestação de Lula dizendo que o G7 perdeu importância para o G20. Aliás, novas desculpas foram encontradas para justificar mais uma vez o adiamento do encontro de Lula com Zelensky, solicitado por este e aceito pelo mandatário brasileiro.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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