Novos ataques de Trump certamente virão. Precisamos nos preparar
Pela primeira vez em muitos anos temos um inimigo perigoso que insiste em dizer que o Brasil sempre foi um mau parceiro. O que é uma mentira. Basta dizer que até 1990 realmente protegíamos nosso mercado como ele, Trump, está fazendo agora em seu país

Por Paulo Feldmann*
Passado um pouco mais de um mês do anúncio do presidente Donald Trump acerca das supertarifas, podemos dizer que haverá, sim, um impacto negativo para nossa economia, mas não tão grande quanto se imaginava na data do anúncio. A maioria dos economistas avalia que vamos perder algo entre US$ 4 e US$ 7 bilhões das nossas exportações, que são da ordem de US$ 350 bilhões por ano. Com isso a perda no PIB será pequena, aproximando-se de 0,2 % do mesmo. Pelo visto sobrevivemos ao primeiro pacote anti-Brasil, mas infelizmente outros virão, como vamos expor mais à frente.
Também temos que levar em conta que a negociação de Trump com a China ainda não terminou, mas poderá resultar em medidas péssimas para o Brasil no caso de a China decidir comprar mais soja e mais carne dos Estados Unidos.
O fato é que participamos muito mal do comércio internacional. Este atingiu 33 trilhões de dólares em 2024, mas o Brasil foi responsável por apenas 1 % disso. Não faz sentido um país que possui quase 3% da população mundial e representa 2,5 % do PIB do planeta ser tão fraco em suas transações internacionais. Há inúmeras razões para isso e são elas que precisam ser atacadas agora. Por exemplo, todos sabemos que não somos competitivos e isso se deve em boa parte ao tão falado “Custo Brasil”. Essa explicação tem mais de 40 anos, mas praticamente nada foi feito para atacar os causadores do mal. Entre estes, destacamos os três principais:
- o custo altíssimo para se transportar mercadorias porque usamos predominantemente caminhões e quase não temos ferrovias;
- a carga tributária para empresas está entre as mais altas do mundo; e
- a energia elétrica, além de ser muito cara, não é confiável, com uma taxa de interrupções que prejudica muitos setores .
- Diminuir ou eliminar o “Custo Brasil” é necessário, mas não suficiente. Precisamos ser mais inteligentes no uso de nossos recursos naturais. Por exemplo, estamos entre os maiores produtores de terras raras mas não sabemos extraí-las nem fazer a separação dos minérios onde elas normalmente se encontram. O fato de a China possuir as maiores reservas mundiais de terras raras e saber extraí-las coloca este país numa situação extremamente favorável ao negociar com os Estados Unidos. Possuímos a quinta maior reserva do mundo mas praticamente não temos como usar esse potencial. O mesmo acontece em inúmeros outros casos, talvez a biodiversidade amazônica seja o mais emblemático, pois ela é a fonte mais importante para a produção de remédios, mas pouco utilizada pelo Brasil.
Quase todos os anos metade das exportações brasileiras vai para apenas quatro países: China, Estados Unidos, Argentina e Holanda, nessa ordem em termos de importância. Claro que há um risco importante nessa alta concentração e que agora ficou evidente com o episódio das megatarifas. É urgente que nosso país se aplique na busca de novos mercados.
Em outras palavras, vamos sobreviver ao primeiro pacote de Trump, o que não quer dizer que não venham outros, levando-se em conta que o Supremo Tribunal Federal deve condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro e isso aumentará a fúria do presidente norte-americano contra o Brasil. Aliás, essa fúria não se restringe apenas ao comércio. Brasileiros estão sendo proibidos de entrar nos Estados Unidos por terem participado do Programa Mais Médicos, pois este empregava profissionais cubanos, e até nosso “pix” corre riscos.
Enfim, pela primeira vez em muitos anos temos um inimigo perigoso que insiste em dizer que o Brasil sempre foi um mau parceiro. O que é uma mentira. Basta dizer que até 1990 realmente protegíamos nosso mercado como ele, Trump, está fazendo agora em seu país. Deixamos de proteger e aderimos totalmente ao livre mercado, justamente quando os Estados Unidos estabeleceram o famigerado Consenso de Washington. Passados 35 anos, o Banco Mundial afirma que fomos o campeão mundial em desindustrialização no período e a Argentina, a segunda colocada. Valeu a pena?
Paulo Feldmann é professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP
Este texto é uma reprodução autorizada de conteúdo do Jornal da USP - https://jornal.usp.br/
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