O desastre climático e a visível paródia da ‘economia verde’
Ações para mitigar os visíveis danos causados pelas mudanças climáticas não visa reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas gerar um forçado processo de substituição de importações, alcançar a máxima autossuficiência e a reindustrialização dos países da União Europeia
Só governos crédulos, inexperientes ou frívolos podem imaginar que as regras e ações adotadas nos últimos 40 anos para mitigar e remediar os visíveis danos causados pelas mudanças climáticas foram, em algum momento, ferramentas adequadas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e para forjar a tão desejada economia verde e competitiva.
Quando se avaliam os subprogramas do Pacto Verde europeu, que foram orquestrados no último quinquênio, nota-se imediatamente que a ideia central desta política é gerar um forçado processo de substituição de importações, alcançar a máxima autossuficiência ou “soberania agrícola” e a reindustrialização dos 27 países da União Europeia (UE).
Em outras palavras, nosso velho conhecido, o protecionismo regulatório, está mais vivo do que nunca. Essa artimanha serve para descarregar grande parte do ajuste interno que o velho continente deveria fazer para ser competitivo, nas costas de seus parceiros comerciais. Nossos amigos de Bruxelas insistem em aplicar o efeito espelho de desenvolvimento sustentável a essa barbaridade, que sem dúvida é uma das obras-primas desse protecionismo.
Mas essa visão não é exclusiva. O ex-presidente Donald Trump fez a mesma jogada com o México, ao reformular, manu militari, o antigo NAFTA e transformá-lo no USMCA. Segundo a tese do atual candidato republicano à Presidência dos EUA, o déficit do comércio americano com o México deve ser reduzido diminuindo a competitividade de seus vizinhos do sul, e não aumentando a já limitada competitividade dos Estados Unidos.
Diante de um cenário como este, aqueles que tentam acompanhar com algum detalhe os passatempos das classes políticas relevantes, encontram dificuldade em localizar onde está a onda de remédios e a paixão verde que desejam inspirar as potências que mais poluem, bem como qual é a contribuição real que pretendem fazer na luta contra as mudanças climáticas. Não estou falando de estabelecer metas, mas de alcançar as metas de recuperação identificadas pelo Acordo de Paris.
É verdade, “a caridade bem entendida começa em casa”, e disso a classe política do velho continente entende bastante. Mas seus colegas de Washington também não são inexperientes. Ambos os principais partidos dos Estados Unidos estão muito entusiasmados com as questões do protecionismo fiscal, de crédito e regulamentar, que se intensificaram com o movimento patriótico que surgiu em Washington sob o slogan artístico America First.
Só para ilustrar o ponto novamente, os três programas econômicos de ponta da UE são “do produtor ao consumidor” (Farm to Fork), autonomia estratégica (ou seja, tudo feito em casa) e a forçada reindustrialização da economia dos países do capitalismo tradicional, cuja existência tive a honra de antecipar aos leitores que toleram meus humildes escritos.
Mas essas afirmações não exigem muito debate, se as pessoas que costumam opinar sobre o tema (opinar não implica saber) aprenderem a avaliar integralmente os resultados que surgiram do Acordo de Paris, assinado em 2015.
Alieto Guadagni, e muito antes o embaixador Raúl Estrada Oyuela, decidiram liderar um grupo de estudiosos e especialistas que cultivam a saudável rotina de observar com olhar profissional esses processos.
No entanto, nenhum dos enfoques costuma incluir a análise da política econômica e comercial necessária para entender os conflitos entre os interesses criados da vida real, que não estão felizes com a economia verde que o futuro exige, e o objetivo prioritário de moderar e reduzir a poluição que está causando desastres climáticos nos “jardins do planeta” (linguagem da encíclica Laudato Si’ do papa Francisco).
Não é preciso dizer que o problema não foi a adoção do Acordo de Paris, mas aceitar um conteúdo com regras que não são vinculantes e, portanto, inadequadas para forçar sua aplicação. Da mesma forma, aceitar um texto que de modo algum garante que as políticas nacionais ou regionais de seus membros os induzam a respeitar os limites de corte de emissões que nos ajudariam a evitar que a desordem climática destrua todo o planeta.
O terceiro problema é o que se sintetiza a seguir.
O acima exposto indica que também não vale a pena levar a sério aqueles que invocam forças celestiais quando o objetivo é interromper a proliferação de plásticos nos mares, frear a selvagem desertificação das florestas Amazônica e Chaqueña (cuja existência permite atender, entre outros aspectos vitais, à provisão de 55% dos insumos necessários para os medicamentos consumidos na Terra e à sua condição de pulmões globais); de maltratar a preservação da diversidade biológica, de esgotar recursos naturais como água doce e pesca, ou da incapacidade coletiva de tornar rentável, no ritmo necessário, a construção da tão desejada economia verde.
Um sintoma de que tudo isso tem algo a ver com o dinheiro (atualmente home banking), ou seja, com a sobrevivência do protecionismo regulatório, é o fracasso do beatífico projeto de acordo sobre a liberalização do comércio de bens ambientais (mais conhecido pela sigla inglesa EGA), que foi negociado com boas intenções na OMC.
Tal revisão nos leva a retomar a análise desses fatos por dois motivos.
O primeiro é a existência de rumores (rumores meio oficiais) de que, antes do final do ano, será finalmente assinado o projeto revisado do Acordo birregional de Livre Comércio (ALC) entre a União Europeia e o Mercosul, cuja versão inicial foi consensuada (é uma maneira de dizer) pelos nossos governos e pela representante da Comissão da UE em junho de 2019.
Dizem desta vez que é para valer, apesar de França e Áustria (duvido que sejam os únicos) continuarem se opondo tenazmente à assinatura de qualquer acordo com os signatários do Mercosul. Alegam que as outras 25 nações parecem resignadas a consentir a nível do poder executivo, ou seja, a Comissão da UE mais o Conselho Europeu de um lado, e os líderes do Tratado de Assunção do outro.
Por enquanto, não há como prever como evoluirá o processo de ratificação com o novo Parlamento Europeu eleito em junho, nem nos parlamentos nacionais dos diferentes países da UE que, nos últimos anos, rejeitaram categoricamente a opção de assinar este ALC.
A Comissão da UE sustenta que se alcançará a maioria necessária. O governo do Brasil havia previsto que essa assinatura ocorreria em dezembro de 2023, quando exerceu a Presidência pro tempore semestral do Mercosul, depois em março último, após ter negociado certos ajustes cujo teor intuo, mas não conheço, que se limitariam a reforçar o já pactuado em matéria de desenvolvimento sustentável e desertificação, como um requisito normal de acesso ao mercado.
Com estas e outras ressalvas, talvez seja possível concluir o referido processo nos arredores da Cúpula do Rio de Janeiro do G20, que será realizada em novembro próximo e à qual o presidente Javier Milei tenta assistir.
Paralelamente, até o momento, reitero todas e cada uma das previsões que formulei sobre o valor real que este compromisso fornecerá. Minha avaliação se assemelha à opinião formulada pelos três últimos comissários de Comércio da UE, incluindo o atual, sobre a insignificância das concessões de acesso ao mercado que o velho continente concedeu ao Mercosul.
Da mesma forma, concordo com o Relatório e as opiniões expressas pelos autores da London School of Economics (LSE) sobre o valor real do acordo, uma entidade que presta consultoria ao Comitê de Comércio Internacional do Euro-Parlamento, que, após as eleições de junho, reelegeu como presidente o alemão Bernd Lange.
Dada a avareza das concessões, o texto em análise se reduz, essencialmente, à condição de acordo regulatório.
Ao mesmo tempo, a UE conseguiu realizar uma minuciosa inserção sistemática do Princípio Precautório, que, segundo Pascal Lamy, é uma forma muito mais eficiente de restringir o comércio sem recorrer ao manejo complicado do aumento das tarifas de importação ou à aplicação das ilegais barreiras não tarifárias de tipo sanitário, técnico ou ambiental. Lamy foi Comissário de Comércio da UE e Diretor Geral da Secretaria da OMC.
O outro motivo para prestar atenção a este tipo de comentário surge das observações mencionadas anteriormente, no contexto de um documento da equipe técnica do Parlamento Europeu intitulado Environment and Common Agricultural Policy, que circulou em julho passado.
Seu texto esclarece como poucos a pouca seriedade e disciplina que existem no setor agrícola da UE e, particularmente, o fracasso do critério de usar os subsídios para envolver os produtores rurais nos trabalhos de reforma verde na terra, nas florestas e nos rios. O autor destaca que os compromissos não foram cumpridos e que ninguém leva muito a sério as boas práticas da OCDE, nem as demais receitas mágicas do ambientalismo do velho continente.
O trabalho de auditoria também demonstra que os subsídios não trouxeram melhorias verdes nem absorveram as boas práticas de produção e conservação.
O Tribunal de Contas Europeu também publicou um Relatório (ano 2022) em que afirma que os diversos planos verdes de subsídio agrícola foram dinheiro jogado fora. Os Estados-Membros receberam liberdade para administrar os fundos e com eles foram criados 160 planos distintos, cuja utilidade verde ninguém conseguiu demonstrar.
Durante a execução da Política Agrícola Comum (PAC) do período 2016-2020, cerca de 100 bilhões de euros foram aplicados em planos destinados a combater as mudanças climáticas com essas abordagens.
Em outras palavras, constitui uma forte voz de alerta. Digo isso para enfatizar que nossos profetas e potenciais parceiros estão lidando com suas tarefas domésticas com clara irresponsabilidade política e ambiental.
Jorge Riaboi diplomata e jornalista. Seus textos são publicados originalmente no jornal argentino Clarín
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