O Oriente Médio após a queda de Bashar al-Assad – Uma nova ordem ou um caos ampliado?
Sem esforços coordenados para reconstruir a Síria e mitigar os impactos de sua fragmentação, o país continuará sendo um foco de instabilidade que reverbera em todo o globo
Com o colapso do regime de Bashar al-Assad, a Síria entra em uma nova era de incertezas, cujas consequências transcendem as fronteiras do país.
O desmoronamento de um dos regimes mais duradouros e repressivos do Oriente Médio pode não trazer, como muitos esperam, a estabilidade ou a reconstrução imediata. Pelo contrário, abre espaço para uma fragmentação ainda mais acentuada, que ameaça redirecionar o equilíbrio geopolítico regional e expor desafios tanto para Israel quanto para outras potências globais e locais.
O cenário imediato após a queda de Assad é dominado por uma Síria dividida entre múltiplas facções. Milícias étnicas, grupos religiosos e atores externos competem pelo controle do território, transformando o país em um mosaico de disputas.
As áreas anteriormente controladas pelo regime foram rapidamente ocupadas por forças díspares, incluindo remanescentes do Estado Islâmico, milícias curdas, e facções apoiadas pelo Irã e pela Turquia. A ausência de uma autoridade centralizada e a falha em estabelecer uma transição política efetiva alimentam a perpetuação do caos, criando zonas de instabilidade que se estendem para além das fronteiras sírias.
Nesse contexto, Israel enfrenta um dilema estratégico. A relativa previsibilidade do regime de Assad foi substituída por incertezas sobre quem detém o poder na fronteira norte. Milícias jihadistas se aproximam da área de Golã, ampliando o risco de confrontos diretos.
Para Israel, o colapso de Assad significa a substituição de um “mal conhecido” por múltiplas ameaças difusas, exigindo ajustes estratégicos imediatos.
A queda de Assad reconfigurou as alianças e rivalidades no Oriente Médio. Por um lado, potências como o Irã e a Rússia têm lutado para preservar sua influência na região, apesar de enfraquecidos. Por outro lado, países como a Turquia aproveitaram a oportunidade para expandir sua zona de influência, especialmente em áreas habitadas por curdos, que continuam sendo um ponto de fricção.
Além disso, a instabilidade síria exacerbou as tensões sectárias em países vizinhos. O Líbano, já vulnerável, viu um aumento no fluxo de refugiados. O Iraque, por sua vez, enfrenta o ressurgimento de grupos extremistas, reforçados pela desordem síria. A Turquia e a Jordânia, sobrecarregadas com a gestão de refugiados, lidam com pressões econômicas e sociais crescentes, enquanto potências globais como os Estados Unidos e a Rússia competem por influência no futuro da Síria.
Para Israel, a queda de Bashar al-Assad trouxe desafios que superam qualquer potencial oportunidade. O regime sírio, apesar de sua hostilidade histórica, era um ator previsível que mantinha um equilíbrio frágil, mas relativamente estável, na fronteira norte de Israel.
Com a ausência de Assad, esse equilíbrio foi substituído por um vácuo de poder preenchido por atores diversos e muitas vezes hostis, entre eles grupos jihadistas e milícias apoiadas pelo Irã, cuja presença se consolidou de forma alarmante na Síria. Para Israel, isso representa uma ameaça imediata e contínua, com bases militares iranianas próximas de sua fronteira e um aumento no risco de ataques diretos com mísseis de precisão e drones.
Além disso, a região das Colinas de Golã, que antes era gerida sob uma tensa estabilidade, tornou-se um epicentro de confrontos e infiltrações. A fragmentação da Síria pós-Assad transformou a fronteira norte de Israel em uma zona altamente instável. A resposta de Israel tem sido a intensificação de ataques aéreos preventivos contra depósitos de armas. Essa abordagem é limitada por sua natureza reativa e pela complexa dinâmica geopolítica da região.
Nesse contexto, Israel tem buscado fortalecer suas alianças regionais, particularmente com países árabes moderados que compartilham preocupações em relação à expansão iraniana. Os Acordos de Abraão, que normalizaram as relações de Israel com países como Emirados Árabes Unidos e Bahrein, são um marco nesse esforço. Essas parcerias oferecem oportunidades de cooperação estratégica, mas enfrentam obstáculos internos e externos, incluindo a pressão de populações locais e a questão palestina, que ainda limita a profundidade dessas relações.
Além disso, enquanto os Estados do Golfo possuem recursos financeiros significativos, sua capacidade militar e disposição para confrontar diretamente a presença iraniana na Síria permanecem limitadas.
O desafio de longo prazo para Israel é complexo e multifacetado. Embora a manutenção da superioridade militar e a realização de ataques preventivos sejam componentes essenciais de sua estratégia, elas não são suficientes para garantir a segurança em um ambiente tão imprevisível.
A instabilidade da Síria, exacerbada pela fragmentação e pela influência de potências externas como Rússia e Irã, exige uma abordagem que combine força militar, diplomacia regional e pressão internacional. Israel precisa continuar investindo em tecnologias de defesa avançadas, enquanto trabalha para convencer aliados globais, como os Estados Unidos e a Europa, a adotar posturas mais firmes em relação à presença iraniana no Levante.
Os Estados Unidos e a Rússia continuam sendo atores fundamentais nesse novo cenário. Enquanto Moscou busca preservar sua presença no Mediterrâneo através de bases militares e influência no futuro político da Síria, Washington enfrenta o desafio de equilibrar seu envolvimento na região. Para ambos, a competição por poder no Levante tornou-se ainda mais intensa, dificultando qualquer esforço coordenado para estabilizar a Síria.
A queda de Bashar al-Assad marca um ponto de inflexão para o Oriente Médio, mas não significa o fim do conflito na Síria. Pelo contrário, abriu um novo capítulo de fragmentação, radicalização e instabilidade. Para Israel, os desafios aumentaram exponencialmente, com a necessidade de enfrentar múltiplas ameaças enquanto busca preservar sua segurança e estabilidade. Para a região, o colapso de Assad não trouxe um reordenamento positivo, mas sim uma ampliação das rivalidades sectárias, das disputas de poder e das crises humanitárias.
Nesse cenário, a comunidade internacional precisa reavaliar suas estratégias para o Oriente Médio. Sem esforços coordenados para reconstruir a Síria e mitigar os impactos de sua fragmentação, o país continuará sendo um foco de instabilidade que reverbera em todo o globo. A questão que resta é: quem está disposto e preparado para liderar esse esforço monumental?
Karina Stange Calandrin é colunista da Interesse Nacional, professora de relações internacionais no Ibmec-SP e na Uniso, pesquisadora de pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutora em relações internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).
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