12 dezembro 2024

O Oriente Médio após a queda de Bashar al-Assad – Uma nova ordem ou um caos ampliado?

Sem esforços coordenados para reconstruir a Síria e mitigar os impactos de sua fragmentação, o país continuará sendo um foco de instabilidade que reverbera em todo o globo

Ataques em Aleppo (Foto: OCHA)

Com o colapso do regime de Bashar al-Assad, a Síria entra em uma nova era de incertezas, cujas consequências transcendem as fronteiras do país.

O desmoronamento de um dos regimes mais duradouros e repressivos do Oriente Médio pode não trazer, como muitos esperam, a estabilidade ou a reconstrução imediata. Pelo contrário, abre espaço para uma fragmentação ainda mais acentuada, que ameaça redirecionar o equilíbrio geopolítico regional e expor desafios tanto para Israel quanto para outras potências globais e locais.

O cenário imediato após a queda de Assad é dominado por uma Síria dividida entre múltiplas facções. Milícias étnicas, grupos religiosos e atores externos competem pelo controle do território, transformando o país em um mosaico de disputas. 

‘A ausência de uma autoridade centralizada e a falha em estabelecer uma transição política efetiva alimentam a perpetuação do caos, criando zonas de instabilidade que se estendem para além das fronteiras sírias’

As áreas anteriormente controladas pelo regime foram rapidamente ocupadas por forças díspares, incluindo remanescentes do Estado Islâmico, milícias curdas, e facções apoiadas pelo Irã e pela Turquia. A ausência de uma autoridade centralizada e a falha em estabelecer uma transição política efetiva alimentam a perpetuação do caos, criando zonas de instabilidade que se estendem para além das fronteiras sírias.

Nesse contexto, Israel enfrenta um dilema estratégico. A relativa previsibilidade do regime de Assad foi substituída por incertezas sobre quem detém o poder na fronteira norte. Milícias jihadistas se aproximam da área de Golã, ampliando o risco de confrontos diretos. 

‘Para Israel, o colapso de Assad significa a substituição de um “mal conhecido” por múltiplas ameaças difusas’

Para Israel, o colapso de Assad significa a substituição de um “mal conhecido” por múltiplas ameaças difusas, exigindo ajustes estratégicos imediatos.

A queda de Assad reconfigurou as alianças e rivalidades no Oriente Médio. Por um lado, potências como o Irã e a Rússia têm lutado para preservar sua influência na região, apesar de enfraquecidos. Por outro lado, países como a Turquia aproveitaram a oportunidade para expandir sua zona de influência, especialmente em áreas habitadas por curdos, que continuam sendo um ponto de fricção.

Além disso, a instabilidade síria exacerbou as tensões sectárias em países vizinhos. O Líbano, já vulnerável, viu um aumento no fluxo de refugiados. O Iraque, por sua vez, enfrenta o ressurgimento de grupos extremistas, reforçados pela desordem síria. A Turquia e a Jordânia, sobrecarregadas com a gestão de refugiados, lidam com pressões econômicas e sociais crescentes, enquanto potências globais como os Estados Unidos e a Rússia competem por influência no futuro da Síria.

‘O regime sírio, apesar de sua hostilidade histórica, era um ator previsível que mantinha um equilíbrio frágil, mas relativamente estável, na fronteira norte de Israel’

Para Israel, a queda de Bashar al-Assad trouxe desafios que superam qualquer potencial oportunidade. O regime sírio, apesar de sua hostilidade histórica, era um ator previsível que mantinha um equilíbrio frágil, mas relativamente estável, na fronteira norte de Israel. 

Com a ausência de Assad, esse equilíbrio foi substituído por um vácuo de poder preenchido por atores diversos e muitas vezes hostis, entre eles grupos jihadistas e milícias apoiadas pelo Irã, cuja presença se consolidou de forma alarmante na Síria. Para Israel, isso representa uma ameaça imediata e contínua, com bases militares iranianas próximas de sua fronteira e um aumento no risco de ataques diretos com mísseis de precisão e drones.

Além disso, a região das Colinas de Golã, que antes era gerida sob uma tensa estabilidade, tornou-se um epicentro de confrontos e infiltrações. A fragmentação da Síria pós-Assad transformou a fronteira norte de Israel em uma zona altamente instável. A resposta de Israel tem sido a intensificação de ataques aéreos preventivos contra depósitos de armas. Essa abordagem é limitada por sua natureza reativa e pela complexa dinâmica geopolítica da região.

‘Os Acordos de Abraão oferecem oportunidades de cooperação estratégica, mas enfrentam obstáculos internos e externos’

Nesse contexto, Israel tem buscado fortalecer suas alianças regionais, particularmente com países árabes moderados que compartilham preocupações em relação à expansão iraniana. Os Acordos de Abraão, que normalizaram as relações de Israel com países como Emirados Árabes Unidos e Bahrein, são um marco nesse esforço. Essas parcerias oferecem oportunidades de cooperação estratégica, mas enfrentam obstáculos internos e externos, incluindo a pressão de populações locais e a questão palestina, que ainda limita a profundidade dessas relações. 

Além disso, enquanto os Estados do Golfo possuem recursos financeiros significativos, sua capacidade militar e disposição para confrontar diretamente a presença iraniana na Síria permanecem limitadas.

O desafio de longo prazo para Israel é complexo e multifacetado. Embora a manutenção da superioridade militar e a realização de ataques preventivos sejam componentes essenciais de sua estratégia, elas não são suficientes para garantir a segurança em um ambiente tão imprevisível. 

‘A instabilidade da Síria, exacerbada pela fragmentação e pela influência de potências externas como Rússia e Irã, exige uma abordagem que combine força militar, diplomacia regional e pressão internacional’

A instabilidade da Síria, exacerbada pela fragmentação e pela influência de potências externas como Rússia e Irã, exige uma abordagem que combine força militar, diplomacia regional e pressão internacional. Israel precisa continuar investindo em tecnologias de defesa avançadas, enquanto trabalha para convencer aliados globais, como os Estados Unidos e a Europa, a adotar posturas mais firmes em relação à presença iraniana no Levante.

Os Estados Unidos e a Rússia continuam sendo atores fundamentais nesse novo cenário. Enquanto Moscou busca preservar sua presença no Mediterrâneo através de bases militares e influência no futuro político da Síria, Washington enfrenta o desafio de equilibrar seu envolvimento na região. Para ambos, a competição por poder no Levante tornou-se ainda mais intensa, dificultando qualquer esforço coordenado para estabilizar a Síria.

A queda de Bashar al-Assad marca um ponto de inflexão para o Oriente Médio, mas não significa o fim do conflito na Síria. Pelo contrário, abriu um novo capítulo de fragmentação, radicalização e instabilidade. Para Israel, os desafios aumentaram exponencialmente, com a necessidade de enfrentar múltiplas ameaças enquanto busca preservar sua segurança e estabilidade. Para a região, o colapso de Assad não trouxe um reordenamento positivo, mas sim uma ampliação das rivalidades sectárias, das disputas de poder e das crises humanitárias.

Nesse cenário, a comunidade internacional precisa reavaliar suas estratégias para o Oriente Médio. Sem esforços coordenados para reconstruir a Síria e mitigar os impactos de sua fragmentação, o país continuará sendo um foco de instabilidade que reverbera em todo o globo. A questão que resta é: quem está disposto e preparado para liderar esse esforço monumental?

Karina Stange Calandrin é colunista da Interesse Nacional, professora de relações internacionais no Ibmec-SP e na Uniso, pesquisadora de pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutora em relações internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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Síria 🞌

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