O palco brasileiro amazônico e o impulso global diplomático – Navegando nas correntes de contradição
A COP30 em Belém coloca o Brasil no centro da diplomacia climática global, ao tentar transformar ambição em ação concreta: impulsionar NDCs mais fortes, financiar a transição energética e conciliar a liderança amazônica e dos biocombustíveis com críticas sobre sustentabilidade, contradições internas e disputas geopolíticas

A COP30 é a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o tratado assinado em 1992 no Rio de Janeiro que vincula o mundo a “evitar as mudanças climáticas perigosas”, embora sem detalhar os caminhos para tal.
Este ano, a Conferência retorna às suas raízes ambientais no Brasil, sediada pela primeira vez na cidade amazônica de Belém. Os anfitriões brasileiros preparam uma agenda detalhada e robusta, contendo 145 itens distintos e optaram por iniciar o processo de maneira precoce com um evento preliminar de alta relevância. Trata-se de um evento socioambiental catalisador com participação de líderes mundiais, denominado Cúpula do Clima de Belém (ou Belém Climate Summit), realizado em novembro de 2025.
O objetivo estratégico dessa cúpula de dois dias foi encorajar as equipes de negociação a abandonarem as posições enraizadas e a assumirem ações audaciosas durante a COP em si, sinalizando um compromisso político de alto nível antes mesmo do início formal das discussões técnicas.
‘Esta estratégia indica a intenção do Brasil de usar o simbolismo nacional de sediar a COP no coração geográfico da Amazônia para forçar um ajuste estratégico da ambição climática global’
Esta estratégia indica a intenção do Brasil de usar o simbolismo nacional de sediar a COP no coração geográfico da Amazônia para forçar um ajuste estratégico da ambição climática global.
Trata-se de tanto de um desafiador cenário estratégico como de uma análise de identidade nacional do Brasil na COP30. O Brasil, na qualidade de país-presidente da COP30, assume uma tarefa diplomática e técnica de monumental importância global: traçar um roteiro claro da Conferência de Belém até os cortes de emissões indispensáveis para a manutenção do aquecimento global no limite de 1,5°C.
Este desafio central exige a conversão das NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), atualmente tidas como insuficientes para a meta do Acordo de Paris, em ações concretas e eficientes, focadas principalmente na substituição estratégica dos combustíveis fósseis por energia limpa.
Para cumprir sua missão, o Brasil deve focar em pontos de convergência norteadores que alinhem o nível de ambição política à implementação prática, baseados nos seguintes pilares:
‘A presidência brasileira precisa ser a catalisadora para que as nações, especialmente as maiores economias, apresentem uma nova rodada de NDCs (NDCs 3.0) mais ambiciosas’
Primeiramente, a aceleração e o fortalecimento das NDCs. A presidência brasileira precisa ser a catalisadora para que as nações, especialmente as maiores economias, apresentem uma nova rodada de NDCs (NDCs 3.0) mais ambiciosas e alinhadas ao teto de 1,5°C. Portanto, não basta a promessa de corte; as novas NDCs devem vir acompanhadas de roteiros detalhados e metas quantitativas (como a capacidade de GW de energias renováveis a ser instalada e prazos para a eliminação gradual de fontes de carbono). Também, o Relatório sobre a Lacuna de Emissões (Emissions Gap Report) do PNUMA alerta que o mundo está fora da trajetória do 1,5°C. O roteiro brasileiro deve abordar como as novas promessas coletivas reduzirão os 42% de GEE necessários até 2030 para manter o limite.
Seguida da transição energética justa e financiada, como ponderado no jornal português Público. O cerne da conversão das NDCs em ações reais é a transição dos combustíveis fósseis. O Brasil precisa “costurar um acordo” que resolva o déficit de financiamento para essa mudança, em especial nos países em desenvolvimento. A primeira é a mobilização financeira. A COP30 visa construir o mapa do caminho (roadmap) para o Novo Objetivo Coletivo Quantificado de Financiamento Climático (NCQG), que deve superar os US$ 100 bilhões anuais e atender às necessidades de mitigação, adaptação, perdas e danos. Estima-se que trilhões de dólares sejam necessários até 2035 para apoiar as NDCs alinhadas ao 1,5°C. Adicionalmente, a liderança do país-sede em biocombustíveis mostra o Brasil dotado de sua experiência em matriz energética mais limpa (etanol e biodiesel) e iniciativas como o Compromisso de Belém pelos Combustíveis Sustentáveis (“Belém 4X”) para fomentar a cooperação internacional e quadruplicar o uso de combustíveis sustentáveis até 2035.
Outro ponto relevante são as próprias florestas, a Amazônia em si e meios de implementação das estratégias formuladas, algumas pretendidas (estratégia formalmente planejada), emergentes (que surgem sem planejamento prévio), realizadas (estratégia que de fato será executada, baseada nas decisões tomadas), não realizada (estratégia que foi planejada, mas não chegará a ser implementada) ou retroativa (conjunto de decisões que, a posteriori, podem ser consideradas estratégicas, mesmo que não tenham sido formuladas como tal inicialmente).
‘O Brasil tem o papel de demonstrar que a conservação florestal e a bioeconomia são parte integrante da solução climática’
Portanto, “A COP em Belém coloca a Amazônia no centro do debate” relatado em texto do jornal inglês The Guardian. O Brasil tem o papel de demonstrar que a conservação florestal e a bioeconomia são parte integrante da solução climática. O compromisso de desmatamento ilegal zero e a recuperação de áreas degradadas (como a meta de 40 milhões de hectares) são ações concretas que reforçam a NDC brasileira e mostram como a gestão da paisagem substitui emissões. Ainda, o Brasil busca integrar a agenda do G20 (sob sua presidência) e da COP30 para direcionar o financiamento privado para planos de transição robustos, promovendo a sinergia entre políticas públicas e ações climáticas corporativas.
O desafio reside em traduzir a ambição amazônica e a liderança em energia limpa em um pacto global que obrigue os principais emissores e financiadores a fazerem o mesmo.
Todavia, contradições estão no palco ambiental do país-sede, cuja imagem nacional está nos holofotes da imprensa internacional. O tema da “transição para longe dos combustíveis fósseis” (transition away from fossil fuels), consagrado na COP28, é, de fato, uma “batata quente” (hot potato) na agenda da COP30, segundo o quadro abaixo publicado no jornal inglês The Guardian. O Brasil, como país-presidente, enfrenta o desafio de transformar uma promessa vaga em um plano de ação tangível que considere as profundas disparidades e os interesses econômicos globais.
‘A estratégia diplomática proposta ao Brasil de estabelecer um fórum plurianual é uma solução diplomática inteligente para despressurizar o ambiente da COP, conhecido pela intensidade e pelo curto prazo de duas semanas’
Portanto, a estratégia diplomática proposta ao Brasil de estabelecer um fórum plurianual é uma solução diplomática inteligente para despressurizar o ambiente da COP, conhecido pela intensidade e pelo curto prazo de duas semanas. Trata-se de um fórum para diálogo aberto, em um espaço seguro e despressurizado permitindo aos países, especialmente os com reservas de petróleo e gás, expressar suas preocupações (sobre soberania energética, segurança, perdas de receitas e financiamento) sem a pressão de um resultado imediato obrigatório. Também, como um planejamento a médio e longo prazo, tal processo se estenda por várias presidências da COP (sob o Artigo 10 do Acordo de Paris, que trata da cooperação e do Diálogo de Transição) com mais tempo para:
- Mapear as necessidades de investimento: Determinar o volume de financiamento necessário para que os países em desenvolvimento possam pular a fase fóssil.
- Definir mecanismos de suporte: Desenvolver instrumentos financeiros inovadores (como a troca de dívidas por financiamento climático ou o Fundo para Transição que o Brasil se propôs a criar) para apoiar a transição justa.
- Estabelecer indicadores de progresso: Criar métricas para rastrear a “transição de forma justa, ordenada e equitativa” (linguagem da COP28), tornando o conceito mensurável.
O Brasil, com sua experiência em biocombustíveis e recursos naturais, pode posicionar esse fórum como uma plataforma para desenvolver um “Plano Global de Descarbonização” que integre as dimensões financeira, tecnológica e social da transição, em vez de focar apenas na eliminação.
No entanto, percebe-se o paradoxo dos biocombustíveis na COP30 entre a eficiência brasileira versus impactos globais, sendo a entusiástica aposta do Brasil em biocombustíveis (derivados de fontes não-fósseis), tema central e notavelmente em evidência na COP30, é, de fato, um ponto de intensa controvérsia internacional.
O debate não se concentra na ineficácia absoluta, mas sim na variabilidade da sustentabilidade e nos impactos indiretos de sua produção em escala global, especialmente diante do plano brasileiro de quadruplicar o uso de combustíveis “sustentáveis” (principalmente biocombustíveis, mas incluindo hidrogênio e combustíveis sintéticos).
‘A vantagem competitiva brasileira remete-se ao etanol de cana-de-açúcar e o biodiesel de soja (com ressalvas), que são frequentemente citados como mais eficientes em termos de balanço energético e emissões de carbono em comparação com a média global’
Por outro lado, a vantagem competitiva brasileira remete-se ao etanol de cana-de-açúcar e o biodiesel de soja (com ressalvas), que são frequentemente citados como mais eficientes em termos de balanço energético e emissões de carbono em comparação com a média global. Evidentemente, o há um ciclo fechado de carbono com o modelo brasileiro, o qual é otimizado, e o etanol de cana, por exemplo, possui um balanço CO₂ (ou dióxido de carbono) financeiro significativamente mais favorável do que a gasolina, pois o CO₂ emitido na queima é em grande parte reabsorvido pela próxima safra de cana. Ainda, há melhores práticas agrícolas, favorecendo a Lei do Clima e o programa RenovaBio impõem metas e certificações que buscam garantir a sustentabilidade da produção interna.
Apesar da eficiência in loco brasileira, as preocupações da comunidade internacional e de ativistas ambientais se baseiam nos seguintes riscos globais, que se intensificam com tais propostas. Um deles refere-se à concorrência por terra e segurança alimentar, pois o temor mais significativo é o deslocamento da produção. O aumento da demanda por culturas energéticas pode competir com a produção de alimentos. Grandes áreas de terra agriculturável podem ser desviadas da produção de alimentos (como milho, soja e palma) para a produção de commodities de energia, potencialmente elevando os preços dos alimentos e afetando a segurança alimentar global. Trata-se de deslocar a natureza, ou seja, com o aumento das culturas energéticas pode empurrar a produção de alimentos para áreas de floresta e ecossistemas nativos, causando Mudança Indireta no Uso da Terra (ILUC). Mesmo que a produção de biocombustíveis não desmate diretamente, ela se torna o vetor do desmatamento indireto.
Outro risco, o balanço de carbono questionável, pois em muitos lugares do mundo, e com certas matérias-primas (como o óleo de palma ou o milho que exige muita fertilização), o benefício climático é mínimo ou nulo. Depende da intensidade de insumos, cuja produção de alguns biocombustíveis exige o uso de vastas quantidades de fertilizantes químicos e água, cujas fases de produção e transporte (incluindo o óxido nitroso, um GEE potente) anulam grande parte da economia de CO₂ na queima. Ainda, sobre a comparação com fósseis, em cenários de produção de baixa eficiência, o balanço líquido de CO₂ ao longo do ciclo de vida dos biocombustíveis não representa uma economia substancial em comparação com os combustíveis fósseis, tornando a justificativa climática frágil.
Por fim, nota-se a questão da certificação “sustentável”, cuja controvérsia pendente reside exatamente, nessa definição, a qual é acompanhada de padrões rigorosos de verificação global (rastreabilidade, limites de uso de terra e critérios sociais/ambientais), transformando o incentivo em um risco para a biodiversidade e o uso da terra.
O desafio diplomático, a identidade nacional e a dicotômica reputação do Brasil na COP30 perante o palco mundial podem vir a demonstrar de forma inequívoca que seu modelo de produção de biocombustíveis é a exceção e não a regra, e, mais importante, exportar padrões de sustentabilidade rigorosos junto com sua ambição ambiental, mitigando os temores de desmatamento e competição por alimentos.
Fabiana Gondim Mariutti atua como pesquisadora, professora universitária e consultora. Ph.D. na Inglaterra, pós-doutorado, doutorado e mestrado em Administração, bacharel em Comunicação Social no Brasil e senior high school year nos EUA. Estuda a imagem, reputação e marca Brasil desde 2010. Interesse nas áreas de Place Branding e Public Diplomacy. Nomeada Place Brand Expert pelo The Place Brand Observer, na Suíça. Colunista no Portal Interesse Nacional e do iii-Brasil. Autora de artigos científicos, dois livros e sete capítulos de livros. Em 2025, no Handbook on Public Diplomacy, publica o capítulo "The Brazilian way: Public diplomacy as a means for positive image and global prestige".
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