O papel da Embrapa na revolução científica para a construção de uma potência agroambiental
A Embrapa, fundada em 1973, desempenhou um papel crucial nessa revolução científica. A instituição transformou áreas inférteis em altamente produtivas, desenvolvendo variedades vegetais adaptadas a climas desafiadores e promovendo práticas como a Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN), que em 2023 foi adotada em 43 milhões de hectares de soja, gerando uma economia anual de R$ 24,9 bilhões em fertilizantes nitrogenados
Nos últimos 50 anos, o Brasil passou de um país dependente de importações de alimentos para um dos principais fornecedores globais de alimentos, fibras e energia. Essa transformação foi impulsionada por investimentos significativos em pesquisa, desenvolvimento e inovação, liderados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e pelo Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA). A agricultura tropical brasileira alcançou recordes de produção sustentável, com a produtividade de grãos aumentando 580% entre 1974 e 2021, enquanto a área cultivada cresceu apenas 140% no mesmo período. Esse avanço foi possível graças à adoção de tecnologias modernas, como sementes de alta qualidade, fertilizantes avançados, insumos biológicos e técnicas de manejo inovadoras.
A Embrapa, fundada em 1973, desempenhou um papel crucial nessa revolução. A instituição transformou áreas inférteis em altamente produtivas, desenvolvendo variedades vegetais adaptadas a climas desafiadores e promovendo práticas como a Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN), que em 2023 foi adotada em 43 milhões de hectares de soja, gerando uma economia anual de R$ 24,9 bilhões em fertilizantes nitrogenados. Além disso, a agricultura de baixo carbono e a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) expandiram-se de 2 milhões de hectares em 2009 para 17 milhões de hectares em 2020/2021, contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Sustentabilidade e os novos desafios globais
A Embrapa enfrenta um novo desafio diante das crescentes demandas para expandir sua atuação internacional e replicar a revolução tropical que transformou a agropecuária brasileira. Com sua expertise no desenvolvimento de tecnologias para a agricultura em climas tropicais, a empresa é cada vez mais requisitada para contribuir com soluções inovadoras em outros países, especialmente na África, onde as condições ambientais e produtivas apresentam semelhanças com as do Brasil.
A necessidade de fortalecer a segurança alimentar global, restaurar áreas degradadas e aumentar a resiliência climática impulsiona essa demanda, exigindo da Embrapa uma presença mais ativa no intercâmbio de conhecimento, na adaptação de tecnologias e no apoio à construção de sistemas agroalimentares sustentáveis. A ampliação desse papel representa não apenas uma oportunidade de consolidar a liderança brasileira na pesquisa agropecuária tropical, mas para a retomada do protagonismo na disponibilização dos melhores dados e informações para a ciência mundial. Assim, será possível integrar esforços para transformar a agricultura em regiões estratégicas, promovendo inovação, desenvolvimento socioeconômico e segurança alimentar em escala global.
Nesse contexto, a sustentabilidade tornou-se um pilar central do agronegócio brasileiro, especialmente diante de desafios como as mudanças climáticas e o crescimento da demanda global por alimentos. Projeções indicam que a população mundial atingirá 10 bilhões de pessoas até 2050, o que exigirá um aumento entre 35% e 56% na produção de alimentos. No entanto, as mudanças climáticas podem impactar diretamente a economia brasileira, reduzindo o PIB em até 1,8% ao ano até 2050.
Diante desse cenário, a Embrapa e seus parceiros têm promovido práticas sustentáveis, como a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), que emitiu 100 milhões de Créditos de Descarbonização (CBIOs) até 2023, evitando a emissão de 100 milhões de toneladas de CO2 equivalente. Outro avanço importante foi a redução da proporção de pastagens degradadas no Brasil, que passou de 71% em 2010 para 58% em 2018, graças a iniciativas como o Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC), desenvolvido com participação pioneira da Embrapa.
Em meios aos exemplos, é notável a transversalidade e multidisciplinariedade que movem o setor e a atuação da Embrapa. Por isso, nos últimos anos, a agricultura digital emergiu como um elemento-chave para garantir a produtividade agrícola de forma sustentável. Tecnologias avançadas, como sensores, inteligência artificial, big data, internet das coisas (IoT) e drones, permitem uma gestão mais eficiente dos recursos naturais, otimizando o uso da água, reduzindo desperdícios e minimizando impactos ambientais. Além disso, a digitalização do campo amplia o acesso de pequenos produtores a informações estratégicas, fortalecendo a inclusão produtiva e reduzindo desigualdades.
A conectividade no meio rural também possibilita a automação e o monitoramento em tempo real das lavouras, aumentando a eficiência no uso de insumos e facilitando a adoção de práticas agrícolas sustentáveis. Dessa forma, a agricultura digital se consolida como um vetor essencial para o fortalecimento da segurança alimentar global, promovendo inovação, resiliência climática e sustentabilidade no setor agropecuário.
Nesse cenário de transformação da agropecuária, há ainda o tema bioeconomia, que surge como um eixo estratégico para ampliar a sustentabilidade e agregar valor à produção rural. A integração entre ciência, tecnologia e biodiversidade abre novas oportunidades para o uso eficiente dos recursos biológicos, permitindo a diversificação da matriz produtiva e o desenvolvimento de cadeias agrícolas de baixo carbono. A bioeconomia, aliada à agricultura digital e às práticas regenerativas, fortalece o potencial do Brasil como líder na produção sustentável, impulsionando novos mercados e promovendo soluções inovadoras que conciliam crescimento econômico e conservação ambiental.
A agricultura 6.0 e o futuro da ciência no agronegócio
A agricultura está passando por uma nova revolução, que integra tecnologias digitais, inteligência artificial, biotecnologia e práticas regenerativas para criar um sistema agrícola altamente produtivo e ecologicamente responsável. A Embrapa tem sido pioneira nessa transformação, promovendo a digitalização no campo e desenvolvendo soluções tecnológicas que otimizam o uso de recursos naturais.
A sustentabilidade está no centro do desenvolvimento agrícola, com práticas como a rotação de culturas, o manejo integrado de pragas e a produção de biocombustíveis e se mostra como uma evolução natural da mecanização agrícola, catalisada por ciência e inovação e pelas novas demandas do produtor.
A inteligência artificial (IA) tem sido essencial nesse processo, desde a otimização da aplicação de insumos até o desenvolvimento de novas variedades vegetais. A IA também tem sido usada para a formulação de políticas públicas, com sistemas de rastreabilidade e monitoramento que confirmam a sustentabilidade da agricultura nacional.
A Agricultura 1.0, prevalente antes de 1950, foi marcada por práticas rudimentares e tradicionais, com uma forte dependência da mão de obra humana e do uso de animais para o trabalho nos campos. As técnicas de cultivo eram simples e baseadas em conhecimentos empíricos, transmitidos de geração em geração.
A transição para a Agricultura 2.0 ocorreu entre 1950 e 1990, impulsionada pela Revolução Verde. Esta fase trouxe uma modernização significativa para a agricultura, com a introdução de máquinas agrícolas e insumos sintéticos, como fertilizantes e pesticidas químicos. Essas inovações aumentaram consideravelmente a eficiência e a produtividade das colheitas, permitindo a produção em larga escala.
De 1990 a 2015, a Agricultura 3.0 emergiu com a introdução de tecnologias de precisão. Este período foi marcado pelo uso de georreferenciamento, sensores, drones e biotecnologias. Essas inovações permitiram uma agricultura mais precisa e eficiente, reduzindo a necessidade de insumos químicos e otimizando os sistemas de irrigação.
Essa evolução demonstra como a agricultura tem se transformado ao longo dos anos, adaptando-se às novas tecnologias e desafios ambientais para continuar atendendo às necessidades alimentares de uma população mundial crescente. Os equipamentos, sensores e maquinários que marcam o período seguiram evoluindo, especialmente no contexto da agricultura tropical.
Assim, atualmente, vive-se uma transformação digital na agricultura chamada de Agricultura 4.0, caracterizada pelo uso de inteligência artificial, robótica, impressão 3D e 4D, biologia sintética e agricultura vertical. Tecnologias como redes de sensores, drones, processamento de imagens de satélite, sistemas de informação em nuvem e análise de grandes volumes de dados (big data) são fundamentais para essa transformação.
A Agricultura 4.0 já avança para a Agricultura 5.0, que intensifica o uso de inteligência artificial e robótica para aumentar a eficiência e a produtividade. A digitalização no campo permite uma tomada de decisão mais precisa e informada, otimizando o uso de recursos e melhorando a gestão da produção agrícola.
E agora já é possível observar o nascimento dessa nova revolução, a Agricultura 6.0, que integra de forma cada vez mais simbiótica o aspecto ambiental e de bioeconomia na perspectiva das ferramentas digitais, principalmente no uso aprimorado e sistêmico da internet das coisas e da inteligência artificial.
Entre os componentes da Agricultura 6.0, destacam-se os sistemas regenerativos, que incluem práticas que aumentam a saúde do solo, sequestram carbono, mantêm a qualidade da água, conservam e expandem a biodiversidade, além de melhorarem a qualidade de vida. Exemplos dessas práticas são a rotação de culturas, o manejo integrado de pragas com produtos biológicos e os sistemas integrados de produção agropecuária e florestal.

A Embrapa, ao longo de seus quase 52 anos de existência, transformou o Brasil em uma potência agroambiental, combinando ciência, tecnologia e sustentabilidade. A revolução científica tropical liderada pela Embrapa não apenas aumentou a produtividade agrícola, mas também promoveu práticas sustentáveis que reduzem o impacto ambiental e contribuem para a segurança alimentar global.
Nesse contexto, a Embrapa atua no cenário particular da IA em três vertentes: do agro, para o agro e pelo agro. A IA do agro segue promovendo a revolução verde iniciada na Agricultura 2.0 de forma cada vez mais precisa para o produtor, proporcionando a otimização na aplicação de insumos e os avanços do manejo de pragas e sistemas de forma automatizada e otimizada. Nesse escopo incluem-se tecnologias como, por exemplo, equipamentos de medição de carbono no solo. É a IA nas mãos do produtor rural.
Nessa esteira, a IA para o agro representa, por exemplo, os desenvolvimentos que a ciência e a inovação podem proporcionar para o setor; como a IA generativa poderá transformar a assistência técnica e o compartilhamento de informações de manejo e de sistematização de dados para a melhor tomada de decisão do produtor; é a IA como meio e a serviço da geração de inovação para o campo, gerando novas variedades vegetais por meio das biotecnologias e revolucionando o desenvolvimento de novos insumos.
E, por fim, no contexto da Agricultura 6.0, a IA pelo agro representa a fonte inestimável de informações que o setor possui para a formulação de políticas públicas, que promove a geração de tecnologias e incremento de renda do campo. Mecanismos de rastreabilidade que confirmam a sustentabilidade da agricultura nacional, sistemas de monitoramento e plataforma de dados e informações fidedignas que abram portas para a recuperação de áreas degradadas e para a captação de recursos que fortaleçam as ações sustentáveis do setor, são apenas algumas das possibilidades que o ferramental do digital pode proporcionar para a evolução e o ajuste de políticas públicas.

A Inteligência Artificial (IA) não opera sem dados, e a qualidade desses dados é essencial para garantir resultados confiáveis, replicáveis e relevantes. Nem todas as instituições possuem a robustez e a expertise da Embrapa na geração, organização e análise de informações científicas. Com décadas de pesquisa aplicada, a Embrapa construiu bases de dados amplas, rastreáveis e isentas de vieses, garantindo que a IA possa ser utilizada de forma eficaz e segura. Dados confiáveis são a matéria-prima essencial para alimentar algoritmos de IA e gerar conhecimento útil para a agricultura, evitando distorções que poderiam comprometer a tomada de decisão.
Um exemplo claro dessa aplicação é o mapeamento da intensificação agrícola no Cerrado, onde a Embrapa utilizou algoritmos de classificação digital de imagens de satélite baseados em IA, alcançando acurácia de até 97%. Além disso, a instituição tem explorado técnicas de deep learning, como redes neurais convolucionais, para detecção eficiente de objetos e monitoramento detalhado das condições agrícolas, contribuindo para a redução de custos e minimização dos impactos ambientais por meio de aplicações operacionais em tempo real.
Esses exemplos demonstram a robustez e a expertise da Embrapa no tema. A Embrapa, ao garantir esse rigor científico, não apenas potencializa a inovação no setor agropecuário, mas também contribui para a formulação de políticas públicas mais assertivas e para o avanço da ciência, consolidando-se como uma referência estratégica no uso da IA para o desenvolvimento sustentável da agricultura brasileira. A nova colheita da agropecuária é digital, mas sem dados, a inteligência artificial não entra em campo.
Por isso, o futuro da ciência no agronegócio está intrinsecamente ligado às tecnologias digitais e à sustentabilidade. A Embrapa, com sua trajetória de inovações e dedicação à ciência agropecuária tropical, continuará a ser uma peça fundamental nesse processo, impulsionando o Brasil rumo a um futuro mais sustentável e próspero no campo, combatendo a fome e levando inovação a todos os elos das cadeias produtivas e da sociedade.
A revolução científica tropical iniciada pela Embrapa não apenas transformou o Brasil, mas também estabeleceu um modelo de desenvolvimento agrícola sustentável, que pode inspirar outros países a seguir o caminho da inovação tecnológica no campo. Na era digital da agropecuária, os dados são o novo solo fértil — sem eles, a inteligência artificial não floresce. E, com a Embrapa, teremos colheitas sem precedentes.
Referências Bibliográficas
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é presidente da Embrapa, doutora em Computação Aplicada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mestre na área de Automação pela Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp, e graduada em Análise de Sistemas – Pontifícia Universidade Católica de Campinas
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