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Interesse Nacional
07 agosto 2024

Países amazônicos combatem o financiamento de crimes contra a natureza

Após os Estados Unidos anunciarem uma nova iniciativa para combater o financiamento ilícito de crimes ambientais na Amazônia, há sinais de que a agenda está finalmente ganhando destaque.

A Secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, durante a cerimônia de lançamento da Iniciativa Regional da Amazônia contra o Financiamento Ilícito da Natureza, em Belém (Foto: Treasury Department/X)

Por Robert Muggah*

Após os Estados Unidos anunciarem uma nova iniciativa para combater o financiamento ilícito de crimes ambientais na Amazônia, há sinais de que a agenda está finalmente ganhando destaque.

A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, lançou no final do mês passado a Iniciativa Regional da Amazônia contra o Financiamento Ilícito da Natureza com o objetivo de impulsionar o treinamento, a cooperação e o compartilhamento de informações para ajudar as autoridades a realizar investigações de lavagem de dinheiro contra organizações criminosas transnacionais.

Os EUA estão prontos para intensificar a luta contra a terceira mais lucrativa categoria de crime organizado no mundo.

Os crimes contra a natureza incluem um conjunto de atividades que promovem o desmatamento ilegal, a degradação e a perda de biodiversidade. Entre as mais comuns estão a grilagem de terras, a extração ilegal de madeira, a mineração ilegal, e a agricultura e pecuária com irregularidades ambientais – todas elas amplamente presentes nos 6 milhões de quilômetros quadrados da Bacia Amazônica.

Conforme observado na mais recente estratégia dos EUA sobre o combate ao financiamento do terrorismo e outros, os crimes contra a natureza são perpetrados por uma ampla variedade de atores, que envolve diferentes grupos criminosos. Os grupos vão desde cartéis de drogas, grileiros, madeireiros, e agentes públicos corruptos até empresas legalizadas do setor agropecuário e proprietários de terras de todos os tamanhos.

Crimes contra a natureza também fazem parte de um ecossistema mais amplo de ações ilegais que afeta os oito países que compartilham a floresta amazônica: Brasil, Peru, Venezuela, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana e Suriname.

Além da extração ilícita de madeira, da mineração ilegal de ouro, da caça ilegal e do tráfico de animais silvestres, há outras práticas criminosas, como assassinatos, ameaças e intimidações, extorsão, fraude e evasão fiscal, lavagem de dinheiro, e corrupção.

A interconexão do crime contra a natureza com essas outras atividades ilegais torna o primeiro particularmente difícil de ser fiscalizado e investigado, especialmente quando cometido por grupos criminosos que operam além das fronteiras internacionais.

Um dos motivos pelos quais os EUA estão intensificando os esforços para interromper os fluxos financeiros ilícitos relacionados ao crime contra a natureza na Amazônia é justamente o crescente envolvimento do crime organizado transnacional.

Narcodesmatamento

Cartéis, gangues, e milícias do Brasil, Colômbia, Venezuela e outros países estão cada vez mais envolvidos na lavagem de lucros do comércio de drogas em negócios “legítimos” na Amazônia.

Muitos deles operam transnacionalmente, inclusive ao longo das tríplices fronteiras no Brasil, Bolívia, Colômbia, Guiana, Suriname e Venezuela. Algumas dessas “máfias florestais” estão alimentando o chamado “narcodesmatamento” por meio do financiamento da grilagem de terras, do desmatamento, da mineração, e caça ilegais.

A mais recente iniciativa anunciada pelos EUA baseia-se na crescente determinação de vários países da Bacia Amazônica e seus parceiros de “seguir o dinheiro” em vez de simplesmente investir em operações policias e militares. Grupos como o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes, Transparência Internacional, Basel Institute e o Instituto Igarapé já estão treinando agências de aplicação da lei e unidades de crimes financeiros do Brasil, Colômbia e Peru para melhorar a coleta de provas, investigações, e as respostas operacionais aos crimes que envolvem o meio ambiente.

Embora vários tipos de crimes ambientais possam ser coibidos por meio de penalidades pecuniárias e outros tipos de sanções, a eficácia de tais medidas depende de sua efetiva aplicação, o que nem sempre acontece.

Vazio institucional

Uma razão pela qual os crimes contra a natureza são tão comuns (e lucrativos) é porque as autoridades públicas ainda os consideram crimes pouco importantes. Por exemplo, em muitos países, os crimes ambientais ainda não são classificados como crimes antecedentes à lavagem de dinheiro.

Esse é um desafio na Bacia Amazônica, onde além do “vazio institucional”, as orgãos de segurança e justiça são fracos, e muitos atores envolvidos na crimes ambientais ficam impunes. A corrupção e a informalidade profundamente arraigadas geram desincentivos políticos e econômicos para se agir no nível local.

A ampliação dos esforços de combate à lavagem de dinheiro relacionada ao crime contra a natureza também depende de uma melhor cooperação transnacional. Infelizmente, a cooperação transfronteiriça ainda é escassa em toda a América Latina, principalmente entre os países da Bacia Amazônica, onde as diferenças políticas são rotineiras.

As tensões ideológicas e a desconfiança costumam prejudicar os esforços regionais de combate ao crime ambiental, mesmo quando há interesses claramente convergentes. Isso ajuda a explicar por que os grandes anúncios políticos e as estratégias arrojadas para combater os crimes contra a natureza tendem a gerar resultados insatisfatórios.

Observando por uma perspectiva mais positiva, parece haver um reconhecimento crescente sobre as ameaças compartilhadas que os crimes contra a natureza representam em toda a região, especialmente no Brasil, Colômbia, Equador, e Peru.

Na esteira do Pacto de Letícia de 2019, líderes de todos os países amazônicos assinaram a Declaração de Belém em 2023 que reconheceu os crimes ambientais como uma ameaça às prioridades climáticas e ambientais, bem como à governança e ao desenvolvimento sustentável da região. Há uma mudança no tom e um senso de urgência. O anúncio dos EUA sobre a priorização do combate à lavagem de dinheiro relacionada aos crimes ambientais e as organizações criminosas transnacionais não é coincidência.

Expansão da cooperação policial e de promotoria

Em nível regional, os governos parecem determinados a fortalecer a incipiente Organização de Cooperação do Tratado Amazônico (OTCA), embora esse seja um processo lento. No inicio de 2024, o Brasil também lançou um centro internacional de polícia (o CCPI-Amazônia) para fomentar a cooperação, inclusive relacionada aos crimes financeiros. Juntamente com o compromisso dos EUA, surgiram coalizões com a finalidade de expandir a cooperação policial e de persecução penal para combater os crimes ambientais e de lavagem de dinheiro com o apoio da União Europeia (UE), da Interpol e da Europol.

Apesar da crescente determinação de combater os crimes ambientais, as sanções lideradas pelos EUA e o apoio técnico às forças policiais da região são apenas parte da solução. Cartéis de drogas, grandes empresas, grandes proprietários de terras e agentes governamentais corruptos envolvidos nestes crimes são os alvos mais prováveis dessas inciativas, porém grupos criminosos menores, pequenas empresas, pequenos proprietários de terras e pessoas sem terra envolvidas em desmatamento e degradação ilegais não serão dissuadidos por essas ações. Por isso, são necessárias respostas abrangentes, incluindo estratégias para fortalecer o estado de direito e oferecer alternativas econômicas significativas para diminuir as atividades extrativistas ilegais.

Escassez de especialistas em lavagem de dinheiro

Um desafio persistente enfrentado por todos os países envolvidos neste esforço coletivo é o déficit de conhecimento técnico: há uma escassez de especialistas em combate à lavagem de dinheiro e fluxos financeiros ilícitos e as repostas são fragmentadas. Embora existam experiências na interrupção da lavagem de dinheiro relacionada a produtos do narcotráfico, a maioria dos órgãos policiais e instituições de justiça criminal tem experiência limitada no combate à lavagem de dinheiro relacionada especificamente a recursos ambientais.

Outro desafio para o enfrentamento do problema na região é a diversidade entre as normas e leis sobre lavagem de dinheiro. A definição dos delitos varia entre os países. Nesse sentido, uma das principais prioridades é a harmonização da legislação e das políticas de lavagem de dinheiro entre as jurisdições.

Sem um alinhamento mínimo das leis, dos procedimentos e dos padrões entre os países, as autoridades simplesmente não conseguem investigar e processar os casos além das fronteiras. Isso se aplica não apenas aos países da Bacia Amazônica, mas também aos EUA e à UE.

Há outros obstáculos para interromper as redes de financiamento ilícito que impulsionam os crimes ambientais na Amazônia. Por exemplo, muitos dos atores envolvidos no financiamento destes crimes não estão localizados na Amazônia. No Brasil, por exemplo, a Polícia Federal identificou indivíduos em 24 dos 26 estados envolvidos no ecossistema do crime.

Além disso, algumas das redes criminosas que participam de crimes contra a natureza têm dimensões transnacionais, incluindo o uso de táticas inter-jurisdicionais complexas para fugir das autoridades e ocultar seus lucros.

Por fim, os impedimentos mais significativos para interromper os fluxos financeiros ilegais ligados aos crimes contra a natureza são políticos e econômicos. Especificamente, políticos e funcionários públicos eleitos podem se beneficiar direta e indiretamente de ações como a grilagem de terra, a extração ilegal de madeira, a mineração e caça ilegal, e por isso não têm interesse em cooperar com a polícia e com as autoridades da justiça criminal.

Da mesma forma, um grande número de empresas e residentes locais depende de práticas ilegais e informais ligadas aos crimes contra a natureza relacionados à silvicultura, mineração e criação de gado e agricultura. O que representa um outro grande desafio para as autoridades.


*Robert Muggah é professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

Dr. Melina Risso, diretora de pesquisa do Instituto Igarapé, colaborou com este artigo.

Leia o artigo original.

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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