07 agosto 2023

Para os governos que dependem de combustíveis fósseis, a ação climática deve começar em casa

Empresas estatais são uma das maiores fontes de emissão de carbono do mundo, porém nada é realmente feito para mudar isso. Para doutorando, é preciso que os países tenham responsabilidade e busquem transitar para energias limpas

Empresas estatais são uma das maiores fontes de emissão de carbono do mundo, porém nada é realmente feito para mudar isso. Para doutorando, é preciso que os países tenham responsabilidade e busquem transitar para energias limpas 

Por Steve Lorteau*

Muitos supõem que as grandes empresas petrolíferas de capital aberto e as pessoas físicas são os principais responsáveis pelas mudanças climáticas. E há alguma verdade nessa suposição.

A Chevron, a ExxonMobil, a Shell e outras empresas de combustíveis fósseis seguem sendo algumas das maiores emissoras de gases de efeito estufa do mundo.

‘A Oxfam descobriu que cento e 25 dos bilionários mais ricos do mundo emitem cerca de 3milhões de toneladas de CO2 por ano’

Porém, alguns indivíduos também desempenham um papel desproporcional nas emissões globais. A Oxfam descobriu que cento e 25 dos bilionários mais ricos do mundo emitem cerca de 3 milhões de toneladas de CO2 por ano. Esse número é quase o mesmo que as emissões anuais de CO2 da França.

Os governos responderam ao problema das emissões privadas por meio de uma série de políticas. No entanto, o que muitas vezes não é levado em conta é que os governos são proprietários de alguns dos principais emissores.

A poluição causada pelo Estado é frequentemente negligenciada

Diversas empresas estatais de energia e serviços públicos estão entre os maiores poluidores do mundo.

Apesar dos recentes esforços de privatização, a Arábia Saudita ainda possui 98% do Saudi Aramco Oil Group. A Rússia também detém uma participação majoritária na empresa multinacional de energia, Gazprom. E, além disso, a maioria dos membros da OPEP nacionalizou seus setores de combustíveis fósseis.

Muitos outros governos mantêm grandes participações em empresas de combustíveis fósseis, incluindo Argentina (YPF), Brasil (Petrobras), Malásia (Petronas), México (Pemex) e Noruega (Equinor).

‘Os Estados-nações e as empresas estatais foram responsáveis por impressionantes 68,5% das principais emissões de carbono de 1910 a 2010.’

De acordo com o inovador estudo do pesquisador climático Richard Heede, os Estados-nações e as empresas estatais foram responsáveis por impressionantes 68,5% das principais emissões de carbono de 1910 a 2010. Em 2017, o Carbon Disclosure Project informou que as companhias governamentais responderam por 59% das emissões das chamadas carbon majors. Esse termo se refere às empresas que mais emitiram carbono desde a década de 1850.

Gráfico das vinte maiores empresas que contribuíram com 480 bilhões de toneladas de equivalentes de CO2 desde 1965. (The Guardian / Foto: Richard Heede)

A poluição causada pelo Estado também pode resultar de fontes inesperadas. As operações militares, por exemplo, são responsáveis por 1% a 5% das emissões globais. Como referência, os setores de aviação e transporte marítimo respondem, cada um, por aproximadamente 2% das emissões globais.

A poluição causada pelo Estado é diferente

Ela representa tanto um problema quanto uma oportunidade.

‘Os governos são obrigados a evitar danos ambientais transfronteiriços resultantes de atividades sob sua jurisdição e controle, o que inclui entidades estatais’

Essa poluição é uma inconsistência com os princípios da lei internacional sobre as mudanças climáticas. Como o Tribunal Internacional de Justiça confirmou, os governos são obrigados a evitar danos ambientais transfronteiriços resultantes de atividades sob sua “jurisdição e controle”, o que inclui entidades estatais.

O Acordo de Paris pede que os países adotem medidas de mitigação das mudanças climáticas que reflitam sua “maior ambição possível”. O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU observa:

“Os Estados devem (…) abster-se de poluir ilegalmente o ar, a água e o solo, por exemplo, por meio de resíduos industriais de instalações das propriedades do Estado.”

Essas normas sugerem que os países devem fazer mais para reduzir suas emissões.

Ao mesmo tempo, a poluição causada pelo Estado é mais fácil de controlar por meio do processo político. Em contraste com as empresas privadas, os poluidores estatais são diretamente controlados por autoridades governamentais.

Isso implica que suas atividades são moldadas principalmente em função de prioridades políticas, em oposição à meta primordial de maximização do lucro. Essa distinção abre caminhos interessantes para a ação contra as mudanças climáticas, desde que os governos priorizem a redução de suas emissões.

Como lidar com a poluição causada pelo Estado

As fontes de emissão estatais podem ser controladas de duas maneiras.

‘Os eleitores podem pedir aos governos que acelerem a transição para uma energia mais limpa’

Primeiro, os eleitores podem pedir aos governos que acelerem a transição para uma energia mais limpa. Em 2003, o governo de Ontário fechou cinco usinas elétricas estatais movidas a carvão. Os fechamentos reduziram a participação do carvão no mix de geração de eletricidade da província de cerca de 25% para zero por cento.

Em outubro de 2022, o governo francês anunciou planos para nacionalizar novamente a concessionária nacional do país, a Électricité de France. Essa iniciativa contribuiu para a estratégia de transição energética da França.

Nesses dois exemplos, os governos aproveitaram a propriedade estatal para buscar mudanças significativas nos suprimentos de energia de seus países.

‘Os tribunais nacionais e internacionais podem responsabilizar os poluidores estatais por danos ambientais’

Em segundo lugar, os tribunais nacionais e internacionais podem responsabilizar os poluidores estatais por danos ambientais. Há uma tendência emergente de reivindicações contra poluidores estatais, ou o chamado litígio “Estado como poluidor”.

No caso Ogoniland, a Comissão Africana de Direitos Humanos considerou o governo nigeriano responsável pelas violações de direitos humanos resultantes das atividades poluidoras de sua empresa petrolífera estatal.

Da mesma forma, um tribunal equatoriano recentemente considerou o país responsável por violar a Constituição devido à queima de gás.

Na Bélgica e no Reino Unido, ativistas climáticos abriram processos contra instituições financeiras governamentais por seus investimentos no setor de combustíveis fósseis. Essa tendência de “Estado como poluidor” provavelmente continuará no futuro.

Uma nova era para os poluidores estatais?

Historicamente, as empresas estatais de energia desempenharam um papel importante na busca de objetivos políticos. Durante a Guerra Fria, muitos países nacionalizaram seus setores de combustíveis fósseis para aumentar a riqueza interna.

Em muitos países, essas empresas continuam a fornecer uma fonte confiável de energia para os consumidores domésticos.

‘A missão das empresas estatais precisará mudar na era das mudanças climáticas’

A missão delas precisará mudar na era das mudanças climáticas. De fato, 36 indústrias nacionais de combustíveis fósseis têm a capacidade combinada de esgotar 143% dos 2ºC restantes no orçamento global de carbono. Para enfrentar esse desafio, os governos podem aproveitar seu controle sobre as empresas estatais para se desfazer do setor de combustíveis fósseis e reduzir suas emissões.

As empresas estatais também podem fazer grandes investimentos em fontes de energias renováveis e em pesquisa e desenvolvimento. Isso permitirá que elas desempenhem um papel decisivo na transição para a energia limpa.


*Steve Lorteau é pesquisador no doutorado da Faculdade de Direito da University of Toronto


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.

Tradução de Letícia Miranda


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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