14 junho 2022

Primeiro turno das eleições legislativas na França: entre o desinteresse eleitoral e a recomposição política

Decisão sobre formação do Assembleia Nacional francesa começou com crescimento das abstenções e reorganização das forças do governo e da oposição

Decisão sobre formação do Assembleia Nacional francesa começou com crescimento das abstenções e reorganização das forças do governo e da oposição

Mapa mostra os resultados do primeiro turno das eleições legislativas na França (France Info)

Por Julien Robin*

Na noite do primeiro turno das eleições legislativas da França, a maioria presidencial (Ensemble) ganharia a maioria dos votos (25,75%), pescoço a pescoço com o Nupes (Nouvelle union populaire écologique et sociale), que teria 25,66% dos votos e à frente de Rassemblement com 18,68% dos votos. Assim, face a estes resultados, cuja contagem metodológica continua a ser debatida de acordo com a rotulagem de determinados candidatos, quais são as chaves de leitura deste primeiro turno?

O primeiro turno destas eleições legislativas terminou em primeiro lugar com alta abstenção, atingindo 52,61%, ou seja, 1,3 ponto a mais do que em 2017. Este nível de abstenção faz parte de uma tendência subjacente, com um aumento contínuo desde as eleições legislativas de 1993.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/eleicoes-na-franca-o-que-representam-e-o-que-esperar/

Uma das razões para o crescimento das abstenções nas eleições legislativas pode ser institucional. A reforma do quinquênio de 2000, alinhando os mandatos presidencial e legislativo, aliada à inversão do calendário eleitoral (o presidencial anterior ao legislativo) reforçou a presidencialização do regime e enfraqueceu o lugar do Parlamento.

Outra razão pode ser econômica. Como nos lembra o jornalista Gérard Courtois, desde 1981, a lógica política ditava que, de acordo com as eleições presidenciais, a maioria na Assembleia Nacional deveria ser dada ao presidente recém-eleito (François Mitterrand tendo dissolvido a Assembleia Nacional após suas duas eleições presidenciais em 1981 e 1988). No entanto, neste ano, os dois campos que se destacaram nas eleições presidenciais (LREM que se tornou o Renaissance e o Rassemblement National) lideraram uma campanha legislativa quase inexistente.

Por um lado, o presidente Macron parece ter optado por uma “estratégia do clorofórmio” mantendo um perfil discreto durante esta campanha, mas também adiando a nomeação de um novo governo (três semanas após sua reeleição). Por outro lado, Marine Le Pen parecia já ter admitido a derrota ao mirar apenas cerca de 60 deputados na Assembleia e tinha se tornado menos visível na mídia, a tal ponto que se perguntava por onde ela estava.

Como resultado, esta campanha legislativa interessará a apenas 15% dos franceses e não terá sido marcada por um tema central durante os debates.

Quem vem primeiro?

A criação do Nupes relembrou os grandes momentos da esquerda unificada (a Frente Popular de 1936 ou o Programa Comum de 1972) e tentou reavivar essas eleições legislativas. O slogan “Jean-Luc Mélenchon Primeiro-Ministro” adotado pela coligação terá personificado e nacionalizado estas eleições e a estratégia do “terceiro turno” segue finalmente a lógica da presidencialização do regime.

A forte mobilização (especialmente na mídia) do Nupes, combinada com uma campanha sem brilho da maioria presidencial, pode explicar a surpresa dessa eleição: pela primeira vez na Quinta República, o campo presidencial não obteve uma maioria clara votos expressos no primeiro turno das eleições legislativas. Portanto, pode ser que os apoiadores de Macron não tenham maioria absoluta na noite do segundo turno desta eleição.

Que perspectivas para a vida política?

Os republicanos obtiveram sua pontuação mais baixa nas eleições legislativas com quase 13,6%. Também aqui a campanha foi mais moderada em nível nacional, sendo a estratégia escolhida a de concentrar-se ao nível dos círculos eleitorais apresentando-se como um “partido territorial”. No entanto, as estimativas apontam para uma diminuição do número de deputados da LR de cerca de cem para cerca de 50 a 80 cadeiras.

Para o Rassemblement National, pelo contrário, o número de deputados aumentaria entre 20 e 45 de acordo com os resultados da próxima semana. Em síntese, observamos um lento declínio do LR desde 2017 (até 2012) e uma instalação confirmada do RN nas bancadas da Assembleia Nacional.

De acordo com as estimativas, o campo presidencial teria maioria na Assembleia Nacional, com pouco menos de 300 deputados, um declínio, já que tinha 346 assentos até agora. O risco seria mesmo não ter maioria absoluta (289 cadeiras).

A aposta do Nupes não será mais obter a maioria, mas o maior número de cadeiras para desempenhar o papel de primeiro grupo de oposição na Assembleia. A perspectiva de coabitação com Jean-Luc Mélenchon como chefe de governo está, portanto, comprometida. Mesmo que a nomeação do líder da France Insoumise não fosse automática em caso de vitória do Nupes, já que a Constituição não especifica os critérios para a nomeação do primeiro-ministro. No entanto, este último deve assegurar a maioria para evitar a censura da Assembleia Nacional.

Além da maioria, o risco para o Nupes é a reação de “um anti-Mélenchon” por parte de outras formações políticas, devido à personalidade e às posições divisórias do seu líder, por exemplo, no que diz respeito à desobediência aos tratados europeus; a sua posição em relação à Rússia ou as suas recentes observações sobre a polícia.

Se quiser encarnar esse papel de líder da oposição, a coalizão terá que manter sua coerência na Assembleia apesar das divergências programáticas e da ausência de um único grupo parlamentar.


*Julien Robin é doutorando em ciência política pela Université de Montréal, sob orientação de Jean-François Godbout.


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em francês.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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