Quase 20% das diferenças culturais entre as sociedades se explicam por fatores ecológicos
Cada lugar do mundo possui uma cultura diferente e responde a situações específicas de maneiras distintas. Para pesquisadores, uma das melhores explicações para isso é por meio da ecologia e da conexão que essa tem com a cultura das sociedades
Cada lugar do mundo possui uma cultura diferente e responde a situações específicas de maneiras distintas. Para pesquisadores, uma das melhores explicações para isso é por meio da ecologia e da conexão que essa tem com a cultura das sociedades
Por Alexandra Wormley e Michael Varnum*
Em algumas partes do mundo, as regras são rígidas; em outras, são muito mais brandas. É provável que em alguns lugares as pessoas planejem o futuro, enquanto em outros é mais comum que vivam o momento. Em algumas sociedades, as pessoas preferem mais espaço pessoal; em outras, sentem-se confortáveis em estar perto de estranhos.
Por que existem esses tipos de diferenças?
Há várias teorias sobre a origem das diferenças culturais. Alguns cientistas sociais apontam para o papel de instituições específicas, como a Igreja Católica. Outros se concentram nas diferenças históricas das tradições filosóficas entre as sociedades ou nos tipos de culturas que foram historicamente cultivadas em diferentes regiões.
Mas há outra resposta possível. Os pesquisadores descobriram, em um número cada vez maior de casos, que a cultura humana pode ser moldada por características importantes dos ambientes em que as pessoas vivem.
Qual é a força dessa conexão entre ecologia e cultura em geral? Um novo estudo de nosso laboratório, o Culture and Ecology Lab do Arizona State University, procurou responder a essa pergunta.
Como a ecologia molda a cultura?
Ecologia inclui características físicas e sociais básicas do meio ambiente – fatores como a abundância de recursos, a frequência de doenças infecciosas, a densidade populacional de um local e o grau de ameaça à segurança humana. Variáveis como a temperatura e a disponibilidade de água podem ser características ecológicas importantes.
Três exemplos de diferenças culturais que utilizamos na pesquisa ilustram como isso pode funcionar. De fato, a força das normas sociais em uma determinada cultura está ligada à quantidade de ameaças que a sociedade enfrenta, como guerras e desastres. Regras mais rígidas podem ajudar os membros de uma sociedade a se manterem unidos e cooperarem diante desses perigos.
Os locais com menos acesso à água tendem a ser mais orientados para o futuro. Quando a água doce é escassa, há mais necessidade de planejar para que ela não se esgote.
Além disso, em locais com temperaturas mais frias, as pessoas sentem menos necessidade de muito espaço pessoal em público, talvez porque haja menos germes ou talvez por um impulso, em algum nível básico, de se manter aquecido.
Todos esses exemplos mostram que as culturas são moldadas, pelo menos em parte, pelas características básicas dos ambientes em que vivem os indivíduos. E, realmente, há muitos outros exemplos em que pesquisadores associaram diferenças culturais particulares a diferenças ecológicas específicas.
Quantificando a conexão
Em mais de 200 sociedades, reunimos dados abrangentes sobre nove características principais da ecologia – como precipitação, temperatura, doenças infecciosas e densidade populacional – e dezenas de aspectos da variação cultural humana – incluindo valores, força das normas, personalidade, motivação e características institucionais. Com essas informações, criamos o banco de dados EcoCultural, de acesso livre.
Usando esse conjunto de dados, conseguimos gerar uma série de estimativas de quanto da variação cultural humana pode ser explicada pela ecologia.
Executamos uma série de modelos estatísticos para analisar a relação entre nossas variáveis ecológicas e cada um dos 66 resultados culturais que monitoramos. Para cada um dos resultados, calculamos a quantidade média da diversidade cultural entre as sociedades que foi explicada por essa combinação de nove fatores ecológicos diferentes. Descobrimos que quase 20% da variação cultural foi, de fato, explicada pela junção desses recursos ecológicos.
É importante ressaltar que nossas estimativas estatísticas levam em conta questões comuns em pesquisas interculturais. Um fator complicador é que as sociedades que estão próximas umas das outras no espaço são semelhantes em aspectos que vão além das variáveis medidas em qualquer estudo específico. Da mesma forma, é provável que haja semelhanças não mensuradas entre sociedades com raízes históricas compartilhadas. Por exemplo, as similaridades culturais entre o sul da Alemanha e a Áustria podem ser explicadas por sua herança cultural e linguística compartilhada, bem como por climas e níveis de riqueza semelhantes.
Vinte por cento pode não parecer impressionante, mas, na verdade, esse valor é várias vezes maior do que o efeito médio em nosso campo de psicologia social, no qual, normalmente, até cerca de 4% ou 5% da variação em um resultado é explicada.
Ainda há mais a ser descoberto
Ao testar mais de 600 relações entre características da ecologia e da cultura, identificamos uma série de novas associações intrigantes. Por exemplo, descobrimos que a quantidade de variação ao longo do tempo nos níveis de doenças infecciosas estava ligada à força das normas sociais. Essa ligação sugere que não são apenas os locais com altos níveis de ameaça de germes, mas também os locais onde essa ameaça varia mais ao longo do tempo, como a Índia, que têm regras sociais mais rígidas.
Há também um crescente número de pesquisas que sugerem que, à medida que a ecologia de um lugar muda, a cultura também muda. Por exemplo, um declínio geral nas taxas de doenças infecciosas nos EUA, até a atual pandemia, está correlacionado a um afrouxamento das normas sociais no século passado. Da mesma forma, os aumentos na densidade populacional parecem estar ligados a declínios nas taxas de natalidade ao redor do mundo nas últimas décadas.
Considerando que o EcoCultural Dataset contém tanto medidas contemporâneas de ecologia quanto informações sobre sua variabilidade e previsibilidade ao longo do tempo, acreditamos que ele será um recurso valioso para ser explorado por outros acadêmicos. Disponibilizamos todos esses dados gratuitamente para que qualquer pessoa possa acessá-los e explorá-los.
A ecologia não é o único motivo pelo qual as pessoas em todo o mundo pensam e se comportam de maneira diferente. Mas nosso trabalho sugere que, pelo menos em parte, nossos ambientes moldam nossas culturas.
*Alexandra Wormley é doutoranda em psicologia social na Arizona State University
Michael Varnum é professor de psicologia na Arizona State University
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.
Tradução de Letícia Miranda
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br
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