31 maio 2023

Doutor Fantástico e os custos de proteger a Amazônia

Lula defende a proteção da Amazônia, mas o país o Brasil tem muito a perder deixando a floresta intacta e abandonando as riquezas que viriam da agricultura, mineração e empreendimentos industriais. Para professor, o mundo deveria admitir que está pedindo ao Brasil que absorva um gigantesco custo de oportunidade ao não explorar todos os seus recursos naturais e poderia ajudar a pagar por ele

Lula defende a proteção da Amazônia, mas o Brasil tem muito a perder deixando a floresta intacta e abandonando as riquezas que viriam da agricultura, mineração e empreendimentos industriais. Para professor, o mundo deveria admitir que está pedindo ao Brasil que absorva um gigantesco custo de oportunidade ao não explorar todos os seus recursos naturais e poderia ajudar a pagar por ele

O presidente Lula discursa durante a 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Robert Toovey Walker*

O ano de 1967 foi importante para o avanço constante da tecnologia projetada para melhorar o bem-estar humano. O primeiro transplante de coração bem-sucedido do mundo acrescentou anos às nossas vidas, e o primeiro caixa eletrônico operacional do mundo nos ajudou a gastar nossos contracheques mais rapidamente. Menos notável, mas não menos importante, uma obscura empresa de consultoria americana, o Hudson Institute, publicou um documento de planejamento intitulado A South American ‘Great Lakes’ System. Foi concebido como um roteiro para os governos sul-americanos com a intenção de explorar seus recursos em nome do bem-estar social.

Este foi o alvorecer de uma nova era envolvendo a busca pelo desenvolvimento econômico por meio de investimentos em infraestrutura, uma época em que todos os vales de rio no Sul Global foram analisados quanto ao potencial hidrelétrico. “E daí?” você pode perguntar. “O que um relatório obscuro, impossível de encontrar em uma biblioteca, ou mesmo com uma busca no Google, tem a ver com os dias de hoje?” A resposta curta: tem tudo a ver com os dias de hoje por razões que deveríamos achar alarmantes.

O plano do Dr. Fantástico para a Amazônia

O Hudson Institute era um think tank, fruto da imaginação do Dr. Herman Kahn, talvez mais conhecido, ainda que de brincadeira, como Dr. Fantástico, o personagem que ele inspirou no filme clássico de Stanley Kubrick com o mesmo nome.

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Herman Kahn foi o intelectual que nos trouxe o princípio orientador da dissuasão nuclear conhecido como destruição mútua assegurada, ou simplesmente MAD. A mente de Kahn era fértil, embora possivelmente perturbada, sem medo de pensar o impensável, uma habilidade única que ele trouxe não apenas para a aniquilação nuclear, mas também para seus planos de desenvolvimento econômico.

Quanto ao enigma sul-americano de um continente rico em recursos preso na pobreza, o Dr. Kahn não era um analista pós-colonial com medo de usar seu chauvinismo. Por meio de uma análise que combina geografia e história, ele concluiu que a razão do sucesso econômico da América do Norte era seu sistema de Grandes Lagos, que fornecia baixos custos de transporte entre o Meio-Oeste rico em minério e as dinâmicas cidades portuárias da costa leste. A implicação era óbvia: construir represas na América do Sul para criar um sistema de grandes lagos.

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O relatório do Hudson Institute é de tirar o fôlego pelo plano que traça, pelas represas a serem construídas, os locais a serem inundados, os rios a serem canalizados, as florestas a serem arrasadas. A reação inicial é de surpresa histórica, talvez até de choque, ao ter acesso à maneira evidentemente radical como as pessoas pensavam sobre o desenvolvimento há quase 60 anos. Mas então, após reflexão, vem a percepção de que as coisas realmente não mudaram tanto. Na verdade, a visão do Dr. Fantástico não é muito diferente da Iniciativa para a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana, ou IIRSA, do presidente Fernando Henrique Cardoso, que forneceu o projeto de desenvolvimento para os presidentes brasileiros até o momento, seja de esquerda ou de direita.

Na verdade, o Dr. Fantástico e o Hudson Institute estavam apenas desenhando um processo histórico que se expressou com a mudança de Kubitschek da capital para Brasília e a construção da Rodovia Belém-Brasília, com a Marcha para o Oeste de Vargas e, em geral, com a destino manifesto de uma grande nação povoando seu interior. E é isso que torna a conservação da Amazônia um problema tão espinhoso. Isso parece impedir um processo do qual muitas nações se beneficiaram, ou seja, aproveitar todos os recursos encontrados dentro de suas fronteiras nacionais.

O custo de oportunidade de “salvar o Oeste americano”

No século XIX, os Estados Unidos travaram uma guerra contra seus habitantes indígenas e destruíram seus ecossistemas nativos em nome do progresso. Como americano, estou bem ciente disso e acho presunçoso quando meus concidadãos criticam o Brasil por prejudicar o meio ambiente global. Às vezes parece o cúmulo da hipocrisia, e me pego imaginando se os americanos gostariam que os papéis fossem invertidos. Como nós, americanos, reagiríamos se nos dissessem que não poderíamos cortar nossas florestas porque o mundo precisava de árvores antigas, ou garimpar ouro porque os sedimentos dos rios podem perturbar o salmão? Que tal se toda vez que drenamos um pântano, algum brasileiro escrevesse uma carta às Nações Unidas dizendo ao mundo que somos criminosos ambientais?

Nós não.

‘O Brasil é abençoado com tesouros ecológicos como nenhum outro lugar na Terra. Com isso vem sua responsabilidade’

É por isso que acho difícil dizer que dois erros não fazem um acerto aqui. O problema é que não há equivalência no valor das naturezas em risco ao desenvolvimento. A destruição da floresta do Leste americano, por exemplo, provavelmente não comprometeu os recursos de biodiversidade do mundo, nem alterou o equilíbrio global do carbono sequestrado, nem interrompeu a hidroclimatologia continental. Perder a Floresta Amazônica para uma catástrofe de ponto crítico teria esses efeitos e outros que ainda não podemos imaginar. O Brasil é abençoado com tesouros ecológicos como nenhum outro lugar na Terra. Com isso vem sua responsabilidade.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou sabiamente sobre a importância global da Amazônia, e cabe aos conservacionistas, onde quer que estejam, apoiá-lo no cumprimento de sua promessa de acabar com o desmatamento amazônico até 2030.

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Mas cabe à comunidade mundial reconhecer que a conservação tem custos. O que o Brasil tem a perder deixando a floresta intacta e abandonando as riquezas que viriam da agricultura, mineração e empreendimentos industriais? Isso é o que os economistas chamam de custo de oportunidade e, no caso da Amazônia, é enorme.

Tomando os EUA novamente como um contraste histórico, suponha que em 1869 os ambientalistas europeus conseguissem impedir que os EUA fechassem sua fronteira com a Ferrovia Transcontinental, para que a Fronteira Ocidental pudesse permanecer “natural”. Suponha que eles conseguissem impedir o general Sherman de matar indígenas para abrir caminho para os colonos e de liquidar os rebanhos de bisões para abrir caminho para … Você pensou em gado? É improvável que os americanos gostassem de seus “melhores anjos” da Europa, ou em qualquer outro lugar, nesse caso. Se o desenvolvimento tivesse sido negado ao Oeste americano, o custo de oportunidade hoje seria o que o Oeste — os Estados desde as montanhas rochosas ao Oceano Pacifico — vale agora cerca de um quarto da economia dos EUA, ou US$ 6 trilhões.

O mundo deveria admitir a verdade, que está pedindo ao Brasil que absorva um gigantesco custo de oportunidade ao não explorar todos os seus recursos, especialmente aqueles que permanecem na maior fronteira de recursos do mundo: a Amazônia.

‘Aqueles que desejam um futuro planetário estável devem ajudar a pagá-lo, incluindo o presidente Biden, líder da maior economia do mundo’

Na verdade, nenhuma outra nação jamais foi solicitada a fazer tal sacrifício. Não pretendo sugerir que os custos sejam muito altos. Não são, se o que compram é um futuro planetário estável no qual a natureza tem uma chance. O que quero sugerir é que aqueles que desejam esse futuro devem ajudar a pagá-lo, incluindo o presidente Biden, líder da maior economia do mundo.

Nesse sentido, o que devemos fazer com sua promessa de pedir ao Congresso republicano US$ 500 milhões, distribuídos nos próximos cinco anos, para ajudar Lula a salvar a Amazônia? É certo que isso supera sua primeira oferta em fevereiro, de escassos US$ 50 milhões. No entanto, o valor maior em dólares permanece nada mais do que meio compromisso para coletar o que, no quadro geral, soma pouco mais do que trocados. Para que? Admissão ao banquete de mendigos? Ele deveria ter vergonha de si mesmo.

Quão perto do ponto sem retorno?

Felizmente, há boas notícias sobre o desmatamento para o mês de abril, durante o qual 336 km2 de floresta amazônica foram perdidos. Isso se compara favoravelmente a 1.197 km2, o número de desmatamento em abril do último ano de Bolsonaro no cargo. Dito isso, Lula fica a 336 km2, de sua meta declarada.


*Robert T. Walker é colunista da Interesse Nacional e professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/a-amazonia-nao-esta-segura-sob-o-novo-presidente-do-brasil-plano-de-construir-estradas-pode-leva-la-alem-de-seu-ponto-de-ruptura/embed/#?secret=Q6L4JIsj16#?secret=GZ0zt6G51S

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Robert Toovey Walker é colunista da Interesse Nacional, geógrafo, tem doutorado em ciência regional pela University of Pennsylvania e é professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida

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