21 julho 2025

Tarifas dos EUA: um raro momento de união entre forças antagônicas no Brasil

Por Luiz Roberto Serrano* De repente, o comércio popular da Rua 25 de Março, em São Paulo, paraíso para compras às vésperas de festas, especialmente as natalinas, ponto de atração de sacoleiros que ali desembarcam vindos de todo o País, em busca de presentes e mercadorias com bons preços, virou preocupação do governo Donald Trump, […]

O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, participa de reunião com Abrão Neto, Presidente da Câmara Americana de Comércio para Brasil – AMCHAM Brasil, para discutir medidas à tarifa de 50% dos EUA. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Por Luiz Roberto Serrano*

De repente, o comércio popular da Rua 25 de Março, em São Paulo, paraíso para compras às vésperas de festas, especialmente as natalinas, ponto de atração de sacoleiros que ali desembarcam vindos de todo o País, em busca de presentes e mercadorias com bons preços, virou preocupação do governo Donald Trump, dos EUA, sob a alegação de que nesse movimentadíssimo espaço de consumo vende-se muitas mercadorias de origem norte-americana falsificadas.

O instantâneo PIX, bem-vinda ferramenta do sistema financeiro, criada pelo nosso Banco Central, que facilitou exponencialmente pagamentos e transferências de dinheiro entre brasileiros, também entrou na mira da United States Trade Representative (USTR) dos EUA, a pedido de empresas de cartões de crédito de origem norte-americana, preocupados com a concorrência do sistema. Aliás, como já ocorrera com a longínqua Indonésia, que dispõe de sistema semelhante.

Some-se a esses contenciosos os referentes ao comércio de etanol, algodão, à uma pretensa preocupação com o desmatamento ilegal no nosso País e às balizas impostas pela legislação brasileira sobre propriedade intelectual. Nesse bolo, agregam-se também as críticas disparadas por Trump às pretensões do Brics de alimentar o uso das moedas próprias de seus países nas trocas comerciais entre os seus membros, escapando do dólar, troca inadmissível e desprestigiosa na visão do presidente norte-americano.

São componentes, alguns esdrúxulos, da recente ofensiva do governo Trump, que taxou em 50% as exportações brasileiras para os EUA, em represália, principalmente, a uma questão que nada tem a ver com relações comerciais. O motivo alegado é de política interna, na qual um governo estrangeiro não tem por que se imiscuir: o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete acusados de liderar trama golpista para impedir o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

As razões apresentadas pelo presidente Trump pouco ou nada coincidem com as que os EUA dispararam no litígio aberto com inúmeros países mundo afora, incluindo México, Canadá e União Europeia. Nesses contenciosos, as razões são apenas econômicas, visando equilibrar as relações comerciais entre as partes – e podem ser justas ou não. As discussões com a China, que também está no rol das disputas, claro, são sobrecarregadas pelos entreveros ideológicos e comerciais entre as duas maiores potências mundiais. Mas nenhuma dessas iniciativas tem o teor intervencionista, de claro conteúdo político, das tomadas contra o Brasil.

As atitudes de Trump em relação ao Brasil são atribuídas ao trabalho de sapa, junto aos círculos do presidente americano, de um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, deputado federal licenciado, que se instalou nos EUA de mala e cuia, com o objetivo de convencer o governo dos EUA a pressionar a Justiça brasileira a não ir em frente nas punições ao seu pai. Especula-se, inclusive, que se as pressões não derem certo, o filho de Bolsonaro se arriscaria a ser candidato a presidente no próximo ano em nome da família.

O fato é que o imbróglio disparou, no Brasil, manifestações de solidariedade contra a iniciativa trumpiana em vários níveis, desde entidades de classe empresariais, potencialmente prejudicadas em suas exportações para os EUA, governos estaduais, até os comandos das duas casas do Congresso, com proeminência para a coordenação pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e um pronunciamento por rádio e TV aberta por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva:

“Fomos surpreendidos, na última semana, por uma carta do presidente norte-americano anunciando a taxação dos produtos brasileiros em 50%, a partir de 1º de agosto. O Brasil sempre esteve aberto ao diálogo. Fizemos mais de dez reuniões com o governo dos Estados Unidos e encaminhamos, em 16 de maio, uma proposta de negociação. Esperávamos uma resposta, e o que veio foi uma chantagem inaceitável, em forma de ameaças às instituições brasileiras, e com informações falsas sobre o comércio entre o Brasil e os Estados Unidos”, disse Lula. E acrescentou: “Se necessário, usaremos todos os instrumentos legais para defender a nossa economia. Desde recursos à Organização Mundial do Comércio até a Lei da Reciprocidade, aprovada pelo Congresso Nacional.”

O episódio mostra um raro momento de união de forças políticas e econômicas brasileiras em defesa da sociedade como um todo, quando a prática política habitual, nos tempos que correm, aponta para o dissenso, para a disputa, especialmente no Congresso, no qual o governo é minoritário. Afinal, é uma questão na qual todos os setores da economia, empresas, trabalhadores, prestadores de serviço são atingidos e acumularão perdas se não for razoavelmente equacionada.

Nesta sexta-feira, 18 de julho, numa escalada dos acontecimentos, Jair Bolsonaro foi alvo de ações de busca e apreensão determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, e submetido ao uso de tornozeleira eletrônica e restrições horárias de deslocamento fora de sua residência, entre outras medidas. Segundo o jornal O Globo, entre as inúmeras razões que motivaram a ação de Moraes estaria a “ostensiva tentativa de submissão do funcionamento do Supremo Tribunal Federal aos Estados Unidos da América, com a finalidade de arquivamento/extinção da AP 2668” – a ação penal a que estão submetidos todos os envolvidos na tentativa de obstaculização da posse de Lula no atual mandato de presidente da República.

A ação contra Bolsonaro foi, sem dúvida, uma demonstração da altivez do STF brasileiro frente às descabidas investidas de Trump a favor do ex-presidente brasileiro, que se equiparam às interferências do governo norte-americano à época do golpe, em 1964, que derrubou o então presidente João Goulart.

Acompanhemos o que acontecerá a seguir…


*Luiz Roberto Serrano é jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP

Este texto é uma reprodução autorizada de conteúdo do Jornal da USP - https://jornal.usp.br/

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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