Trazendo o Brics para o Mutirão Global pelo Clima – uma agenda mínima
No ano em que lidera o Brics e se prepara para a COP30, o Brasil busca engajar o bloco no mutirão global pelo clima, propondo uma agenda mínima que envolve NDCs mais ambiciosas, cooperação Sul-Sul em financiamento, reformas na arquitetura financeira e avanços em comércio sustentável. A ideia é fortalecer a ação climática no Brics, garantindo coerência com os esforços domésticos e internacionais do país

Chegado o momento da Cúpula dos Brics, temos um momento oportuno para refletir sobre o que foi alcançado e o que ainda resta por fazer em relação à promessa de trazer o Brics para o mutirão global pelo clima.
O termo, proposto pelo governo brasileiro no marco da outra presidência que o país ocupa em 2025 — a presidência da COP30 da Convenção do Clima (UNFCCC, em inglês) — é um apelo para que a comunidade internacional acelere esforços no sentido da descarbonização e transição ecológica.
‘O governo brasileiro busca avançar na agenda do financiamento climático — produzindo um “roteiro” para mobilizar US$ 1,3 trilhão anual para financiar ações climática no mundo em desenvolvimento’
No contexto da UNFCCC, o Brasil tem em seu pratinho algumas missões complicadas. A primeira é a “missão do 1,5”: ligada à implementação do Acordo de Paris para garantir que limitaremos o aquecimento global a 1,5 graus acima dos níveis pré-industriais que garantem um futuro viável na Terra. A segunda é a Missão do 1,3: aqui o governo brasileiro busca avançar na agenda do financiamento climático — produzindo um “roteiro” para mobilizar US$ 1,3 trilhão anual para financiar ações climática no mundo em desenvolvimento. Já a última missão é a de reenergizar a comunidade internacional e a confiança na cooperação internacional, em um contexto em que o multilateralismo respira por aparelhos.
Para ter êxito nas três missões, o Brasil precisa de um Brics mais ambicioso. Um Brics que explicitamente se junte ao mutirão global da COP30 e que dê mais concretude e robustez à cooperação climática no seio do grupo.
No jargão da COP30, o Brics terá que “aumentar exponencialmente a escala e a velocidade dos esforços para cumprir os compromissos assumidos” junto à UNFCCC e acelerar sua contribuição à transição ecológica e ao desenvolvimento sustentável globais.
‘Por reconhecer que precisa de um Brics mais ativo e propositivo, o governo brasileiro buscou “transversalizar” e aprofundar a pauta climática em vários grupos de trabalho setoriais’
Por reconhecer que precisa de um Brics mais ativo e propositivo, o governo brasileiro buscou “transversalizar” e aprofundar a pauta climática em vários grupos de trabalho setoriais (energia, agricultura, transportes, entre outros) e propôs ao grupo uma Declaração Quadro para Líderes do BRICS sobre financiamento climático. São passos importantes, mas é preciso mais.
Dado que a presidência dos Brics se estende até o fim do ano, desenho aqui uma Agenda Mínima de entregas para este ano, tendo em vista a COP30, e além, para os próximos anos.
1- Diálogos BRICS sobre Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs)
Como anfitrião da COP30, o Brasil precisa garantir que todos os membros do BRICS (ou pelo menos 10 deles, já que o Irã não ratificou o Acordo de Paris) apresentem NDCs atualizadas e ambiciosas. Para ser consistente com o discurso que o Brics querem e podem “liderar pelo exemplo”, garantir NDCs robustas é fundamental.
Ao fazê-lo, o Brasil poderia fomentar também um mecanismo de diálogo intra-Brics, a partir de áreas em que países podem se apoiar mutuamente na consecução de suas metas nacionais, buscando complementaridades e sinergias em questões de mitigação, adaptação, financiamento, tecnologia e cooperação técnica.
2 – Contribuições Sul-Sul ao Roadmap Baku-Belém para o US$ 1,3 trilhão em financiamento climático
Dado que a pauta do financiamento climático é central na COP30, os BRICS podem e devem contribuir com o “Roadmap Baku-Belém” detalhando o papel da cooperação Sul–Sul e dos fluxos financeiros liderados pelo Sul no esforço de mobilização de recursos. Isso não enfraquece o princípio de responsabilidades comuns porém diferenciadas (CBDR, em inglês) — ao contrário, reconhece que os países do Sul, inclusive os do Brics, já possuem capacidade de contribuir com soluções climáticas, dentro e fora de seus territórios, por meio de financiamento, mas também via troca de conhecimento e tecnologias.
Aqui, os países dos Brics podem se comprometer a fomentar a cooperação Sul-Sul em financiamento climático, a partir de sua experiência com Bancos de Desenvolvimento Nacionais, Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (MDBs), Fundos Fiduciários e Plataformas-País.
Em paralelo, os países do grupo podem também compartilhar estratégias de mobilização de capital público e privado para setores estratégicos aos membros do grupo, como energia renovável, infraestrutura resiliente, transição energética justa e minerais críticos, soluções baseadas na natureza e conservação de florestas, entre outros. Não faltam exemplos nos países BRICS de inovações nestas áreas, o que tem faltado é alavancar diálogo, cooperação e investimento entre países do grupo, para além daqueles existentes entre vários países do bloco e a China.
3 – Liderando pelo exemplo a reforma da arquitetura financeira internacional
O Brics nasceu como um grupo reformista, mas a tradução para a agenda climática segue incompleta. Aqui, o grupo poderia ser mais ativo na implementação do Roadmap do G20 para MDBs, reformando o próprio New Development Bank (NDB) e alavancando projetos mais ambiciosos para clima e natureza nos países-membros.
Esta nova geração de projetos deve estar explicitamente alinhada com planos nacionais de desenvolvimento sustentável, descarbonização e transformação ecológica existentes, fazendo uso das plataformas-país já em operação. Em paralelo, o Brics pode ser mais ativo no apoio a iniciativas inovadoras globais, tais como o “swaps” de dívida por clima/natureza; os esforços para taxar super-ricos ou então a agenda do financiamento de soluções baseadas na natureza.
O Brasil está correndo contra o tempo para lançar, em novembro, um Mecanismo de Financiamento para Florestas Tropicais (TFFF, da sigla em inglês), e precisa mobilizar apoio dentro do Brics, plataforma que conta com países que podem figurar como financiadores ou beneficiários do TFFF.
4 – Ação climática responsável e comércio internacional
A relação entre ação climática e comércio internacional é um dos temas espinhosos na atualidade. O Brics congrega muitos “exportadores de carbono” (na forma de petróleo, gás, carvão, commodities agrícolas oriundas de desmatamento e outros), descontentes com a profusão de “medidas híbridas” unilaterais — como os mecanismos de ajuste de carbono nas fronteiras e requisitos de due dilligence — por parte de países “importadores de carbono”.
Uma das entregas da presidência brasileira em 2025 é justamente o Brics Lab, um laboratório para discutir o impacto dessas medidas no comércio internacional e nos países do bloco. É importante, no entanto, que o Laboratório não se furte de “liderar pelo exemplo”, passando da denúncia do protecionismo à ação climática responsável.
Neste sentido, uma área que poderia ser incluída na agenda do Laboratório é a questão de mecanismos de rastreabilidade em cadeias importantes para ação climática (como aquelas relacionadas a desmatamento ou as de minerais para transição).
Ao cooperar na agenda de sustentabilidade e rastreabilidade, os países do grupo mostrarão que o assunto pode e deve ser tratado multilateralmente, à luz dos imperativos comerciais, socioambientais e climáticos da atualidade.
Esta Agenda Mínima é demasiadamente ambiciosa? Acredito que não. Sem ignorar as complexidades envolvidas em cada uma destas agendas, os desafios do atual contexto geopolítico e de um grupo expandido, e a tradicional abordagem defensiva dos membros do Brics na agenda climática à luz das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, esta Agenda Mínima é sobretudo uma oportunidade para aprofundar ação climática no seio grupo de forma mais clara e ambiciosa, tal como o contexto atual exige.
Não fazê-lo seria uma perda de oportunidade para o Brasil: tanto no que a cooperação intra-Brics pode aportar ao país, como no papel que o grupo pode e deve ter no fortalecimento de processos globais mais amplos, como as COPs do Clima. Coerência em política externa é fundamental. Os esforços domésticos e diplomáticos do Brasil para avançar na transformação ecológica e na agenda de financiamento de florestas precisam de um BRICS mais ambicioso.
Laura Trajber Waisbich é cientista política e diretora-adjunta de programas no Instituto Igarapé. É afiliada ao Skoll Centre, na Said Business School da Universidade de Oxford e foi diretora do Programa de Estudos Brasileiros e professora de estudos latino-americanos na mesma universidade.
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