Próximo Governo e Desafios da Política Econômica
1. Introdução
O objetivo deste artigo é analisar as prin cipais opções de política econômica disponíveis para o próximo governo e – avaliar as possibilidades de sua efetivação. A discussão foi dividida em dois períodos: o primeiro compreende o ano de 2015, que pode ser caracterizado como o de resgate da credibilidade da política macroeconômica e pela redução do “microgerenciamento”, duas transformações que mudaram o modelo da política econômica brasileira nos últimos seis anos. Até 2008, a política econô- mica estava baseada na autonomia operacional do Banco Central, superávit primário elevado, câmbio flutuante, respeito aos contratos e maior abertura ao exterior. As mudanças introduzidas na política econômica a partir da crise financeira foram acompanhadas de vários desequilíbrios que aumentaram a vulnerabilidade da economia brasileira a choques externos e passaram a restringir a trajetória de crescimento da economia brasileira. Inflação elevada, crescimento da dívida interna do governo e necessidade crescente de poupança externa são indicadores de inconsistência da política macroeconômica atual. Em um ambiente externo de menor crescimento, com queda de preço das commodities e de redução da liquidez internacional, tal vulnerabilidade tem seus dias contados. Em 2015, serão cruciais medidas emergenciais para reduzir a inflação, os desequilíbrios das contas públicas e do balanço de pagamentos. Do resultado dessas medidas dependerá a trajetória da economia brasileira a partir de 2016. A ênfase da análise neste segundo período está concentrada em dois grandes desafios: aumentar a inserção da economia brasileira no mercado internacional e avançar no ajuste e na reforma fiscal para criar um ambiente de negócios mais adequado à expansão dos investimentos produtivos e dos ganhos de produtividade. A persistência durante 12 anos (2003– 2014) em um modelo econômico que privilegiou a expansão do consumo interno para despertar “o espírito animal” dos empresários industriais para acelerar o crescimento econômico está esgotada. A economia convergiu para um crescimento de 2% ao ano, a taxa de investimento diminuiu para 18% do PIB e o nível de produção física da indústria de transformação do país estava, em mar- ço de 2014, 2,7% abaixo do observado em setembro de 2008. Os motores da expansão do mercado interno perderam força: o poder aquisitivo da família brasileira está crescendo a uma taxa anualizada de 2%, o nível de desemprego está aumentando e a expansão do crédito à pessoa física está muito mais comedida. O governo brasileiro repetiu, a partir de 2008, os mesmos erros cometidos pelo governo militar em 1974, quando o país enfrentou choques exter nos adversos: aumentou o protecionismo, o intervencionismo estatal na economia, o controle de preços e a expansão de crédito comandado por bancos públicos, particularmente o BNDES. Os resultados desta política macroeconômica inconsistente refletiu no aumento do risco Brasil e na volatilidade da taxa de câmbio, contribuindo para a redução dos investimentos privados e para o decepcionante crescimento da produtividade da mão de obra. Deve-se destacar, adicionalmente, que, ao persistir no princípio da modicidade tarifária nas concessões, tabelando a rentabilidade dos investimentos produtivos, o governo federal atrasou inexoravelmente as possibilidades de ampliação da infraestrutura, essencial para reduzir uma das grandes restrições à competitividade do produto brasileiro e ao aumento da capacidade produtiva do país. Embora no ano de 2013 tenha havido algum avanço nas concessões na área de rodovias e aeroportos, as licitações para portos e ferrovias ainda não saíram do papel. 2. O resgate da credibilidade na política macroeconômica em 2015 Aconsistência da política macroeconômica brasileira começou a ser construída nos últimos 25 anos, a partir da transição do modelo fechado ao exterior dos anos 1970 e 1980, para um regime mais aberto do ponto de vista comercial, financeiro e de investimento direto. Foram reduzidas as barreiras às importações, o mercado financeiro foi desregulamentado e foram eliminadas restrições institucionais a uma maior participação do capital estrangeiro em investimentos na infraestrutura. Na sequência, o Plano Real representou o “divisor de águas” com a estabilização da inflação. A abertura comercial e financeira ao exterior, iniciada no final dos anos 1980, já estava suficientemente avançada em meados de 1994, viabilizando a utilização de “uma âncora cambial” na disciplina dos preços dos produtos transacionados internacionalmente e do ingresso de capital externo para financiar o déficit público (em substituição ao imposto inflacionário). São estas inovações que possibilitaram a drástica redução da inflação observada nos últimos 20 anos e que consolidaram a manutenção de uma infla- ção moderada no país. A estabilização da inflação foi a grande “política social” brasileira, na medida em que reduziu dramaticamente o imposto inflacionário, altamente regressivo, responsável pelo aumento da desigualdade na distribuição de renda ocorrida no período da inflação extrema (em 1993, a infla- ção havia sido de 2.500%). A eliminação da grande inflação foi a principal responsável pelo resgate de 28 milhões de brasileiros da pobreza absoluta. Mas, uma inflação de 6,5% ao ano, como a observada atualmente, ainda é um componente importante no aumento da disparidade de renda, penalizando os brasileiros de renda baixa e média. Este é o mais importante desafio de curto prazo do próximo governo: assumir o compromisso explícito de reduzir a inflação para 4,5% ao ano e preparar a política macroeconômica para uma meta de inflação de longo prazo de 3% ao ano. Atualmente, a principal iniquidade sobre a população brasileira é uma inflação instável e elevada, com um Banco Central com autonomia operacional reduzida e preços de energia e transporte artificialmente controlados pelo governo. O governo atual ainda não aprendeu que não se pode dar trégua ao combate à inflação e que o argumento “uma inflação um pouco maior pode contribuir para o crescimento econômico” é falacioso e não encontra respaldo analítico ou empí- rico na experiência da política macroeconômica moderna. Ao abandonar a austeridade fiscal, a autonomia operacional do Banco Central e o regime de câmbio flutuante e adotar a “nova matriz macroeconômica”, o governo federal passou a colher resultados cada vez mais inconsistentes, que culminaram com o rebaixamento da nota de crédito soberano pela Standard & Poors. O “microgerenciamento“ deve ser substituí- do por regras de estímulo à produção e ao investimento que sejam horizontais, abertas para to- 26 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .interesse nacional – julho/setembro 2014. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . dos os setores da economia. O governo não tem a onisciência para escolher setores/empresas para crédito subsidiado, desoneração tributária e proteção da concorrência externa. Ao introduzir intervenções discricionárias na economia, o governo gerou muitas incertezas, e a taxa de investimento diminuiu. Respeito a contratos juridicamente perfeitos também é parte das regras do jogo para criar um ambiente de negócios sem riscos institucionais. Particularmente, a política de intervenção na área energética foi devastadora: a Petrobras teve sua capacidade de investimento comprometida frente aos desafios do pré- -sal, desorganizou-se o setor sucroalcooleiro e descapitalizaram-se as geradoras e distribuidoras de energia elétrica. As sequelas de intervenções intempestivas na infraestrutura são muito claras: comprometeram recursos adicionais do Tesouro, pioraram o desempenho da balança comercial e minaram a confiança do setor privado em investir em infraestrutura. Desafio de reduzir a inflação Os desafios de curto e longo prazos do pró ximo governo são extremamente comple- – xos, devido às grandes distorções de polític
a econômica introduzidas nos últimos seis anos, e não existe garantia de que elas possam ser devidamente equacionadas pelas dificuldades políticas que o governo irá enfrentar. Mas, inequivocamente, o grande desafio para 2015 é o de reduzir a inflação, e o principal instrumento é a conten- ção do crescimento desordenado das despesas do governo federal. Com as últimas informações estatísticas disponíveis até março de 2014, as despesas primárias do governo estavam crescendo a uma taxa real anualizada de 7,4%, ritmo quatro vezes e meia superior ao crescimento do PIB previsto para o mesmo ano. O governo terá que avançar significativamente na disciplina fiscal para criar espaço para uma redução consistente da taxa de juros, sem acelerar a inflação. Não será com receitas extraordinárias ou aumento de impostos que o país deverá enfrentar este problema a partir de 2015, mas por meio do controle da expansão das despesas. O governo terá que aumentar o superávit primário para um nível de 2,5% do PIB por muitos anos para sinalizar um compromisso definitivo de redução da relação dívida líquida/PIB e resgatar a capacidade de financiamento do Estado a taxas de juros reais civilizadas. Para isto será necessário eliminar os artifícios contábeis nas finanças públicas e descontinuar a expansão fiscal para financiar os bancos públicos, particularmente o BNDES. Criou-se um orçamento paralelo – semelhante à Conta Movimento, extinta em 1986 – que possibilitou transferir ao BNDES, após a crise financeira de 2008, recursos do Tesouro da ordem de 7,7% do PIB. Esta é uma das explica- ções pela qual a taxa de juros nominal na dívida líquida do governo federal se situava no patamar exorbitante de 19,7% ao ano, no primeiro trimestre de 2014. Não se devem admitir mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal, por representar uma grande ameaça à sustentabilidade da dívida do governo. Exemplos recentes, como as tentativas de desobrigar o governo federal a cobrir a meta de superávit primário dos estados e municípios e a renegociação da dívida dos estados e municí- pios retroagindo a troca de indexador para o passado não podem ser aprovadas no Congresso Nacional, pois comprometeriam definitivamente um dos pilares da política macroeconômica brasileira de longo prazo: uma regra de austeridade fiscal para todas as esferas de governo e para todos os poderes. Um crescimento real da despesa primária do governo federal de 1% ao ano é uma proposta que deveria ser perseguida pelo próximo governo. Tal escolha se apoia – além dos argumentos apresentados anteriormente – no fato de que a população brasileira está crescendo a uma taxa anual de 0,9% e é defensável que as despesas do governo se expandam para atender às necessidades de serviços públicos de uma população maior e também pelo fato de o crescimento do PIB esperado para 2015 ser próximo a 2%. O controle sobre o . . . . . . . . . . . . . . .os desafios da política econômica do próximo governo. . . . . . . . . . . . . . . . 27 crescimento da despesa do setor público é o caminho mais adequado para a redução da carga tributária no futuro e para eliminar o maior entrave sobre a competitividade da indústria brasileira. Dever-se-ia transformar a autonomia “de fato” do Banco Central em autonomia “de direito”, por meio de lei aprovada no Congresso Nacional que instituísse mandato fixo para a diretoria do BC e que não fosse coincidente com o do presidente da República. Finalmente, seria adequado permitir uma maior flutuação cambial que, em um ambiente de menor liquidez internacional e elevado déficit de balanço de pagamentos em transações correntes, levaria a uma depreciação real do câmbio, essencial para a recuperação da competitividade da produção industrial. Alguns comentários adicionais sobre as mudanças propostas na política macroeconômica brasileira são pertinentes. O ajuste fiscal observado na última década foi importante para controlar a trajetória da dívida interna do governo, mas a qualidade do ajuste fiscal deixou muito a desejar. Foi feito pelo caminho mais fácil, aumento da carga tributária bruta e redução dos investimentos públicos, e não por controle das despesas. Em meados dos anos 1990, a carga tributária estava próxima a 25% do PIB. Hoje, situa-se em 37% do PIB, a mais alta do mundo para países de renda média e acima da dos países da OCDE. Este aumento de carga tributária reduziu a capacidade de poupança e investimento do setor privado, sem aumentar o investimento do setor público, passando a ser um dos principais entraves ao crescimento da produtividade no longo prazo. As propostas explicitadas nesta seção são decisivas para o futuro da economia brasileira, e as linhas gerais podem ser identificadas pela seguinte trajetória: com um ajuste fiscal crível e uma depreciação real da taxa de câmbio, diminui drasticamente a necessidade de taxas de juros elevadas para manter o controle da inflação. Com a queda da taxa de juros nominais e reais, há um impacto favorável sobre o déficit público e na trajetória da relação dívida líquida/PIB do governo. A recuperação do nível de atividade econô- mica decorrente de uma política monetária menos restritiva e da depreciação cambial aumenta a receita do governo e contribui para o ajuste fiscal. Poder-se-ia iniciar um novo ciclo para a economia brasileira a partir de 2015, libertando- -a das amarras do período atual, em que a infla- ção alta e a necessidade de manter um fluxo de recursos financeiros elevados para financiar o déficit público e um déficit crescente de balanço de pagamentos obrigam a utilização de taxas de juros extremamente elevadas, o que compromete a trajetória do déficit e da dívida pública e o crescimento econômico do país. Portanto, os ingredientes básicos da economia passariam a ser: déficit externo reduzindo-se ao longo do tempo, taxas de juros domésticas menores, controle do déficit público e maior crescimento da economia e inflação convergindo para a meta de longo prazo. O aprimoramento da política macroeconômica atual deverá garantir a diminuição da volatilidade do nível de atividade econômica, criando um ambiente propício para o aumento dos investimentos e um crescimento com menores flutua- ções cíclicas. Os resultados desta política econô- mica poderão ser observados a partir de 2016. 3. Os Desafios de Longo Prazo: abertura da economia e reforma fiscal para preservar a estabilização, aumentar a taxa de crescimento e minorar os problemas distributivos Para ter um crescimento consistente de longo prazo, uma primeira tarefa é a de preservar a estabilização e ampliar a abertura comercial. Os benefícios de mais comércio internacional e investimentos diretos estrangeiros contribuirão para que o país caminhe para um patamar de crescimento maior e inaugure um novo ciclo que não tem paralelo com o observado no Brasil nas três últimas décadas. A política comercial brasileira sempre foi caracterizada como altamente protecionista para estimular a industrialização voltada para as vendas no mercado interno. Um conjunto amplo de 28 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .interesse nacional – julho/setembro 2014. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . instrumentos é utilizado até os dias de hoje: cré- dito subsidiado, isenções e subsídios fiscais para investimentos industriais, impostos de importa- ção elevados e restrições não tarifárias às importações são utilizados para proteger o mercado interno da concorrência externa. Mesmo a abertura comercial do final dos anos 1980 e início dos anos 1990 foi muito acanhada e incapaz de mudar o foco no mercado interno como critério da definição do modelo de desenvolvimento econô- mico brasileiro. Na segunda década do século XXI, o país tem uma modesta participação na exportação mundial de 1,3%, similar à de 40 anos atrás. Além disto, após a crise financeira internacional de 2008, o país voltou a recorrer a expedientes protecionistas que isolaram ainda mais o mercado bras
ileiro da concorrência internacional. Um dos principais entraves ao crescimento da economia brasileira é a pequena inserção internacional do país nos fluxos de comércio e das cadeias globais de suprimento. Dada a complexidade dos problemas econô- micos nacionais, o problema externo se destaca pelo grau de descolamento do Brasil do padrão médio mundial de inserção internacional. Qualquer comparação internacional indica o país em uma etapa ainda acanhada de integração no mercado mundial com reflexos importantes no acesso à tecnologia, escalas de produção, custo do investimento e competitividade. Pelas estatísticas do Banco Mundial, disponíveis para 176 países, a relação exportação de bens e serviços/PIB do Brasil foi a 11ª menor do mundo em 2012. O país só tem uma economia mais aberta que países como Afeganistão, Sudão, Burundi, Timor-Leste, Nepal etc. A abertura comercial brasileira ainda é limitada, quando se compara com o padrão médio mundial, e o preço relativo de bens de capital ainda é alto. Deve ser destacado que a tarifa de importação atual está acima da observada em 1994, e nos últimos 15 anos não houve avanço adicional na liberalização comercial para obter os ganhos associados a uma melhor alocação dos recursos e aumento da produtividade. Os desequilíbrios macroeconômicos observados nos últimos anos, associados a taxas de câmbio apreciadas e turbulências do mercado financeiro internacional fortaleceram as pressões protecionistas e aumentos de tarifas e restrições não tarifárias passaram a ser mais frequentes. A legislação antidumping passou a ter um papel crescente nas restrições não tarifárias às importações. No período de 2008 a 2013, foram iniciadas 176 investigações antidumping e, em 67% dos casos, direitos compensatórios foram aplicados para restringir as importações. Resultado semelhante foi observado para práticas desleais de comércio (subsídios) e para medidas de salvaguarda, protegendo indústrias domésticas com poder de monopólio, isoladas, portanto, da concorrência internacional. De acordo com a Organização Mundial do Comércio (OMC), entre 2012 e 2013, o Brasil iniciou 87 investigações antidumping, transformando-se no país que mais usa este instrumento protecionista no mundo. Voltou-se a usar o expediente de conteúdo nacional nos programas de investimento, restringindo ainda mais o já modesto nível de formação bruta de capital físico, um dos grandes entraves ao crescimento do país. Brasil precisa de reforma comercial OBrasil perdeu participação no mercado mundial na maioria dos produtos industrializados, sendo a grande exceção o caso de commodities, no qual o país aumentou sua participação na exportação mundial. Em particular, no setor agrícola e em minério de ferro, o país se consolidou como um grande exportador em vá- rios mercados. A expansão das exportações desses produtos contribuiu para os superávits comerciais elevados observados durante a última década e meia; são os únicos setores que continuam altamente superavitários em termos de exportações líquidas. O Brasil precisa efetuar uma ambiciosa reforma comercial nos próximos anos. Precisam ser removidas as restrições tarifárias e não tarifárias, e o país precisa ficar mais integrado no mercado . . . . . . . . . . . . . . .os desafios da política econômica do próximo governo. . . . . . . . . . . . . . . . 29 mundial. Uma economia mais aberta é capaz de obter as vantagens da especialização internacional, e estão bem documentados, empiricamente, os ganhos de eficiência, produtividade e competitividade de uma economia. Depois de 25 anos do início das reformas econômicas, o Brasil ainda se defronta com importantes desafios na área do comércio internacional. Com relação à abertura comercial, a primeira tarefa do governo brasileiro será o de escolher uma composição mais adequada de política macroeconômica. A competitividade no mercado internacional depende crucialmente da taxa de câmbio, que é o principal preço da economia. A combinação de uma política fiscal expansionista com uma política monetária restritiva ocasiona taxas de juros elevadas, taxa de câmbio apreciada e déficits crescentes do balanço de pagamentos. Uma política fiscal mais austera e uma polí- tica monetária expansionista serão muito mais adequadas para promover o crescimento das exportações, sem comprometer o controle da infla- ção. É fundamental controlar os gastos correntes do governo para possibilitar maiores recursos para investimentos em educação, tecnologia e infraestrutura, essenciais para a competitividade de longo prazo. Juros altos, taxas de câmbio valorizadas, carga tributária elevada e deficiências de infraestrutura têm sido uma importante restri- ção ao desempenho exportador das últimas décadas e são os pontos-chave do chamado “custo Brasil”. Um efeito adicional de uma política fiscal austera é o de criar um ambiente mais favorá- vel aos investimentos do setor privado, atraindo capital nacional e estrangeiro essencial para melhorar as perspectivas de desenvolvimento de longo prazo. Uma taxa de poupança interna maior é essencial para evitar crises recorrentes do balanço de pagamentos, que sempre foram as grandes restrições ao crescimento da economia brasileira do período pós-guerra. Embora tenha havido uma redução da tarifa nominal e efetiva, pelos padrões internacionais, elas ainda são comparativamente elevadas e com uma grande variância. Não existe nenhum argumento econômico sólido para a atual estrutura tarifária. A tarifa nominal varia de zero a 35% e a tarifa efetiva de -4,6% até 180%. A única explicação para essa prática é a força política de grupos especiais que conseguiram consolidar seus interesses na tarifa de importação. Tarifas elevadas nas importações de bens de capital penalizam os investimentos internos, altamente prioritários em um país com taxa de investimento de 18% do PIB. O custo para o país da atual estrutura tarifária é muito elevado, em termos de distor- ções de alocação dos fatores de produção, menor emprego, redução de bem-estar e das taxas de crescimento da economia. Desafio: completar a reforma fiscal Adireção da reforma é clara: reduzir o nível e a variância da atual estrutura de tarifas de importação. Idealmente, um tipo de tarifa de importação homogênea, como a chilena, eliminaria os privilégios e as atividades de rent seeking, implícitas no regime atual de importação. Uma vantagem adicional de impostos de importação menores é aumentar a demanda por importações, o que contribuiria para uma depreciação cambial, potencializado os resultados das mudanças propostas para a política macroeconômica. Deve ser destacado que a proposta de liberalização comercial é totalmente diferente, quando se compara com a experiência dos anos 1990. Naquela época, o país estava tão isolado do mercado mundial que a tarefa dependia somente da decisão doméstica, e a abertura foi unilateral. Agora, o acesso a mercados é fundamental. Isto leva a um desafio adicional: ter acesso a mercados em nível regional. Durante a última década, o país se encaminhou para acordos Sul-Sul, com resultados muito limitados no comércio exterior. A especialização internacional com países em desenvolvimento é desejável, mas é limitada pelo tamanho do mercado e pela semelhança de dotação de fatores de produção. Por outro lado, a ausência de acesso preferencial aos mercados de renda alta explica a 30 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .interesse nacional – julho/setembro 2014. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . participação declinante das exportações de manufaturados para esses mercados. Os países desenvolvidos foram muito ativos em acordos regionais. A criação do Nafta, os acordos dos Estados Unidos com países latino americanos e a ampliação da União Europeia contribuíram para reduzir a participação brasileira nos mercados dos países desenvolvidos. Os desafios do país no futuro próximo são: como obter acesso em
mercados segmentados por acordos regionais, garantir novos competidores no mercado mundial e realizar negociações multilaterais lentas para abrir o mercado às exportações brasileiras. O segundo desafio é completar a reforma fiscal. Qualquer país tem à sua disposição três polí- ticas macroeconômicas para caminhar em dire- ção a objetivos de longo prazo: a política cambial, a política monetária e a política fiscal. No caso brasileiro, não existem grandes inovações a fazer nas duas primeiras políticas: o câmbio flutuante é adequado a um país de grandes dimensões como o Brasil; e o sistema de metas inflacionárias é compatível com a flutuação cambial e a desindexação de contratos, iniciada há 20 anos. A reforma fiscal é fundamental para que a sociedade brasileira consiga atingir os seus grandes objetivos econômicos. Para consolidar a estabilização econômica, precisamos ter uma inflação de um dígito ao ano. Porém, não se pode indefinidamente controlar a inflação com base em um ajuste fiscal provisório apoiado, basicamente, em aumento de impostos. É necessário eliminar o déficit público no médio e longo prazos. Caso contrário, a inflação reaparecerá no futuro, quando se esgotar a capacidade de endividamento interno do governo e este recorrer à emissão de moeda para se financiar. É necessário retomar o crescimento econômico a taxas mais elevadas. O crescimento atual da economia é muito modesto e abaixo do padrão histórico e, para acelerar o crescimento, é necessário aumentar a taxa de poupança e de investimentos da economia. O principal instrumento para promover a expansão da poupança interna é a reforma fiscal. Também é preciso promover uma melhor distribuição de renda: o país tem uma distribuição de renda muito desigual, herança da inflação elevada do passado, abandono/distorção dos investimentos na área social, e uma reformulação nas receitas e despesas de governo poderá contribuir decisivamente para melhorar o atual cenário. As três reformas Areforma fiscal envolve várias mudanças ins titucionais para aprimorar o sistema tributá- – rio e federativo brasileiro, reformar o sistema de aposentadorias, reduzir despesas de custeio e promover uma reforma patrimonial do setor pú- blico por meio das concessões. Os principais pontos da reforma fiscal são: Reforma Tributária: a carga tributária no Brasil se situou, em 2013, no patamar de 37% do PIB, portanto, relativamente elevada em termos internacionais para países em estágio semelhante de desenvolvimento. O que diferencia o Brasil dos demais países é o reduzido universo de contribuintes, o grande número de impostos e contribuições para- -fiscais e as alíquotas elevadas. O sistema tributário brasileiro penaliza indevidamente a produção e o emprego, particularmente na indústria, e é considerado um dos principais fatores do chamado “custo Brasil”. O governo e o Congresso deverão discutir uma nova proposta de reforma tributária para reduzir as distorções existentes. Deve-se procurar reduzir o número de alíquotas do ICMS, unificá-las em nível nacional para reduzir a “guerra fiscal” e aumentar a participação de impostos diretos na receita total para reduzir a regressividade do sistema tributário atual. O pré-requisito para a reforma tributária é o controle do crescimento da despesa do governo, para viabilizar simultaneamente uma gradual redu- ção da carga tributária. Reforma da Previdência: constitui-se na mais importante reforma de longo prazo, pois viabilizará a expansão da poupança privada para financiar o desenvolvimento econômico nacional e reduzirá os encargos trabalhistas sobre a folha de pagamentos, favorecendo a geração de novos empregos. A apo- . . . . . . . . . . . . . . .os desafios da política econômica do próximo governo. . . . . . . . . . . . . . . . 31 sentadoria no Brasil era por tempo de serviço (35 anos para homens e 30 para mulheres) sem especificar anos de contribuição e idade mínima. Com a reforma aprovada para o regime geral (INSS), em 1998, o critério passou para o tempo de contribui- ção (35 anos para homens e 30 para mulheres). Foi instituído o Fator Previdenciário, que criou princí- pios atuariais no cálculo das aposentadorias no regime celetista, e, em 2013, regulamentou-se a previdência complementar no setor público. O grande desafio do próximo governo será o de avançar na reforma da previdência para reduzir despesas e incentivar a ampliação da previdência capitalizada. As distorções são tão grandes que uma reforma mais ampla precisará de um grande apoio político para a sua efetivação. De qualquer forma, a institui- ção da idade mínima para aposentaria, mudanças nas regras de concessões de pensões e a desvinculação do piso da previdência do salário mínimo são medidas que poderão reduzir o déficit previdenciá- rio. As aposentadorias, pensões e demais gastos sociais não podem estar reajustados pelo salário mínimo, que em 20 anos cresceu 137% acima da inflação. O resultado foi um crescimento explosivo nos gastos sociais, que é insustentável no longo prazo. Os gastos sociais devem ser corrigidos pela inflação, e não pelo salário mínimo. Possivelmente, este seja o item politicamente mais sensível para o próximo governo e o maior teste de viabilidade do controle das contas públicas. Não existe na experiência internacional nenhum caso de crescimento econômico sustentado que não tenha sido acompanhado de um consistente equilíbrio fiscal intertemporal. Mais ainda, na história recente mundial, os casos bem- -sucedidos de ajuste fiscal foram obtidos por redução de despesa, e não por aumento de receitas. Dadas as atuais condições das finanças públicas brasileiras, pode-se afirmar – com toda certeza – que estamos na trajetória inadequada. Os aumentos de carga tributária têm sido sistemáticos, a trajetória das despesas futuras ainda é crescente e o teste definitivo para a Lei de Responsabilidade Fiscal ajustar as despesas de todas as esferas do governo ainda não foi feito. A variável de controle do governo é a trajetó- ria de sua dívida através do superávit primário. Isto poderá desencadear, nos próximos anos, um círculo virtuoso ou um círculo vicioso na economia brasileira. Opções a partir de 2015 Quanto mais ambiciosa e persistente no tempo for a política de superávit primário, menor o risco soberano, maiores as possibilidades de o Banco Central reduzir juros, sem disparar as expectativas inflacionárias, e de reduzir a carga tributária no futuro. Com juros menores, é possível expandir a demanda agregada, sem uma monetização do déficit do governo e inflação. O oposto ocorreria caso o governo não consiga estancar a trajetória de expansão das despesas e da relação dívida/PIB: o Banco Central não conseguirá conter a depreciação cambial, que acarretará pressões inflacionárias e monetização do déficit público. O resultado será uma inflação maior. Em síntese: o país tem duas opções, a partir de 2015: • Uma saída pela austeridade fiscal, inflação cadente (em direção a 3% ao ano) e crescimento maior nos próximos anos (4% a 5% ao ano de crescimento do PIB). • Uma saída pela inflação (acima de 6% ao ano) e crescimento modesto (algo em torno de 2% ao ano), com maior volatilidade nas variáveis reais e nominais da economia. Continuaríamos na “armadilha da renda média”. Claramente, a primeira solução é a mais adequada, e ela depende de apoio político interno para viabilizar as reformas e a permanência de austeridade fiscal no longo prazo. Se isto se materializar, a importância da dívida do governo irá se reduzindo ao longo do tempo, abrindo espaço para a redução da carga tributária, aumento dos investimentos, inclusive na educação, e uma maior taxa de crescimento da economia brasileira.
Davi Silber é economista, PhD pela Yale University, EUA. É professor de Economia Internacional da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE).
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