‘Pantera Negra: Wakanda para sempre’ continua o trabalho da série para recuperar e celebrar culturas perdidas
Filmes aderem a uma prática de longa data nas histórias e arte afrofuturistas ao se envolver no que o professor de inglês Julian C. Chambliss, da Michigan State University, chama de “atos de recuperação”: o processo de reviver e celebrar elementos da cultura negra que foram destruídos ou suprimidos pela colonização
Filmes aderem a uma prática de longa data nas histórias e arte afrofuturistas ao se envolver no que o professor de inglês Julian C. Chambliss, da Michigan State University, chama de “atos de recuperação”: o processo de reviver e celebrar elementos da cultura negra que foram destruídos ou suprimidos pela colonização
Por Julian C. Chambliss*
Como alguém que ensina e escreve sobre afrofuturismo, aguardei ansiosamente o lançamento de Pantera Negra: Wakanda para Sempre. Estou particularmente empolgado com a introdução de Namor e o reino oculto de Talokan, que ele lidera.
O primeiro filme Pantera Negra aderiu a uma prática de longa data nas histórias e arte afrofuturistas ao se envolver no que chamo de “atos de recuperação” – o processo de reviver e celebrar elementos da cultura negra que foram destruídos ou suprimidos pela colonização. Essa prática é frequentemente ligada a “Sankofa”, uma palavra africana da tribo Akan em Gana que se traduz aproximadamente como “não é tabu buscar o que corre o risco de ser deixado para trás”.
Wakanda para Sempre puxa do passado da mesma forma, mas com uma reviravolta: Talokan é inspirado não pelas culturas africanas, mas pela Mesoamérica, uma vasta área que cobre a maior parte da América Central e parte do México.
Uma teoria do tempo
A ideia de que o conhecimento e as contribuições africanas para a ciência e a cultura foram apagados e devem ser recuperados é central para o afrofuturismo. O termo, cunhado em 1994, descreve um movimento cultural que se baseia em elementos de ficção científica, realismo mágico, ficção especulativa e história africana.
Em sua página inicial, a Arofurist listserv, lista de e-mails organizada pela cientista social Alondra Nelson em 1998, apontava esse processo de recuperação como princípio central do gênero:
“Era uma vez, em um passado não tão distante, produtores culturais da diáspora africana compunham visões únicas sobre o mundo próximo e o mundo por vir. Essa especulação tem sido chamada de afrofuturismo – produção cultural que simultaneamente faz referência a um passado de abdução, deslocamento e alien-nação; celebra as perspectivas estéticas únicas inspiradas por essas histórias fraturadas; e imagina os possíveis futuros da vida negra e definições cada vez mais amplas de ‘negritude’”.
Esse fascínio em descobrir as maneiras pelas quais as contribuições negras foram apagadas e suprimidas significa que os trabalhos afrofuturistas geralmente exploram o passado como um primeiro passo para criar visões do futuro.
Estudiosos afrofuturistas como Kinitra Brooks até descrevem o afrofuturismo como uma teoria do tempo. Para ela, o “presente, passado e futuro” existem juntos, criando a oportunidade de lutar contra a desvalorização sistêmica do povo negro que ocorreu durante a escravidão e a segregação de Jim Crow, e persiste na violência anti-negra contemporânea.
Olhando para trás para ver o amanhã
Essa recuperação pode assumir muitas formas.
Vários escritores negros publicaram romances serializados de ficção especulativa, como Blake: Or the Huts of America, de Martin R. Delany, uma história de revolta de escravos escrita entre 1859 e 1861. Of One Blood: Or, the Hidden Self, de Pauline Hopkins, publicado em 1903, conta a história de estudantes de medicina mestiços de Harvard que descobrem Telassar, uma cidade escondida na Etiópia, lar de uma sociedade avançada que possui tecnologia e poderes místicos.
Ambas as narrativas se recusam a retratar a cultura negra como atrasada ou impotente e, em vez disso, celebram o empoderamento negro e os ricos legados culturais do povo negro.
A curadora Ingrid Lafleur há muito fala sobre como a estética visual afrofuturista depende da recuperação da cosmologia africana antiga. Você pode ver essa prática no trabalho de artistas musicais como Sun Ra, que usou o simbolismo egípcio em todo o seu trabalho, e artistas visuais como Kevin Sipp, que remixou e reimaginou o simbolismo cultural africano para criar esculturas e trabalhos visuais que fundem estilos passados e símbolos com as práticas contemporâneas.
Simplificando, a reverência pelo conhecimento e cultura ancestrais é o coração pulsante do afrofuturismo e tornou-se parte integrante da missão do afrofuturismo de forjar um futuro melhor.
Mesoamérica é o centro das atenções
O primeiro filme Pantera Negra celebrou uma variedade de culturas africanas.
A figurinista Ruth Carter deliberadamente infundiu elementos de todo o continente em cada cena. Por exemplo, o cocar usado pela rainha Ramonda, interpretada por Angela Bassett, foi inspirado no isicholo, um chapéu sul-africano tradicionalmente associado às mulheres casadas. E a Nakia de Lupita Nyong’o usou roupas inspiradas na tribo Suri.
E assim o filme destacou as culturas africanas não as retratando como frágeis ou decadentes, mas como modelos de arte e sofisticação.
Em Pantera Negra: Wakanda para Sempre, esses temas são explorados tanto na forma como o manto de Pantera Negra passa para a princesa Shuri, quanto na representação de Namor e do reino de Talokan.
Enquanto Talokan é uma sociedade subaquática inspirada no mito da Atlântida, a Marvel Studios sinalizou que o povo de Talokan buscou refúgio debaixo d’água em resposta à invasão colonial.
Ao invocar as complexidades desta história – e aparentemente apoiando-se fortemente em paralelos com a cultura maia – o filme celebra uma sociedade que a academia há muito notou por suas realizações em arquitetura, matemática, astronomia e linguagem.
Os livros de história fazem referência a essas realizações. Mas na cultura popular, há pouca atenção dada a essa paisagem cultural.
Namor e o reino que ele lidera estão prontos para lembrar uma audiência global do rico mundo da Mesoamérica que prosperou – até que o contato europeu a partir de 1502 levou à conquista, declínio e erradicação.
Hoje, a imigração, o comércio e o tráfico de drogas dominam as discussões da América Central e do México na mídia norte-americana. Este filme, por outro lado, convida o espectador a apreciar o profundo legado cultural das civilizações mexicanas e centro-americanas.
*Julian C. Chambliss é professor de inglês na Michigan State University
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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