O dilema da China
Redução e envelhecimento da população do país, assim como o desequilíbrio de gênero, geram preocupações sobre a estabilidade e o seu futuro. Para diplomata, tendência pode representar um problema para o resto do planeta, uma vez que a China desempenha papel fundamental na condução da economia global
Redução e envelhecimento da população do país, assim como o desequilíbrio de gênero, geram preocupações sobre a estabilidade e o seu futuro. Para diplomata, tendência pode representar um problema para o resto do planeta, uma vez que a China desempenha papel fundamental na condução da economia global
Por Fausto Godoy*
A população da República Popular da China decresceu em 2022 para 1,411 bilhão, uma queda de cerca de 850 mil pessoas em relação ao ano anterior, anunciou o Escritório Nacional de Estatísticas da China/NBS durante um briefing no último dia 19/01.
A última vez que fato semelhante ocorreu foi na década de 1960, quando a política desastrosa de Mao Zedong de impor a industrialização forçada do país através da política do “Grande Salto em Avanço/ para a Frente”, entre 1958 e 1960. Com a pretensão de transformar a República Popular numa nação desenvolvida e socialmente igualitária em tempo recorde, através de uma reforma agrária forçada e da industrialização urbana, sobretudo da siderurgia, teve como consequência funesta a morte de cerca de 18 milhões de indivíduos, segundo estimativas conservadoras; ou perto dos 55,6 milhões, segundo outros estudos.
Entretanto, o crescimento acelerado da população levou o governo a estabelecer, em 1979, a política de “um só filho”, que colocou um fardo pesado sobre as famílias; temiam as autoridades que o crescimento exponencial da massa humana tornasse o país ingovernável. Aquelas que violaram a lei foram sujeitas a punições severas, incluindo abortos forçados e esterilizações. Ademais, atitudes culturais em relação a gênero levaram ao aumento dos níveis de abortos e infanticídio de bebês do sexo feminino em favor das crianças do sexo masculino, causando um desequilíbrio preocupante entre homens a mulheres.
Afinal, os distúrbios demográficos levaram os líderes chineses a agir… Em 2015, o governo relaxou a política do filho único, permitindo que a maioria das pessoas tivesse um segundo filho. Como consequência, o índice de natalidade aumentou brevemente, porém logo decaiu. Atualmente, a taxa de fertilidade da China, de 1,5 a 1,6 filhos por mulher, está abaixo da taxa de reposição, que é de cerca de 2,1. Nas maiores cidades, por sua vez, ela está entre as mais baixas do mundo, bem inferior a 1,0.
Os custos demográficos estão-se tornando dolorosamente óbvios. O impacto do envelhecimento da população e o gap entre as gerações têm sido particularmente agudos: a quantidade de indivíduos com mais de 60 anos continua a aumentar, enquanto a população em idade ativa vem diminuindo constantemente: definida como os indivíduos entre 15 e 59 anos, ela vem-se reduzindo desde 2011. O número de indivíduos nesta faixa etária diminuiu em 3,71 milhões somente no ano passado. Enquanto isto, a parcela dos que têm mais de 60 anos aumentou de 10,4%, em 2000, para 17,9%, em 2018.
O prognóstico recente é que até 2050 um terço dos chineses estarão na faixa dos 60 anos, ou mais. Dar-lhes condições dignas de sobrevivência imporá um fardo enorme sobre os jovens, a menos que os idosos possam ser persuadidos a trabalhar por mais tempo. A propósito, a idade média de aposentadoria na China, de 54 anos, está entre as mais baixas do planeta, enquanto a expectativa de vida disparou. Entretanto, persuadir as pessoas a trabalharem mais tempo está-se revelando tarefa difícil para o governo, que até tentou, em 2008, mas recuou diante do clamor público. Enquanto isso, num relatório publicado em 2019, a Academia Chinesa de Ciências Sociais alertou que o principal fundo de pensão da China poderá tornar-se praticamente inadimplente até 2035. Tais dados desvelam um cenário sombrio para o Partido Comunista Chinês!
Uma segunda preocupação demográfica é o desequilíbrio contínuo entre homens e mulheres. Desde a década de 1980, as restrições ao nascimento e o fácil acesso a exames pré-natais levaram ao aborto generalizado de meninas. Como resultado, em 2019 havia 30 milhões de homens a mais do que de mulheres, contrariamente à média mundial, e a disparidade no número de pessoas em idade núbil só tende a crescer. O governo teme que o(a)s jovens que não conseguem encontrar companheira(o) possam tornar-se fonte de agitação.
Especialistas alertam que, se sustentada, esta tendência também pode representar um problema para o resto do planeta, uma vez que a China desempenha papel fundamental na condução da economia global. Enquanto isto, a vizinha Índia, atualmente com 1,415 bilhão de habitantes, deverá ultrapassar ainda neste ano a China como o país mais populoso do planeta. Porém, com uma diferença – muito significativa: mais da metade de sua população tem menos de 25 anos idade!!! Sobre este tema tratarei numa próxima oportunidade.
*Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.
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