22 fevereiro 2023

Mario Mugnaini Jr: A exportação de serviços de engenharia

O financiamento de novos projetos deve ser analisado com vistas à sua atualização ao cenário econômico nacional, incluindo entidades representativas do setor privado. O novo governo deve contatar países com débitos com vistas a propor um plano de recuperação, regularizando a situação junto ao Tesouro Nacional e retirando da situação de devedor o país importador

O financiamento de novos projetos deve ser analisado com vistas à sua atualização ao cenário econômico nacional, incluindo entidades representativas do setor privado. O novo governo deve contatar países com débitos com vistas a propor um plano de recuperação, regularizando a situação junto ao Tesouro Nacional e retirando da situação de devedor o importador

A hidrelétrica de Guri, na Venezuela (Foto: CC)

Por Mario Mugnaini Jr*

Quando havia terminado de escrever este texto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a intensão do governo de voltar a financiar a exportação dos serviços de engenharia do país. Trata-se de uma boa notícia e então acrescentei ao texto algumas observações para o aprimoramento do programa.

Iniciando com o histórico do programa de exportação de serviços de engenharia é importante salientar que foi o processo de industrialização do país que permitiu a exportação de bens de capital associados à engenharia.

Com a industrialização acelerada de da década de 1970, o país passou a fabricar bens de capital de grande porte e sofisticação, como os equipamentos usados nas hidroelétricas e obras de saneamento e hidráulica.

Assim, foram construídas as barragens hidrelétricas, na época as maiores do mundo como Itaipu e Tucuruí. No campo do saneamento, nos anos seguintes a engenharia nacional participou das obras do Projeto Sanegran – Águas Residuais da cidade de São Paulo e mais recentemente da obra de hidráulica conhecida como a Transposição do Rio São Francisco.

Poucos países do mundo dominam estas tecnologias de projeto, construção e fabricação dos equipamentos destinados a estas obras.

Toda esta “expertise” constituiu a alavanca que permitiu à engenharia nacional lançar-se na exportação deste tipo de serviço, conquistando mercados notadamente na América Latina e na África.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/mario-mugnaini-a-insercao-do-brasil-na-america-do-sul/

A seguir alguns exemplos de obras com participação de engenharia, incluindo projeto gerenciamento, construção e fornecimento de equipamentos, como as hidroelétricas de Guri na Venezuela, San Francisco no Equador, Kapanga e a nova recém-inaugurada, ambas sobre o rio Kawanza em Angola, investimentos que permitiram solucionar os problemas de escassez de energia elétrica nestes países.

Obras de hidráulica e saneamento como a importante referência do canal Chavimotich, que leva água da Amazônia peruana à região semidesértica costeira norte do Peru, com 250 km de extensão, que permitiu a construção da estação de tratamento de água para a cidade de Trujillo e, através de canais derivativos, o fornecimento de água para irrigação, o que contribuiu para a instalação na região de industrias de processamento de alimentos.  

Todas estas referências foram realizadas com financiamentos do BNDES ou PROEx do Banco do Brasil destinados à exportação da engenharia, incluindo projeto, gerenciamento e fornecimento, e dos equipamentos produzidos no país, sendo as obras locais financiadas por outros tipos de créditos, geralmente por organismos internacionais como o BID, CAF.

O financiamento à exportação dos serviços de engenharia e equipamentos realizados estava baseado nos programas de financiamento à exportação do BNDES e do Banco de Brasil nas modalidades crédito comprador ou fornecedor e na cobertura às garantias prestadas pela União nas denominadas Operações de Seguro de Crédito à Exportação, o denominado FGE Fundo de Garantia das Exportações.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/sergio-abreu-e-lima-florencio-brasil-e-ocde-retrocesso-a-vista/

As operações de financiamento às exportações, destinadas aos países membros da ALADI (Associação Latino-Americana para Desenvolvimento e Integração) contavam com segurança adicional de poderem cursá-las no CCR-Convênio de Pagamentos de Créditos Recíprocos, mecanismo multilateral de compensação de pagamentos entre os Bancos Centrais.

Mediante a solicitação por parte do exportador e anuência do importador, através do banco responsável pela operação para que a exportação seja cursada no convênio, elimina-se o risco comercial, o que conferia competitividade às exportações brasileiras.

A grande maioria dos créditos à exportação foi destinada a entidades governamentais dos países importadores pela natureza do campo de atuação, mas também empresas do setor privado se beneficiaram junto ao programa.

Importante salientar que o Fundo Garantidor das Exportações recebe os pagamentos do seguro à exportação, variável entre 2% e 4%, da parte dos exportadores, valor este registrado junto ao Tesouro Nacional. Em caso de paralisação do contrato, o exportador brasileiro é ressarcido conforme o estágio atingido pelo contrato e condições do seguro.

Em abril de 2019 em função da repercussão nacional e posteriormente internacional dos problemas levantados pela Operação Lava Jato o governo federal decidiu pela paralisação dos financiamentos à exportação e solicitou saída do Convênio CCR.

Passado o tempo acreditamos que o Programa de Financiamento às Exportações deve ser analisado pelas autoridades financeiras do governo federal, incluindo BNDES e Banco do Brasil, com vistas à sua atualização ao cenário econômico nacional.

Uma análise ampliada deveria incluir as entidades representativas do setor privado, como a Associação dos Exportadores do Brasil, as entidades dos setores de bens de capital elétrico e mecânico e as construtoras, estabelecendo-se novas regras do programa.

Por fim, ao novo governo, em função de sua privilegiada condição anunciada da nova política de inserção internacional do país, seria de grande interesse planejar contatar os países com débitos de pagamentos das exportações brasileiras, com vistas a propor um plano de recuperação, regularizando a situação junto ao Tesouro Nacional e retirando da situação de devedor o país importador.


*Mario Mugnaini Jr. é colunista da Interesse Nacional. Engenheiro industrial químico e empresário, foi vice-presidente da Fiesp/Ciesp entre 1998 e 2002, secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior Camex MDIC entre 2003 e 2007 e presidente da Investe SP, Agência Paulista de Investimentos e Competitividade de 2009 a 2011.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Mario Mugnaini Jr. é colunista da Interesse Nacional, engenheiro industrial químico e empresário, foi vice-presidente da Fiesp/Ciesp entre 1998 e 2002, secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior Camex MDIC entre 2003 e 2007 e presidente da Investe SP, Agência Paulista de Investimentos e Competitividade de 2009 a 2011.

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