Matheus Bastos: Precisamos falar sobre perdas e danos causados pela mudança do clima
Impactos devastadores das mudanças climáticas são parte de uma realidade atual e preocupante, sobretudo para populações mais vulneráveis. Para doutorando em sustentabilidade, debate sobre como responder a essas perdas e danos deve estar no centro da agenda climática
Impactos devastadores das mudanças climáticas são parte de uma realidade atual e preocupante, sobretudo para populações mais vulneráveis. Para doutorando em sustentabilidade, debate sobre como responder a essas perdas e danos deve estar no centro da agenda climática
Por Matheus Bastos*
Os impactos devastadores da mudança do clima não figuram mais apenas em projeções sobre cenários futuros. Eles são parte de uma realidade atual e preocupante, sobretudo para populações mais vulneráveis dos países em desenvolvimento.
Segundo o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), referência sobre o assunto, o continuado aumento da temperatura global intensificará a ocorrência e escala de eventos extremos, como inundações e deslizamentos, e de longa duração, a exemplo da elevação do nível do mar, em todas as regiões do planeta.
Aos efeitos negativos da variabilidade e da mudança do clima aos quais as pessoas não foram ou têm sido capazes de enfrentar ou se adaptar dá-se o nome de “perdas e danos”.
As recentes chuvas históricas no Paquistão, no litoral norte paulista e em diversas localidades dos estados do Maranhão são, justamente, exemplos do que se espera em um mundo em aquecimento. Embora seja ainda difícil estabelecer uma relação clara de causalidade, é indiscutível que a mudança do clima tem causado severas destruições a infraestruturas críticas, inundações e secas extremas, riscos à continuidade de práticas culturais e prejuízos por vezes irreparáveis à vida das pessoas atingidas.
Para conter as perdas e danos causados pelo aquecimento global, o IPCC indica que serão necessárias medidas de curto e longo prazo concertadas por todos os países para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e aumentar a resiliência à mudança do clima.
A efetividade dessas ações dependerá de uma mobilização intensa de recursos financeiros globais, sobretudo em direção aos países em desenvolvimento, para capitalização de projetos de mitigação e adaptação adequados às necessidades e realidades locais.
Mas quem deve pagar pelas perdas e danos causados pela mudança do clima?
A resposta a essa questão se relaciona com um debate relevante sobre responsabilidades históricas na agenda climática internacional. Não é nenhuma novidade que foram as economias mais industrializadas que, em seu processo de desenvolvimento, emitiram descontroladamente gases de alto potencial de aquecimento cujos efeitos são sentidos até os dias de hoje. É por esse motivo que, em acordos internacionais sobre mudança do clima, como na Convenção-Quadro das Nações Unidas (UNFCCC) e seu Acordo de Paris, os países desenvolvidos apresentam responsabilidades diferenciadas de liderar os esforços coletivos de redução de emissões globais.
O Acordo de Paris determina também que são os países desenvolvidos os responsáveis em prover e mobilizar recursos para auxiliar as economias em desenvolvimento a combater a mudança do clima. Esse compromisso financeiro, a exemplo da famosa meta de mobilização de US $ 100 bilhões até 2025, nunca foi efetivamente cumprido. Dados da Oxfam indicam que esses recursos só chegaram a um terço do prometido entre 2019 e 2020.
Relatório da Climate Policy Initiative sobre fluxos de financiamento climático apontam que, embora haja tendência de crescimento dos montantes mobilizados, a grande parte dos recursos não chega a todas as regiões em desenvolvimento e são providas na forma de empréstimos, que tendem a aumentar o já elevado nível de endividamento público dos países em desenvolvimento.
O problema torna-se ainda mais complexo se consideramos que não há um mecanismo internacional que direcione recursos específicos para responder a perdas e danos causados pela mudança do clima. Por esse motivo, a decisão adotada em Sharm El-Sheikh, no Egito, durante a COP27, sobre a criação de um novo fundo para perdas e danos é considerada paradigmática e merece atenção de todos os atores envolvidos.
A criação e operacionalização do novo fundo não serão tarefas fáceis, considerados o contexto geopolítico internacional e a ainda injustificada relutância das economias avançadas em prover recursos que possam ser verificados sobre as regras acordadas no marco do Acordo de Paris.
Há diversos elementos a serem discutidos pelo Comitê de Transição responsável pelo estabelecimento do novo fundo. É preciso pensar, por exemplo, como o mecanismo pode ser desenhado para auxiliar países como o Brasil a acessar recursos a fundo perdido para se recuperar e reabilitar de eventos extremos, garantindo níveis adequados de proteção social, ao mesmo tempo que desenvolvem capacidades institucionais para fazer frente a eventos de longa duração. A esse respeito, o fundo poderá contribuir, no Brasil, para o fortalecimento da Defesa Civil e seus sistemas de alerta precoce, como o CEMADEN, e de iniciativas como a recém-lançada plataforma ClimaAdapt.
O novo fundo deverá também ser complementar a iniciativas vigentes de apoio humanitário e de prevenção e gestão de risco de desastres ambientais. Integrar uma abordagem de direitos humanos, gênero e de respeito a conhecimentos locais e de povos originários será incontornável para que se possa responder aos chamados perdas e danos não econômicos, que incluem perda da vida, saúde, território identidade e herança cultural.
Ainda mais relevante é a questão de como garantir que o fundo tenha recursos apropriados e previsíveis para responder às crescentes necessidades identificadas pelos países em desenvolvimento no combate à mudança do clima, tendo em mente seu reduzido espaço fiscal e elevado nível de endividamento público.
O preço da inação climática é e permanecerá alto. É, portanto, fundamental que o debate sobre como responder a perdas e danos causados pela mudança do clima esteja no coração da agenda climática e à altura dos desafios impostos por um mundo em rápido aquecimento.
*Matheus Bastos é especialista em assessoria política, governo e políticas públicas pela Universidade de Brasília (UnB) e doutorando em sustentabilidade pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP).
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional