O novo regulamento da UE para impedir o comércio de produtos do desmatamento
Medida busca impedir a comercialização de matérias primas e produtos quando associados ao desmatamento e à degradação florestal. Empresas serão obrigadas a entrar numa dinâmica de responsabilização pública quanto ao seu grau de respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente em suas operações em qualquer país do mundo
Medida busca impedir a comercialização de matérias primas e produtos quando associados ao desmatamento e à degradação florestal. Empresas serão obrigadas a entrar numa dinâmica de responsabilização pública quanto ao seu grau de respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente em suas operações em qualquer país do mundo
Por Antoni Pigrau Solé*
No dia 29 de junho, entrou em vigor o novo Regulamento 2023/1115, de 31 de maio de 2023, cujo objetivo é impedir a comercialização no mercado da União Europeia (UE) e a exportação da União de algumas matérias primas e produtos quando associados ao desmatamento e à degradação florestal.
A regulamentação parte de duas premissas. Por um lado, os benefícios ambientais, econômicos e sociais derivados das florestas, incluindo a preservação da biodiversidade terrestre e a proteção do sistema climático.
Por outro lado, o avanço alarmante do desmatamento e da degradação florestal. Segundo a FAO, entre 1990 e 2020, 420 milhões de hectares de floresta foram perdidos em todo o mundo, uma área maior que a UE.
Além disso, quase dois terços dos 227 defensores ambientais mortos em 2020 trabalhavam para defender as florestas do mundo contra o desmatamento e o desenvolvimento industrial.
O que exige o regulamento?
A norma valerá para seis matérias primas: gado, cacau, café, borracha, dendê, soja e madeira. E também inclui um conjunto de produtos derivados, incluindo carne bovina, couro, papel impresso, óleo de palma, farelo de soja, chocolate, móveis, pneus e roupas de borracha vulcanizada.
Estabelece que os operadores e comerciantes, antes de introduzir produtos na UE, comercializá-los ou exportá-los, devem apresentar uma declaração de diligência certificando que estão livres de desmatamento e foram produzidos de acordo com a legislação do país de produção.
Para tal, terão de fornecer informação e documentos relevantes, incluindo a geolocalização de todas as parcelas de terreno onde foram produzidas as matérias primas contidas no produto ou que tenham sido utilizadas para a sua produção, bem como a data ou intervalo de tempo de produção.
Devem também fazer uma avaliação do risco de os produtos não cumprirem o regulamento, tendo em conta diversos fatores, como o nível de risco atribuído a todo ou a parte do país de produção, a complexidade do fornecimento cadeia produtiva, a presença de povos indígenas no país produtor e a existência de reivindicações devidamente motivadas dos povos indígenas.
Finalmente, devem adotar procedimentos e medidas de redução de risco para garantir que seja nulo ou negligenciável.
A Comissão Europeia (CE) estabelecerá um sistema de avaliação comparativa de países que permitirá classificar o nível de risco de desmatamento e degradação florestal em cada país, ou região dentro dele, nos níveis de baixo, padrão ou alto. Os requisitos de due diligence são modulados com base no nível de risco.
O sistema de controle é menos exigente para os comerciantes que são PME.
Como os países membros podem agir em caso de infração
Cada Estado Membro designará uma ou mais autoridades competentes como responsáveis pelo cumprimento das obrigações do regulamento em seu território, até 30 de dezembro de 2023.
As autoridades podem agir de diferentes maneiras contra possíveis violações:
- Adotar medidas provisórias imediatas, incluindo a apreensão de matérias primas e produtos ou a suspensão de sua introdução no mercado, comercialização ou exportação.
- Exigir que o operador ou comerciante tome medidas corretivas adequadas e proporcionais para por fim à não conformidade, como impedir que o produto seja colocado no mercado, comercializado ou exportado.
- Retirar, recuperar ou doar o produto para fins de caridade ou interesse público ou, se isso não for possível, descartá-lo.
Os Estados-Membros devem estabelecer o sistema de sanções eficazes, proporcionadas e dissuasivas aplicáveis a qualquer infração. Essas sanções incluirão:
- Multas proporcionais ao dano ambiental e ao valor das matérias primas e produtos em questão.
- A apreensão dos produtos.
- O confisco dos rendimentos obtidos pelo operador ou comerciante.
- Exclusão temporária, pelo prazo máximo de 12 meses, dos procedimentos de contratação pública e acesso a financiamentos públicos, incluindo procedimentos de contratação, subsídios e concessões.
- A proibição temporária de introduzir no mercado, comercializar ou exportar matérias primas e produtos, em caso de infração grave ou reincidência.
- A proibição de aplicar o procedimento simplificado de diligência em caso de infração grave ou reincidência.
Reclamações de pessoas ou empresas
As pessoas individuais ou coletivas (instituições, organizações ou empresas) podem apresentar às autoridades competentes preocupações justificadas quando considerem que um ou mais operadores ou comerciantes estão quebrando os regulamentos.
As autoridades competentes irão avaliá-los e adotar as medidas necessárias, com vista a detetar eventuais incumprimentos.
Qualquer pessoa individual ou coletiva que tenha interesse, incluindo aqueles que tenham apresentado uma preocupação justificada, terá acesso a procedimentos administrativos ou judiciais para apreciar a legalidade das decisões, ações ou omissões da autoridade competente no âmbito do regulamento.
Expansão para pastagens, turfeiras e zonas úmidas
Além de 29 de junho, data em que o regulamento entra em vigor na generalidade, a norma prevê outros prazos relativos a determinadas disposições e, também, relativamente às microempresas ou empresas de pequeno porte. A maior parte das disposições importantes (artigos 3.º a 12.º, 14.º a 22.º, 24.º, 29.º e 30.º) serão aplicáveis 12 meses após a entrada em vigor do regulamento.
Até 30 de junho de 2024, a Comissão apresentará uma avaliação e proposta legislativa para ampliar o escopo de aplicação para incluir outras áreas florestais, que podem ser muito relevantes para biomas como savanas, como é o caso do cerrado, no Brasil.
Até 30 de junho de 2025, a CE apresentará outra proposta legislativa para abranger outros ecossistemas naturais, incluindo terras com altos estoques de carbono e alto valor de biodiversidade, como pastagens, turfeiras e zonas úmidas.
As referidas avaliações também conterão uma análise sobre a possibilidade de modificação ou ampliação da lista de produtos derivados.
Esta norma europeia faz parte de um pacote de medidas que abordam diferentes aspectos dos impactos das atividades empresariais nos direitos humanos e no meio ambiente. Entre elas, destaca-se a Diretiva 2022/2464, de 14 de dezembro de 2022, sobre a apresentação de informações sobre sustentabilidade pelas empresas, a proposta de Diretiva da UE sobre Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa, de fevereiro de 2022 e que possui o pronunciamento do Parlamento Europeu a 1 de junho, com um importante conjunto de alterações, e a proposta de Regulamento que proíbe o mercado da União de produtos elaborados com trabalho forçado, de setembro de 2022.
Todos estes regulamentos, juntamente com os efeitos extraterritoriais de várias leis sobre due diligence adotadas ou em vias de adoção por diferentes Estados membros, obrigarão as empresas a entrar numa dinâmica de responsabilização pública quanto ao seu grau de respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente em suas operações em qualquer país do mundo. E, eventualmente, assumir responsabilidades legais e não apenas em sua reputação, pelos impactos negativos de suas atividades.
*Antoni Pigrau Solé é professor de direito internacional público e diretor do CEDAT, Universitat Rovira i Virgili
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em espanhol.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
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