Rubens Barbosa: Os gastos militares em todo o mundo
Investimentos em Defesa crescem em todo o mundo e alcançam US$ 2 trilhões por ano, o que gera um quadro preocupante. Para embaixador, a guerra se faz em nome de ideias e princípios, mas acaba sendo mantida em nome de interesses
Investimentos em Defesa crescem em todo o mundo e alcançam US$ 2 trilhões por ano, o que gera um quadro preocupante. Para embaixador, a guerra se faz em nome de ideias e princípios, mas acaba sendo mantida em nome de interesses
Por Rubens Barbosa*
As despesas militares de todos os países, mesmo antes da guerra da Ucrânia, se mantinham bastante elevadas. Desde o fim da Guerra Fria, com o desaparecimento da União Soviética e a queda do muro de Berlim, até a crise de 2008, os maiores gastos militares estavam concentrados nos EUA, em função das guerras do Iraque e a do Afeganistão Em 2022, o gasto global com defesa aumentou cerca de 4% em termos reais, alcançando mais de US$ 2 trilhões de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri).
Segundo estimativa da revista The Economist, os gastos com defesa poderão exceder US$ 200 bilhões anuais. Com o ataque russo à Ucrânia e o acirramento das tensões entre os EUA e a China, os gastos europeus e norte-americanos com a fabricação de armas e munições aumentaram exponencialmente. Países como a Alemanha e o Japão, pela primeira vez depois da Segunda Guerra Mundial, embarcaram em uma corrida armamentista, ao lado de Washington no conflito com a Rússia e na disputa com a China. Os gastos com espionagem e ataques cibernéticos também dispararam e vão mudar o curso das guerras no futuro.
De acordo com o Sipri, de Estocolmo, em 2022, o aumento dos gastos militares por região apresentou um quadro preocupante. Leste Europeu (58%), Sul da Asia (4%), Europa Ocidental e Central (3,6%), Leste da Asia (3,5%), Oriente Médio (3,2%), América do Norte (0,2%). A América do Sul gastou menos 6,1% em relação a 2021. Os EUA, com 39%, são o país que mais despende com Defesa, seguido da China, com 13%, Russia (3,9%), Índia (3,6%), Arábia Saudita (3,3%), Alemanha (2,5%), França (2,4%). Coreia do Sul (2,1%), Japão (2,1%), e Ucrânia (2%).
Segundo o Watson Institute, da Brown University, o custo das guerras norte-americanas entre 2001 e 2022 subiu a US$ 8 trilhões. Os gastos militares anuais dos EUA chegam ao redor de US$ 900 bilhões e são maiores do que os dos dez países seguintes somados. Em 2022, os gastos americanos em defesa foram o triplo dos chineses.
De acordo com o Gabinete de Orçamento do Congresso, os gastos militares para o período 2024-2033 deverão ser da ordem de US$ 10,3 trilhões. Segundo Jeffrey Sachs, 25% ou mais desse valor poderia ser reduzido com o fim das guerras em que os EUA se envolvem, o fechamento de muitas das cerca de 800 bases militares pelo mundo e a negociação de acordo de controle de armas com a China e a Rússia. No caso da guerra da Ucrânia, os EUA já despenderam mais de US$ 100 bilhões.
No tocante à Europa, com a guerra da Ucrânia, 23 dos 36 países europeus aumentaram seus gastos militares seja para repor armamentos seja para fortalecer seus arsenais. O número de países da Otan que alcançaram a meta de 2% do PIB em gastos militares subiu de três em 2014 para sete em 2022. O valor total dos gastos chegou a US$345 bilhões, sendo que os maiores incrementos foram no Reino Unido e na Alemanha. No caso da Ucrânia, houve um aumento de 640%, sendo que a Polônia e a Finlândia foram os maiores compradores de equipamentos militares.
Na China, o orçamento de defesa cresceu cerca de 75% em termos reais nos últimos dez anos. Segundo o governo de Beijing, o objetivo é completar a modernização das suas Forças Armadas ao redor de 2035 e tornar-se uma potência militar global ao redor de 2049. Em 2022, o gasto militar cresceu 4.2% em termos reais.
O gasto de Defesa no Brasil está ao redor de 1,2% do total do orçamento da União. Desse total, cerca de 78% é gasto com pessoal, contra ao redor de 50% nos países ocidentais.
Tudo isso ocorre em um momento em que o mundo passa por grandes desequilíbrios sociais com o aumento das desigualdades e da pobreza, em que a mudança do clima exige recurso para a descarbonização das economias e em que as ameaças a novas pandemias vão demandar recursos para medidas preventivas sobretudo em países mais vulneráveis. O grande vencedor é o complexo industrial militar. A guerra se faz em nome de ideias e princípios, mas acaba sendo mantida em nome de interesses.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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