Origens da recessão democrática (parte 1)
Fracasso do Brexit e derrota de populistas como Donald Trump não representaram uma derrocada da extrema-direita no mundo. Para embaixador, a resiliência dos populismos continua a ameaçar as democracias nos dois lados do Atlântico
Fracasso do Brexit e derrota de populistas como Donald Trump não representaram uma derrocada da extrema-direita no mundo. Para embaixador, a resiliência dos populismos continua a ameaçar as democracias nos dois lados do Atlântico
Por Sergio Abreu e Lima Florêncio*
A ascensão dos populismos de direita atingiu seu auge com a aprovação do Brexit e a vitória de Donald Trump, em 2016. Mas, sete anos depois, o fracasso do Brexit não fragilizou a extrema-direita europeia, nem a derrota eleitoral do ex-presidente americano, seguida de graves investigações, eliminou suas chances de reeleição. Assim, a resiliência dos populismos continua a ameaçar as democracias nos dois lados do Atlântico.
Na Europa, a extrema-direita continua forte. Na Espanha, a recente vitória da direita democrática (PP – Partido Popular) não garante que venha a governar. É improvável que conte com o apoio dos socialistas de Pedro Sánchez, atualmente no poder (PSOE – Partido Socialista Espanhol), e o radical Vox já é o segundo partido do país.
Na Alemanha, a Aliança pela Democracia (AfD), de direita, ocupa atualmente o segundo lugar em nível nacional, muito próximo da maior legenda de esquerda do país, o Partido Social-Democrata (PDS).
Na Itália, Georgia Meloni, primeira-ministra desde 2022, defende a organização fascista Movimento Socialista Italiano e integra o partido de extrema-direita Irmãos de Itália.
Na França, a agenda reformista de Macron aumenta sua impopularidade, e muitas pesquisas indicam Marine Le Pen como vencedora das próximas eleições presidenciais.
A ascensão dos partidos populistas na Holanda levou à renúncia do primeiro-ministro Mark Rutte, e tanto na Suécia como na Finlândia os partidos de extrema-direita ganham força e poder.
O que explica esse crescimento da extrema-direita e as perspectivas de declínio da democracia nos países avançados?
Daron Acemoglu, em seu livro Why nations fail, faz distinção entre instituições inclusivas e instituições extrativistas. As primeiras pressupõem uma sociedade democrática e plural, liberdade de imprensa, respeito às diferenças, capacidade de questionar e fiscalizar o poder central. As segundas são marcadas por elites que expropriam a riqueza da nação em benefício próprio e ignoram o interesse coletivo. Essa distinção serve para embasar as análises a respeito do declínio das democracias no mundo que atribuem às instituições um papel central na compreensão dessa trajetória.
É quase consensual atribuir-se esse declínio democrático na Europa a dois fatores fundamentais: modesto crescimento econômico, que produz aumento da desigualdade; e elevada imigração, vista por grande parte da população como contrária à coesão social e à identidade nacional.
Apesar desse consenso básico em torno dos dois fatores – economia e imigração – algumas divergências a respeito das origens do declínio democrático merecem ser analisadas.
Um primeiro grupo de autores, como o próprio Acemoglu, Yascha Mounk (O povo contra a democracia) e Pranab Bardhan (A world of insecurity) atribuem ao desvirtuamento das instituições o papel central no enfraquecimento e declínio das democracias.
Mounk identifica uma tendência generalizada de algumas instituições, tais como o judiciário, no plano político, e o Banco Central, no plano econômico, praticarem políticas divorciadas do interesse e das preocupações da população. Por isso, a expressão “o povo contra a democracia” faz sentido, ou seja, a população começa a questionar a base da democracia representativa – as instituições.
Nessa ótica, a reforma das instituições é o caminho natural para retomar a trajetória de resgate da democracia. Isso exige uma sociedade civil engajada no processo político e comprometida com a causa democrática, condições sempre difíceis de serem alcançadas. Outro exemplo citado por Mounk é o “déficit democrático” de instituições internacionais, como a União Europeia, que muitas vezes tomam decisões contra a vontade e as aspirações da maioria da população, ou seja, sem representatividade.
Bardhan atribui ao sentimento coletivo de insegurança o desencanto com a democracia. Na sua visão, a insegurança não se limita aos riscos econômicos de desemprego e baixos salários, mas penetram no tecido social, com as ameaças derivadas da crescente imigração, que questiona as crenças e os valores básicos, ligados ao convívio social, à moralidade e à religião.
Um segundo grupo de analistas do fenômeno do declínio democrático questiona o modelo econômico prevalecente a partir de meados dos anos 1970, que tende a produzir desigualdade de renda, descontentamento social e questionamento da democracia liberal. Nesse grupo estão Martin Wolf (The crisis of democratic capitalism) eThomas Piketty (O Capital no século XXI), a serem analisados na Parte II deste artigo.
*Sergio Abreu e Lima Florêncio é colunista da Interesse Nacional, professor de história da política externa brasileira no Instituto Rio Branco, economista e foi embaixador do Brasil no México, no Equador e membro da delegação brasileira permanente em Genebra.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Sergio Abreu e Lima Florêncio é colunista da Interesse Nacional, economista, diplomata e professor de história da política externa brasileira no Instituto Rio Branco. Foi embaixador do Brasil no México, no Equador e membro da delegação brasileira permanente em Genebra.
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