Confrontação entre China e Taiwan
Governo de Pequim ensaia ações para pressionar a ilha, que busca sua independência. Cordão de isolamento com bloqueios navais legítimos poderia afetar o abastecimento de Taiwan e deixar para os EUA o ônus de qualquer ação militar
Recente estudo divulgado pelo think tank Center for Strategic and International Studies (CSIS), de Washington, DC., examinou alternativas para a China impedir a independência de Taiwan e implementar a política de Uma Única China. Pequim publicamente afirmou que impedirá a independência de Taiwan e promoverá sua inclusão no território chinês por todos os meios, inclusive, se necessário, pela força. A não condenação da invasão da Ucrânia pela Rússia pode ser um sintoma da preocupação com a possibilidade de uma intervenção armada contra a ilha. A outra opção seria um bloqueio militar da ilha.
O trabalho do CSIS explora uma terceira opção, não militar. Um cordão de isolamento que chamam de quarentena (embargo). A China poderia isolar a ilha sem dar um tiro.
Como se desenvolveria a ação chinesa? O cordão de isolamento na realidade é uma zona cinzenta, pois não se trata de um ato de guerra, como um bloqueio naval. Sua execução poderia ficar a cargo da Guarda Costeira Chinesa, formada por mais de 150 embarcações e de mais de 400 barcos de pequeno porte. A Guarda Costeira é uma agência de aplicação da legislação chinesa que controla o tráfego marítimo e aéreo. Como a China considera Taiwan parte de seu território, no mar territorial chinês poderia exercer sua atividade e inspecionar os navios que chegam a Taiwan para abastecer a ilha em uma operação de busca e apreensão.
A quarentena poderia ser parcial ou total, cortando acesso aos portos e impedindo a chegada de insumos (inclusive energia). Essa possibilidade permite uma operação de âmbito limitado, podendo focar apenas, por exemplo, o porto de maior movimento na ilha, Kaohsiung, responsável por 57% das importações e pela maior parte da importação de energia por mar.
Além disso, o embargo não obrigaria a China a fechar ou restringir o acesso ao Estreito de Taiwan, que separa a ilha do continente, preservando a liberdade de navegação em águas internacionais, o que significaria que Washington e seus aliados perderiam um de seus argumentos para intervir sob a lei internacional.
Por outro lado, China e Taiwan têm uma economia muito interconectada. Em 2023, 35% das exportações taiwanesas foram para a China continental, a maioria representada por circuitos integrados, células solares e componentes eletrônicos. As importações da China continental representam 20% do total importado pela ilha. Entre 1991 e 2022, as empresas de Taiwan investiram cerca de US$ 203 bilhões na China.
Recentemente, operação semelhante foi feita em um recife, território marítimo contestado entre a China e as Filipinas no mar do Sul da China. Embarcações da Guarda Costeira abordaram, abalroaram e dispararam canhões de água contra elas. O recife fica no meio de zona econômica exclusiva das Filipinas e centro de uma indústria pesqueira. Houve protestos do governo de Manila, mas a operação foi bem sucedida. Talvez essa primeira operação seja um treinamento para operações futuras, inclusive, como sugere o CSIS, para bloquear o acesso à ilha de Taiwan.
O Exército chines fez no mês passado, quando da posse do novo governo, exercício em que foi simulado o cerco da Ilha em larga escala, com navios e caças no que o governo de Pequim chamou de “forte punição por atos separatistas das forças independentista do novo governo”, para testar a habilidade das Forças Armadas de conjuntamente tomar o poder, lançar ataques conjuntos e “ocupar áreas críticas”.
Caso essa alternativa venha a ser empregada pelo governo chines, deixaria para os EUA a opção de iniciar uma operação militar para impedir o embargo pelo cordão de isolamento. O ônus de iniciar uma ação militar ficaria com Washington porque certamente haveria uma reação bélica de Pequim, cujas Forças Armadas viriam em apoio à Guarda Costeira. A rigor não estaria sendo iniciada uma operação militar contra a ilha, mas uma ação de inspeção prevista pelas leis internacionais.
O trabalho do CSIS é mais uma especulação sobre as pretensões da China sobre Taiwan, reforçada por acontecimentos recentes. Pode vir a ser utilizada, mas implica em riscos para a China. Por outro lado, fornecedores de energia e insumos industriais para a ilha poderão não querer arriscar a inspeção e apreensão de seus produtos pela Guarda Costeira chinesa e poderão evitar o transporte marítimo desses produtos. Um embargo desse tipo poderia demorar um ou dois meses para efetivamente afetar Taiwan e representaria um desgaste para Pequim.
A incógnita em uma operação desse tipo é a reação dos EUA e da aliança militar formada no Mar do Sul da China com o Japão, a Austrália, o Reino Unido e os EUA. A operação recente no recife no mar territorial das Filipinas pode indicar que se tratou de um treinamento para eventual utilização contra a Ilha.
Como a questão China-Taiwan vai se desdobrar é difícil de prever. Os métodos “não letais”, isto é, sem ação bélica, são claramente uma tentativa da China de evitar uma confrontação direta com os EUA.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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