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Interesse Nacional
04 julho 2024

Como foi a conferência que uniu milhares de palestinos e israelenses pela paz em Tel Aviv

Por Carla Habif* Milhares de pessoas, entre palestinos e israelenses, se reuniram em Tel Aviv na última segunda-feira em um evento público que pediu pelo retorno seguro dos reféns e o fim imediato da guerra. O evento, organizado conjuntamente por palestinos e israelenses, chamou-se Chegou a Hora: a Grande Conferência da Paz. Cerca de 50 […]

Por Carla Habif*

Milhares de pessoas, entre palestinos e israelenses, se reuniram em Tel Aviv na última segunda-feira em um evento público que pediu pelo retorno seguro dos reféns e o fim imediato da guerra.

O evento, organizado conjuntamente por palestinos e israelenses, chamou-se Chegou a Hora: a Grande Conferência da Paz. Cerca de 50 organizações participaram da coordenação do evento, entre elas a Standing Together, Breaking the Silence, Combatants for Peace, Women Wage Peace e Parents Circle Families Fórum.

Milhares de pessoas, palestinas e israelenses, estiveram presentes no encontro, que promoveu falas de israelenses que perderam familiares durante os ataques do Hamas no dia 07 de Outubro de 2023, palestinos que perderam entes queridos nos últimos meses de ataques em Gaza, familiares que ainda têm alguém próximo refém em também em Gaza e pais de soldados que morreram na guerra recentemente.

Além de pessoas enlutadas pelo conflito, falaram autores renomados, políticos e jornalistas. Artistas israelenses e palestinos realizaram performances conjuntas sobre o tema da paz.

Todo o conteúdo foi traduzido através de legendas nos telões, para o inglês, árabe e hebraico. No público diverso, centenas de pessoas utilizavam camisetas com os dizeres “tragam eles para casa agora”, referindo-se à demanda de retorno imediato dos reféns, enquanto outras utilizaram uma melancia em alguma parte da vestimenta, como símbolo de apoio à Palestina.

Impossibilitados de cruzar checkpoints, alguns representantes palestinos tiveram suas falas reproduzidas por vídeo, como foi o caso de Rula Hardal, co-diretora da organização “A Land for All – Two States, One Homeland” que vive em Ramallah. Em sua fala, Hardal afirmou que têm opiniões divergentes de ativistas judeus com quem ela estava dividindo o palco em relação a alguns temas, mas que, ao mesmo tempo, compartilha com eles algo em comum:

“Todos nós compartilhamos o mesmo espaço entre o Rio Jordão e o Mar, que nós, Palestinos e Israelenses, Judeus e Árabes, chamamos de pátria. Mas essa pátria está sangrando. Espíritos de vingança e derramamento de sangue pairam sobre ela, e se não pararmos com isso agora, estaremos todos a caminho de suicídio coletivo”.

Falar em paz em meio a uma guerra tão sangrenta pode parecer utópico, especialmente quando as autoridades políticas envolvidas se colocam fortemente contra qualquer diálogo. Porém, vale chamar a atenção para o fato de que as organizações da sociedade civil envolvidas não só na coordenação do evento em questão, mas de todo um movimento maior de mobilização conjunta palestina e israelense pelo fim da guerra, dos ataques em Gaza e pelo retorno dos reféns, possuem experiência profunda no desenvolvimento de seus projetos e na sua militância.

Neste sentido, é importante lembrar, ainda, a diversidade de movimentos civis não violentos que tiveram impacto profundo ao longo da História em seus respectivos contextos violentos e de governos coercitivos, como foi o caso das campanhas lideradas por Gandhi ao longo do movimento de independência da Índia, da Revolução do Poder Popular, nas Filipinas na década de 1980, e da Revolução Laranja na Ucrânia no ano de 2004, para citar algumas.

As autoras Erica Chenoweth e Maria Stephan, inclusive, desenvolveram um estudo acerca de diversas campanhas de resistência civil não violentas que ocorreram entre os anos 1900 e 2006. Realizando uma análise sobre sua pesquisa na obra Why Civil Resistance Works, Chenoweth e Stephan concluem que estes movimentos têm, na realidade, mais chances de obterem resultados bem sucedidos do que campanhas violentas, analisando a ampla participação popular que estes movimentos permitem como um dos fatores centrais para esse dado.

Conversas e acordos de paz não são simples entre indivíduos e organizações palestinas e israelenses. Temas complexos estão em pauta, como o luto, raiva, sentimento de vingança, medo. Pessoas dos dois lados entendem que falar de paz é falar sobre abrir mão de questões importantes e desafiadoras, começando pela aceitação da existência legítima um do outro na região e o fim da ocupação militar na Palestina. Mas entendem que esse caminho, por mais complexo que seja, é a melhor alternativa – talvez a única possível – em relação ao prolongado ciclo de violência na região.

O que estamos vendo através destas organizações, e de manifestações como este evento é que, na falta de ação política que direcione para algum caminho, civis estão tomando as conversações de paz e de reconciliação em suas próprias mãos.

Em entrevista à +972 Magazine, Maoz Inon e Aziz Abu Sarah, dois dos criadores do evento, relataram que o encontro é parte de um movimento maior, marcando o início de um processo de paz que está sendo desenvolvido e colocado em prática pela sociedade. Foi, inclusive, com a intenção de construir legitimidade que o evento aconteceu em um auditório em Tel Aviv, e não nas ruas.

Inon e Abu Sarah perderam parentes próximos como resultado do ciclo de violência. A mãe e o pai de Inon foram assassinados no dia 07 de Outubro por membros do Hamas, no sul de Israel e o Abu Sarah perdeu seu irmão quando tinha 9 anos. Ele faleceu em decorrência de ferimentos, após ser torturado em uma prisão israelense. Os dois se conheceram quando Abu Sarah escreveu para Inon para expressar suas condolências após a morte de seus pais. Desde então, ambos têm levado a cabo, pessoal e conjuntamente, campanhas públicas em oposição à vingança e a favor da reconciliação.

O historiador e autor Yuval Noah Harari, que também esteve presente no evento, realizou o discurso principal. Nele, Harari declarou:

“A todo momento nós podemos começar a fazer a paz. Certo, nós já tentamos fazer a paz e não fomos bons nisso. E daí? Nós também não somos bem sucedidos em fazer guerra e isso não nos impede de tentar de novo e de novo. Todas as guerras nos levaram para o abismo. Chegou a hora de tentar fazer a paz de novo”.


*Carla Habif é doutora em relações internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

Leia o artigo original.

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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