A trajetória de relações diplomáticas entre Brasil e China, que completam cinco décadas
O historiador Marcos Cordeiro Pires relata as etapas da construção do relacionamento com o país asiático, que ano passado adquiriu mais de US$ 100 bilhões em produtos brasileiros. Aproximação é fruto de abordagem mais pragmática na política externa adotada pelo nosso governo ainda no período do regime militar, na qual interesses comuns tendem a falar mais alto do que questões ideológicas
Por Isadora de Sousa
Em 15 de agosto de 1974, após um período de 25 anos de desconfianças, incidentes e resistências, o Brasil e a República Popular da China estabeleciam, oficialmente, os primeiros canais diplomáticos entre os respectivos países. À época, a iniciativa foi recebida com grande surpresa, tanto interna quanto externamente. Afinal, o presidente Ernesto Geisel era o quarto governante do período do regime militar, e estava ideologicamente situado no polo oposto ao do Partido Comunista Chinês que dirigia a grande potência asiática.
O Brasil, porém, inaugurava um novo momento em sua abordagem das relações internacionais, atuando de forma pragmática no sentido de seus interesses. Já a China lutava para escapar do isolamento comercial, diplomático e político a que fora relegada desde que uma revolução popular derrubou a antiga república chinesa. Dificilmente, naqueles dias, qualquer pessoa, em ambos os países, poderia imaginar que meio século depois a China seria o maior parceiro comercial do Brasil. Em 2023, por exemplo, as exportações do Brasil para a China ultrapassaram os US$ 100 bilhões, a primeira vez em que nosso país vendeu tanto para outra nação.
Os 50 anos de relações entre os dois países são abordados na nova edição do Prato do Dia, o podcast da assessoria de imprensa da Unesp. Para falar sobre o tema, o programa recebe como convidado o historiador Marcos Cordeiro Pires, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas. Marcos Cordeiro é especialista em história da economia e se interessa pela nação oriental desde o início dos anos 2000, quando o visitou pela primeira vez. Desde então, já foram outras 13 viagens.
Cordeiro explica que a intensificação das relações entre as duas nações está ligada às movimentações mais amplas da economia global, que promoveram um deslocamento das cadeias produtivas internacionais para a Ásia. Esse processo tem resultado em um impulsionamento das economias dos países do sul e sudeste asiático a partir dos anos 1990.
“Nesse período, o Brasil passa por um processo de desindustrialização, e se especializar na produção e exportação de commodities. A China, ao experimentar um crescimento muito grande da sua produção industrial, expandiu sua demanda por matérias-primas como petróleo ou minério de ferro, que o Brasil é capaz de exportar em grandes quantidades”, diz.
“Por outro lado, há a melhoria da renda per capita do chinês e a melhoria da sua dieta, o que implica a inclusão de mais proteína animal. O Brasil contribuiu para isso de duas maneiras: vendendo soja em grandes quantidades para fazer ração para alimentar galinha e porco na China e também exportando produtos como açúcar, carne de frango, carne de porco e, mais recentemente, carne bovina. E essa é uma demanda crescente”, diz.
Há 20 anos, o governo Lula deu um passo importante ao instituir a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban). Para o docente da Unesp, essa medida foi estratégica para fortalecer a cooperação bilateral, diversificar as relações internacionais do Brasil e explorar novas oportunidades de mercado. “É um fórum extremamente importante de coordenação que, infelizmente, não temos, por exemplo, com a União Europeia, um parceiro significativo para o Brasil, ou com outras potências como o Japão”, diz Cordeiro. Já no século 21, a relação entre ambos pareceu a incluir também o contexto dos BRICS, o bloco de potências emergentes que é integrado por ambos.
Mesmo com o ótimo momento em que vivem as trocas comerciais entre os países, o Brasil acredita que há espaço para construir condições menos assimétrica. O governo brasileiro quer ir além do modelo tradicional de exportação de commodities e buscar meios para fortalecer a base industrial do país. “Podemos considerar um avanço que, quando uma empresa norte-americana como a Ford deixa o Brasil, uma empresa chinesa adquire a planta e começa a desenvolver, produzir e criar uma cadeia de valor para esse tipo de veículo”, diz. “Sabemos que, historicamente, esse modelo de exportação baseado em commodities faz com que continuemos sendo um país muito desigual”, diz. Para ouvir a íntegra o Prato do Dia sobre os 50 anos do início das relações diplomáticas entre Brasil e China com o professor Marcos Cordeiro Pires, é possível acessar o podcast na sua plataforma de áudio favorita ou ouvi-lo no player abaixo.
Este texto é uma reprodução livre de artigo publicado pelo Jornal da Unesp - https://jornal.unesp.br/
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