23 outubro 2024

O quanto se pode confiar nas pesquisas de intenção de voto próximo dos dias de eleição?

A pulverização de institutos e de erros é um dos principais fatores que influenciam negativamente a credibilidade das pesquisas. Junto com empresas sérias, existem aquelas que atuam sem rigor metodológico, muitas vezes vinculadas a interesses econômicos, e as pesquisas encomendadas por partidos e candidatos, sem isenção ou autonomia

Por Beto Vasques

A maior cidade de São Paulo viveu nas últimas semanas – e seguirá vivendo, com a confirmação de que haverá segundo turno nas eleições para prefeito – uma das campanhas eleitorais mais bizarras e sofríveis da sua história.

Na esteira dos negacionismos que se instalaram no país nos últimos anos, em especial o negacionismo científico, a desconfiança com as pesquisas eleitorais e com os institutos responsáveis por elas se amplificaram este ano.

São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, é uma vitrine de novos comportamentos e tendências. O que acontece nela, de bom e de ruim, costuma ter reflexos em todo país.

Nesse sentido, tomou forma uma angústia real, honesta e crescente de parte do eleitorado que acompanha o noticiário diante da multiplicação de pesquisas, dados e variações estatísticas.

Em um breve panorama, no dia 30 de setembro – seis dias antes da votação de ontem – o Instituto Atlas Intel indicava Boulos com 29,4%, Marçal com 25,4% e Nunes com 22,9%. Já a Paraná Pesquisas apontava Ricardo Nunes (MDB) com 27%, Guilherme Boulos (PSOL) com 25% e Pablo Marçal (PRTB) com 22,5%. De acordo com a Quaest, divulgada pela Rede Globo naquele mesmo dia, Nunes tinha 24%, Boulos tinha 23% e Marçal, 21%. Outra pesquisa, da Real Time Big Data (Rede Record), de 2 de outubro, apontava Boulos com 26%, Nunes com 25% e Marçal com 25%. E o Instituto Ideia, na mesma data, dava Nunes com 26%, Boulos com 25% e Marçal com 22%.

Todas as empresas de pesquisa consideram variações de 2 a 3 pontos percentuais para mais ou para menos. Por sua vez, o Jornal O Globo, em seu “agregador” de pesquisas em parceria com o Instituto Locomotiva, registrava: Nunes 25,4%, Boulos 24,8% e Marçal 22%.

Para aumentar a confusão, em 27 de setembro, o Instituto Veritá indicava dados discrepantes, apontando 31,8% para Marçal, 23,3% para Boulos e 20,1% para Nunes. Discrepante também, em 1 de outubro, o Instituto Futura/100% Cidades apontava Nunes com 26,9%, Marçal, 26,8% e Boulos, 20,1%. E na tarde do último dia 3, o Instituto DataFolha registrava Boulos com 26%, Nunes e Marçal com 24% e Tabata com 11%.

Acompanhando os movimentos desse mercado, vemos pesquisas que inicialmente trazem dados muito estapafúrdios e, já na véspera das eleições, “corrigem” seus números e mostram dados mais próximos das outras pesquisas. Com isso, evitam que se diga que erraram. Mas, diferentemente da calibragem que ocorre dentro das margens de erro, não se pode descartar sua utilização como uma manobra para pautar a eleição. Outros institutos, com resultados completamente extravagantes, para se dizer o mínimo, parecem deliberadamente atuar para confundir e induzir o eleitor em favor de seus interesses, sem respaldo na realidade.

Multiplicação de institutos e credibilidade

A pulverização de institutos e de erros é um dos principais fatores que influenciam negativamente a credibilidade das pesquisas. Junto com empresas sérias, existem aquelas que atuam sem rigor metodológico, muitas vezes vinculadas a interesses econômicos, e as pesquisas encomendadas por partidos e candidatos, sem isenção ou autonomia.

Apesar de setores políticos, tanto no Brasil quanto no mundo, estarem empenhados em desacreditar as pesquisas com viés negacionista, é essencial recuperar o valor dessa ferramenta. O objetivo primordial das pesquisas é entender a opinião pública e o comportamento do eleitorado com metodologias científicas para definir amostragens e analisar informações obtidas.

As pesquisas são uma fotografia do momento e, quando analisadas ao longo de um período, um filme. No entanto, não deveriam ser, embora isso ocorra, vistas como prognósticos. Elas também são utilizadas por partidos e representantes eleitos para avaliar e trabalhar sua imagem durante o mandato mas, infelizmente, raramente utilizadas para orientar políticas públicas.

Porém, os justos não podem pagar pelos pecadores. O mercado tem empresas conceituadas, que utilizam metodologias auditáveis e buscam soluções para os desafios da contemporaneidade, como um cenário político cada vez mais dinâmico e a maior probabilidade de variações de voto mais próximas da votação.

Hoje, o eleitor tem maior liberdade para mudar sua decisão mais perto da urna. Antes das redes sociais, as pessoas precisavam de semanas para acessar à informação e decidir. Agora, com o celular na mão, o eleitor pode fazer uma pesquisa minutos antes de sair de casa e mudar de ideia pouco antes de votar. Ou, também em um par de minutos, optar por justificar seu voto via aplicativo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O resultado das urnas também envolve variáveis que as pesquisas não conseguem captar com precisão por se tratar de inferência de comportamentos futuros dos cidadãos. Exemplos disso são o percentual de abstenção, que é assimétrico em diferentes setores da sociedade e difícil de mensurar, e o percentual de votos nulos (que respondem muitas vezes a erros na hora de votação).

Os institutos podem buscar formas de inferir esses resultados. Pode-se medir a abstenção média em cada região (ou mesmo por zona eleitoral), por faixas etárias (a partir dos 65 anos, quando o voto não é mais obrigatório, a abstenção cresce de forma exponencial a cada 5 anos). A escolaridade (por exemplo, a histórica altíssima abstenção entre analfabetos) e a renda também costumam apontar tendências.

Por fim, os questionários de pesquisa podem perguntar sobre a disposição do entrevistado de sair a votar no dia da eleição ou se o entrevistado votou nas eleições passadas.

Essas informações trazem importantes indicadores para os institutos elaborarem seus modelos de “likely voter”, ou seja, fórmulas matemáticas para calcular valores ajustados na intenção de voto e se aproximar do resultado real do dia da votação.

Outro elemento, conhecido recentemente como “viés de não respondente”, aponta para eleitores que não confiam em institutos de pesquisa, julgam seus resultados manipulados, e preferem não serem entrevistados. Normalmente se trata de grupos mais conspiratórios e negacionistas, que podem não responder a entrevistas com humanos, mas às vezes aceitam questionários online de autopreenchimento, podendo justificar certo viés entre metodologias de coleta distintas.

Especialistas apontam outra variável que pode incidir sobre o comportamento do eleitor, mas dificilmente é identificada nas pesquisas: o voto oculto ou envergonhado. Ou, a sua variável em positivo: o voto entusiasmado ou de onda. Mais elementos antagônicos são o voto no “cavalo ganhador” e seu oposto, o voto no “azarão” ou underdog. O peso desses pares de forças opostas sobre o comportamento do eleitor entre as últimas pesquisas e o resultado da urna também é de complexa captação.

A influência dos resultados

A divulgação dos resultados das pesquisas pode ainda intensificar o pragmatismo e a racionalidade do eleitor, que pode votar em um candidato para evitar que outro chegue ao segundo turno.

Na semana retrasada, pesquisa do Laboratório de Opinião Pública da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), que coordeno, apurou que para cada dois votos dados ao candidato que se quer, uma pessoa escolhe seu candidato para evitar a ida de outro para o segundo turno. Daí mais uma variável que pode mudar o resultado no momento do voto.

No Brasil, nas últimas quatro eleições, houve um processo forte de antecipação do voto útil no final do primeiro turno. É algo que está se consolidando: o eleitor do candidato de segundo pelotão já aposta em nomes do primeiro pelotão para garantir seu voto.

Por fim, como o cidadão pode identificar se uma pesquisa é confiável? Em nossa sociedade, que enfrenta uma crise evidente de mediadores, o primeiro indicador importante é a credibilidade da instituição que realiza a pesquisa, assim como no jornalismo.

Importante lembrar que as pesquisas, mesmo conduzidas com rigor metodológico, podem falhar em captar com precisão o comportamento do eleitorado. O ambiente político e social é dinâmico e, muitas vezes, imprevisível, especialmente nas semanas que antecedem as eleições. No entanto, se forem feitas com ética e transparência, as pesquisas são, potencialmente, uma ferramenta valiosa para entender a opinião pública e auxiliar eleitores, candidatos e partidos na tomada de decisões.


Beto Vasques, Diretor de Relações Institucionais do Instituto Democracia em Xeque e professor de Comunicação Política da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

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