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Interesse Nacional
11 janeiro 2022

A inteligência artificial e a defesa nacional

            Quem quer se torne o Número Um na Inteligência Artificial (IA) será o líder do mundo (ruler of the world), previu, em 2017, o presidente da Rússia, Wladimir Putin. China e EUA estão hoje bem à frente do desenvolvimento da tecnologia cognitiva.

            Como todo avanço e inovação tecnológica, a IA pode ser utilizada para projetos voltados para o bem, mas também para o mal. Apresentam muitos aspectos positivos, mas também negativos. Pelo potencial de risco de sua utilização, não deixa de ser surpreendente que até aqui a incorporação da IA na indústria bélica tenha sido tão pouco discutida.

Na edição de janeiro, a revista Interesse Nacional (www.interessenacional.com.br ) traz dois artigos, de Dora Kaufman e Marcelo Tostes, que resumem as tratativas internacionais para regulamentar o “sistema de inteligência artificial, que pode ser entendido como um sistema baseado em máquina, projetado para operar com vários níveis de autonomia, e que pode também, para um determinado conjunto de objetivos definidos pelo ser humano, fazer previsões, recomendações ou tomar decisões que influenciam ambientes reais ou virtuais”, na definição da OCDE. A UNESCO (a Ética na IA), a União Europeia (IA Act), os EUA (FDA e Senado, com Projeto de Lei sobre Responsabilização Algorítmica) e a Administração da Cibernética Espacial, na China, apresentaram propostas que tratam de diversos aspectos desse sistema. Acrescento que o governo brasileiro divulgou, em 2021, a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial – EBIA, com fortes críticas por parte de especialistas por suas limitações técnicas e políticas. A Câmara dos Deputados aprovou, no ano passado, o Projeto de Lei 21/2020, que propõe a criação de uma base legislativa geral e vinculante para regular os sistemas de inteligência artificial no país.

 No campo militar, a IA representa o maior salto tecnológico qualitativo, desde o aparecimento da energia nuclear e da produção de armas nucleares, com a diferença do desenvolvimento e aplicação da IA ser substancialmente menos custoso e potencialmente mais fácil de ser empregado, inclusive por terroristas e por Estados Párias (Rogue States). A OTAN está desenvolvendo novas formas de guerra cognitiva, usando supostas ameaças da China e da Rússia para justificar travar batalha pelo cérebro, no domínio humano, para fazer de todos uma arma. Será a militarização da ciência do cérebro que envolve “hackear o individuo, explorando as vulnerabilidades do cérebro humano para implementar uma engenharia social mais sofisticada”. Apesar de as autoridades militares da China, Alemanha, Rússia, Estados Unidos e diversos outros países terem anunciado, há algum tempo, que a criação de sistemas de combate integralmente autônomos não era seu objetivo, tais sistemas provavelmente já devem ter sido criados. Na percepção militar, apenas sistemas de combate com IA poderão, no caso de guerras, penetrar em áreas fechadas e operar com uma relativa liberdade.           

A regulamentação da utilização da IA para fins militares, contudo, começou a ser discutida no âmbito das Nações Unidas, mas encontra resistência por parte das principais potências que procuram ganhar tempo para obter vantagens, antes da negociação de acordos que coloquem limites e cautelas ao seu uso. Como, aliás, foi o que aconteceu com as armas nucleares, cujo tratado de não proliferação só se materializou quando finalmente as potências nucleares deram seu assentimento.

O problema que desafia os organismos multilaterais é como controlar os “sistemas de armas autônomas letais” (Laws, na sigla em inglês), representados por qualquer plataforma móvel: drônes, androides, aviões que voam sozinhos. A IA pode substituir os recursos humanos em tudo, desde armas operacionais para coleta e análise de inteligência, sistemas de alerta antecipado, e de comando e controle. A utilização de drônes para fins militares (robôs assassinos) já está muito difundida e a guerra antissatélite vem esquentando.

A disputa entre os EUA e a China pela hegemonia global no século XXI passa pela corrida tecnológica em todos os segmentos, inclusive na utilização da IA para fins militares, com impactos que vão alterar a correlação de forças no mundo. Os EUA contam com seus aliados europeus na OTAN e a China com seus parceiros, inclusive a Rússia.

As rápidas transformações que ocorrem em decorrência desses avanços tecnológicos trarão impactos importantes sobre países, como o Brasil. Do ângulo da Politica Nacional de Defesa e da Estratégia Nacional de Defesa, se o Brasil não dispuser de capacidade tecnológica para utilizar o sistema de inteligência artificial estará em grande desvantagem em seu poder de dissuasão, caso tenha de enfrentar qualquer ameaça para a defesa de seus interesses, seja em seu território, seja na sua extensão marítima. Urge, pois, a expansão da capacidade de criação e de desenvolvimento para a utilização da IA pelo Ministério da Defesa. Nesse sentido, o Centro de Defesa Cibernética, no âmbito do Exército, deveria ser fortalecido com recursos humanos e financeiros para, com o apoio da base industrial de defesa, gerar produtos, inclusive de uso dual para o mercado doméstico e para exportação.   

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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