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Interesse Nacional
01 agosto 2014

Dilma se Afasta do Itamaraty, e Brasil Perde Espaço no Mundo

O Brasil teve, ao longo de 16 anos con secutivos, presidentes da República com gosto por política externa e com – visões claras e determinadas para o país no cenário mundial. Cada um a seu modo e ambos sujeitos a críticas, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva conduziram as rela- ções internacionais do Brasil dentro dos cânones do Itamaraty, que perduram há mais de um século, e foram capazes, graças às suas características individuais e à ousadia de suas propostas, de elevar a projeção geopolítica do país a patamares sem precedentes. Quando Dilma Rousseff assumiu a Presidência, seu desafio nesta área estava certamente entre os maiores que enfrentou. Em especial porque seu antecessor imediato vinha, nos anos finais de seu mandato, dedicando-se a movimentos desmesuradamente pretensiosos, talvez pelo excesso de confiança derivado da posição extraordinária em que a crise econômica de 2008 colocou as principais nações emergentes (Brasil entre elas) no contexto global diante das grandes potências tradicionais, fragilizadas ao menos temporariamente. O episódio da mediação turco-brasileira para o programa nuclear iraniano e o oferecimento do país para tentar resolver o conflito entre Israel e Palestina são exemplos da ambição do presidente Lula, que muitas vezes não encontrava sustentação nas condições reais do país para concretizar suas pretensões. Diante do conjunto amplo de ações, algumas espalhafatosas, realizadas por Lula na polí- tica externa, Dilma certamente teria dificuldades para criar uma agenda internacional própria e relevante, uma vez que o predecessor parecia já ter se disposto a ocupar quase todos os espa- ços imagináveis. Mas, duas possíveis abordagens pareceriam naturais, a partir da sua biografia. O fato de ela ter sido presa e torturada durante a ditadura brasileira era uma provável indicação de que a defesa dos direitos humanos pudesse vir a ser sua marca registrada nos fóruns mundiais; a fama de técnica e gerente eficaz talvez desse a entender que sua diplomacia seria prioritariamente econômica. Entretanto, embora no início de seu mandato ela realmente tivesse emitido sinais de que estes temas seriam suas prioridades internacionais e apesar de a reação a esses sinais ter sido basicamente positiva tanto na opinião pública brasileira quanto na mundial, o fato é que ao longo dos anos as iniciativas que ela tomou foram perdendo fôlego, com sucessivas demonstrações de que a presidente não tem grande interesse pelos assuntos mundiais e de que ela não tem paciência nem admiração pela atividade diplomática. Após 16 anos de exercício intensivo da diplomacia presidencial, o país se vê com uma agenda externa enfraquecida, com presença limitada nos principais fóruns mundiais, incapaz de exercer sua liderança natural na região da América do Sul, que está dividida como raramente esteve, e tem sido frequentemente omisso em diversos momentos de crises internacionais. Direitos humanos Antes mesmo de assumir a Presidência, Dil ma Rousseff fez declarações públicas sobre – a iraniana Sakineh Ashtani, condenada à morte por apedrejamento por suspeita de adultério, que deram a impressão de que ela poderia se tornar uma líder relevante no mundo nos debates sobre direitos humanos. O subsequente esfriamento das relações com o Irã, calorosas no segundo mandato de Lula (em especial após o brasileiro ter-se referido às denúncias de fraude na eleição de Mahmoud Ahmadinejad para a Presidência do Irã em 2009, como protestos de torcedores de um time derrotado e comparou o pleito a um Fla-Flu), parecia confirmar essa possibilidade, ainda mais depois de, em janeiro de 2012, Ahmadinejad ter excluído o Brasil de seu périplo latino-americano e seu porta-voz ter criticado Dilma e lamentado a falta de Lula à frente do governo brasileiro. O Brasil chegou a votar em 2011 na ONU a favor de resolução que criou a relatoria especial para o Irã, ao contrário de seu histórico anterior de contínuas abstenções em decisões similares ao longo do século XXI. No discurso que fez em abril de 2011 aos formandos da turma de 2010 do Instituto Rio Branco, em outro exemplo de que esta poderia vir a ser uma característica marcante de sua administração, ela afirmou que o tema dos direitos humanos seria promovido e defendido “em todas as instâncias internacionais sem concessões, sem discriminações e sem seletividade”. Na medida em que seu governo progredia, no entanto, Dilma deixou de lado a ênfase nos direitos humanos de seus primeiros pronunciamentos públicos, em especial quando o assunto dizia respeito a regimes com os quais ela e seu partido têm relações ideológicas históricas, como Cuba, que ela visitou em 2012, poucas semanas depois de o dissidente Wilman Villar ter morrido após uma greve de fome, sem que nem este nem outros fatos relevantes de violação de direitos humanos na ilha na época de sua viagem a Havana (como o impedimento para a jornalista Yoani Sánchez sair de Cuba para o Brasil, que lhe havia concedido visto de entrada) fossem mencionados, ao menos publicamente, pela presidente. Ou como a Venezuela, onde diversos abusos contra as liberdades civis e políticas foram cometidos pelo governo Maduro ao longo de 2013 e 2014 sem que o de Dilma se manifestasse, exceto em fóruns oficiais coletivos para facilitar (sem grande sucesso) o diálogo com as oposi- ções venezuelanas, como o da Unasul, ou possivelmente em negociações privadas. Em resposta a críticas sobre a omissão brasileira em crises humanitárias como as de Venezuela e Síria, a administração Dilma com frequência, a exemplo do que fazia a de Lula, recorreu ao argumento de que a atividade brasileira nos bastidores produziria mais resultados positivos do que admoestações prescritivas em público, o que pode ser verdade em muitas situações. Mas, o fato é que, pelo menos no caso da Venezuela, esse trabalho privado não parece estar surtindo efeito. Além disso, há situações em que problemas com direitos humanos se desenrolam necessariamente às claras e houve ocasiões deste tipo em que o desempenho do governo Dilma deixou nitidamente a desejar, como no do senador boliviano Roger Pinto Molina. Em maio de 2012, dizendo-se ser vítima de perseguição política, o senador de oposição ao governo de Evo Morales pediu asilo ao Brasil, e Dilma o concedeu, após ouvir opinião favorável do Itamaraty, conforme as tradições da diplomacia brasileira. No entanto, a Bolívia se recusou a dar salvo-conduto para permitir a ida do senador para o Brasil, em contraste com o que fizeram algumas das piores ditaduras latino-americanas, como a de Pinochet, no Chile, que em geral respeitavam a decisão de países amigos darem asilo a seus adversários políticos, e em flagrante desrespeito à Convenção de Caracas sobre Asilo Di- plomático, de 1954, que determina que a concessão de salvo-conduto tem de ser imediata. O Brasil não apenas acatou sem reação expressiva a negativa boliviana em conceder salvo- -conduto a uma pessoa a quem concedera asilo político, mas também aturou diversas represálias pouco veladas de La Paz, como o tratamento degradante dado a torcedores do Corinthians no caso da morte de um rapaz em jogo do time pela Copa Libertadores da América e pressões para piorar ainda mais as condições de vida do senador Pinto Molina em sua embaixada. Incidente especialmente simbólico do nível de concessões a que o governo brasileiro tem se disposto a fazer ao boliviano em referência a este caso, foi a inspeção a que foi submetido o avião oficial do ministro da Defesa, Celso Amorim, antes de deixar a Bolívia, sem que nem ele nem nenhuma autoridade brasileira protestassem vigorosamente (como caberia) antes, durante ou depois da inusitada atitude, raríssima entre nações amigas. Pinto Molina passou 455 dias numa sala da embaixada brasileira, sem direitos assegurados a quase todos os prisioneiros no mundo ocidental, como os de tomar banhos de sol periódicos e de receber visitas íntimas. Nesse período, o governo bra

sileiro chegou a lhe sugerir que renunciasse ao direito de asilo em troca de o Brasil o levar para um terceiro país (Uruguai, Venezuela ou Nicarágua), uma proposta absolutamente inusitada para a diplomacia brasileira, a qual o senador recusou enfaticamente, tendo dito que preferiria morrer. A deterioração das condições físicas e emocionais do senador era clara. Discordâncias entre o MRE e o Planalto Em agosto de 2013, o diplomata brasileiro Eduardo Saboia resolveu, por sua conta e risco, tirar Pinto Molina da Bolívia e levá-lo clandestinamente ao Brasil, o que instou Dilma a demitir seu chanceler, Antonio Patriota, congelar a carreira de Marcel Biato, então embaixador na Bolívia, e punir Eduardo Saboia. O episódio, ainda não encerrado, já que o senador não está formalmente refugiado no Brasil e a comissão do Itamaraty encarregada de avaliar a atitude de Saboia ainda não concluiu seus trabalhos, seguramente enfraquece a instituição do asilo político, uma das mais respeitáveis e veneradas da diplomacia mundial – e especificamente da diplomacia brasileira –, e um dos bastiões do respeito aos direitos humanos. Vale registrar que pouco antes de Pinto Molina chegar a Corumbá levado por Saboia, a Unasul, entidade à qual o governo brasileiro dá máxima importância, havia aprovado o direito universal a asilo e explicitado que nenhum país poderia impedir o asilado de transitar até o país que o acolhe. A demissão do ministro Patriota devido a esse caso foi o fato que deixou mais patente o grau de discordâncias a que haviam chegado o Itamaraty e o Planalto. Sua indicação para o cargo de ministro das Relações Exteriores em 2011, por sinal, havia sido interpretada como um dos indícios de que Dilma Rousseff iria procurar desenvolver um itinerário mais centrista e menos ideológico do que o de seu predecessor para as relações internacionais do Brasil. Patriota é considerado pela maioria dos seus pares e dos especialistas em política externa brasileira como exemplo rematado do profissionalismo do Itamaraty, que provoca admiração internacional pela sua eficiência. Efetivamente, ele e seu secretário-geral Ruy Nogueira, adotaram atitudes que contrastaram com o caráter mais doutrinário que caracterizou a gestão do ministro Celso Amorim e seu secretário-geral, Samuel Pinheiro Guimarães. Com isso, Patriota e Nogueira foram capazes de atenuar, com estilo discreto e conciliador, muitas divisões que haviam sido criadas no Itamaraty nos oito anos anteriores. Mas, no campo das políticas públicas e do comportamento externo do Itamaraty, muito poucas iniciativas de Patriota prosperaram, provavelmente, em grande parte, pela falta de empatia entre o ministro e a presidente (e a Presidência é, sem dúvidas, a instância que define os rumos da política externa do país) e pela inapetên- cia de Dilma em relação aos temas internacionais. Essas duas características da presidente foram ficando claríssimas até o desfecho que resultou na demissão de Patriota, substituído por outro diplomata profissional e sóbrio, Luiz Alberto Figueiredo Machado, que parece gozar de mais confiança da presidente que seu antecessor, e colocou na Secretaria-Geral um colega igualmente capaz e isento, Eduardo dos Santos. Essas medidas asseguram um clima de confiança interna capaz de minimizar os muitos problemas que a baixa prioridade do Itamaraty na agenda presidencial pode causar. Responsabilidade ao proteger Se pode ser correta a tese de que às vezes a defesa dos direitos humanos feita por meio de conversações reservadas é mais eficaz do que de admoestações públicas, também é verdade que países têm condições de tomar iniciativas férteis em fóruns adequados, as quais podem resultar em medidas muito impactantes na defesa dos direitos humanos, de modo sistemático e perene. O exemplo mais expressivo de como o governo Dilma deixou passar, no campo da diplomacia clássica, oportunidades de se projetar como líder relevante na área de direitos humanos foi sua falta de empenho em liderar o processo de dissemina- ção de um conceito novo, que ela mesma lançou em seu primeiro discurso à Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011, o da “responsabilidade ao proteger”. O tema tentou dar conta das contradições entre a necessidade de a comunidade internacional fazer eventuais intervenções armadas em alguns países em casos inegáveis de abusos contra seus próprios cidadãos civis cometidos por governos opressores, como o genocídio em Ruanda e o massacre de Srebrenica. Tais situações deram margem às assim chamadas “intervenções humanitárias”, as quais, no entanto, com frequência, funcionaram como pretexto para ações de grandes potências contra Estados frágeis com propósitos muitas vezes de política interna dos interventores ou de geração de negócios para suas empresas na reconstrução de nações destroçadas ou por guerras civis ou pelas próprias intervenções militares. Após a guerra do Kosovo, numa tentativa de criar parâmetros menos subjetivos para a defini- ção de quando Estados poderiam ter o direito de intervir em outros países para tentar atenuar ou solucionar tragédias humanitárias, começou-se a esboçar o princípio da “responsabilidade de proteger”, adotado pela ONU em 2005. Este também foi considerado por muitos observadores como excessivamente fluido e, ainda, incapaz de evitar ações pouco orientadas por princípios efetivamente justificáveis do ponto de vista ético, como se observou no caso da intervenção militar da Otan na Líbia, em 2011. Por isso, quando o Brasil propôs a alternativa da “responsabilidade ao proteger”, que enfatiza estabelecimento de critérios mais objetivos e de transparência, além da responsabilização pelo Conselho de Segurança dos autores de eventuais excessos durante o empreendimento das ações militares, a iniciativa foi saudada por setores expressivos da comunidade internacional como digna de apoio. Além disso, com ela, o país se apresentava como propositor normativo, papel em geral desempenhado apenas pelas grandes potências mundiais, o que sem dúvida elevou seu perfil na comunidade internacional. Evidentemente, a proposta brasileira enfrentou resistência de atores importantes do cenário geopolítico mundial, inclusive (e principalmente) dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Mas, foi recebida com simpatia ou solidariedade explícita por outros personagens relevantes, entre eles alguns governos (como os da Alemanha, Turquia, África do Sul, Índia) e muitas ONGs, além de comentaristas influentes na mídia internacional. Embora o governo brasileiro não tenha dado a ênfase que poderia para fazer avançar a discussão do conceito com vistas a uma eventual adoção pela ONU, no âmbito acadêmico e de organizações não governamentais, a tese continua sendo discutida e tem angariado apoio, que poderia ser bem mais intenso se o Estado brasileiro demonstrasse mais interesse em promovê-lo. O Brasil chegou a apresentar formalmente ao Conselho de Segurança da ONU projeto para transformar a tese da “responsabilidade ao proteger” em conceito operacional. Embora as chances de aprovação fossem realisticamente pequenas, houve considerável apoio para o Brasil persistir na sua defesa. No entanto, o governo Dilma parece tê-la abandonado, como fez com outros promissores caminhos que estava trilhando no campo da política externa, sem prestar contas à sociedade brasileira das razões que a levaram a adotar tal atitude. Diplomacia econômica No primeiro ano de seu governo, a presidente deu indícios, a exemplo do que fez com relação aos direitos humanos, de que a segunda possível ênfase temática previsível para a sua diplomacia, a econômica, seria uma das bandeiras da política externa de sua gestão. Por exemplo, na visita do presidente Barack Obama a Brasília, em 2011, suas iniciativas de diálogo com o colega americano centraram-se em projetos econômicos concretos, como a proposta de um programa de incentivo ao biocombustível para aviação, na argumentação pelo fim da aplic

ação de sobretaxas ao etanol brasileiro importado pelos EUA (o que acabou acontecendo, tendo sido este um dos sintomas da boa rela- ção que os dois presidentes indicavam estar construindo então) e em discussões sobre como lidar com a crise financeira (com ataques à polí- tica monetária das grandes potências), sobre a inserção do Brasil no G-20 e sobre reformas em instituições multilaterais, como o FMI e o Bird. Ao lidar com temas econômicos, desde o iní- cio, a presidente já demonstrava também seu pouco apreço pelo Itamaraty, ao dividir mais e mais as responsabilidades pela definição de políticas e pela condução de negociações internacionais com outros atores, como os ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Nesse contexto, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, acabou ganhando proeminência com suas constantes acusações contra EUA e China por, em sua opinião, manterem suas moedas artificialmente desvalorizadas, e, talvez por isso, ela tenha cogitado propor que a OMC tivesse poder para controlar as políticas cambiais de seus países membros, medida extremamente inviável. Quando ocorreu uma das principais vitórias do Brasil na área externa em seu governo, a elei- ção de Roberto Azevêdo para a direção-geral da Organização Mundial do Comércio, Dilma deu pouco crédito ao trabalho desempenhado pelos diplomatas brasileiros para obtê-la, reivindicando para a Presidência, e para o prestígio e o peso inatos do país, a maior parte dos louros pela vitória. Outro importante posto de organização multilateral obtido pelo Brasil durante o governo Dilma foi o de diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para José Graziano da Silva, em 2011, fato particularmente relevante para a presidente por ter sido esse um reconhecimento internacional a políticas públicas especificamente defendidas por seu antecessor e padrinho político, o ex- -presidente Lula. Com o passar dos anos, o entusiasmo de Dilma pela diplomacia econômica também arrefeceu e nada de muito marcante foi obtido tampouco nessa área em seu primeiro mandato. Em grande parte, porque o papel de protagonismo que os pa- íses emergentes haviam desempenhado no auge da crise financeira internacional se desvaneceu devido à recuperação parcial das potências tradicionais e à desaceleração econômica dos próprios emergentes – a começar pela China, um dos principais fatores do crescimento extraordinário do Brasil nos anos finais do governo Lula. Ela ainda parece manter um pouco mais de gosto para lidar com os temas econômicos internacionais do que com os políticos, no fórum dos Brics, por exemplo, ao qual ela dá importância, a ponto de pagar um alto custo de imagem com a omissão brasileira no episódio da anexação da Crimeia pela Rússia para não desagradar o cole- ga Vladimir Putin e garantir sua presença na pró- xima cúpula do grupo, em Fortaleza, em julho de 2014. No entanto, as novas condições da conjuntura mundial da economia não favorecem iniciativas mais ousadas nessa área, como o almejado banco de desenvolvimento desses cinco países, que vai ser constituído formalmente, mas sobre cujo êxito efetivo pairam muitas dúvidas. A tendência de Dilma tem sido se encolher também nesse aspecto específico, inclusive porque a deterioração da situação econômica interna do Brasil exige dela mais atenção. Menos viagens que nos governos FHC e Lula Quando escolheu, em 2011, a China para ser o palco para sua estreia como líder brasileira no exterior, Dilma enfatizou sua opção pela diplomacia econômica. Mas, dessa relação bilateral tampouco surgiram dividendos dignos de nota além do comércio, que já vinha crescendo fazia anos. Por exemplo, a fábrica no Brasil em que a empresa chinesa Foxconn começaria a produzir tablets, a partir de novembro de 2011, com investimentos de US$ 12 bilhões em cinco anos e e criação de 100 mil empregos, conforme Dilma e o então ministro da Ciência Aloizio Mercadante anunciaram em Beijing, ainda não teve suas obras iniciadas. Barreiras à importação pela China de produtos brasileiros de maior valor agregado tampouco foram derrubadas pelos chineses. As exportações brasileiras para aquele país têm caído, em virtude da desaceleração da economia chinesa. E o apoio formal da China à reivindica- ção brasileira de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU que Dilma esperava obter em sua visita também nunca veio. Outra iniciativa na área da diplomacia econô- mica anunciada por Dilma em seu ano inicial no poder e que não frutificou relevantemente nos seguintes foi o chamado “Grupo África, que, significativamente, ficou sob a coordenação não do Itamaraty, mas da Casa Civil e teve uma atuação preponderante do Ministério do Desenvolvimento. O grupo reúne entidades do governo e empresas para traçar uma estratégia de ação com o objetivo de aumentar a influência do Brasil no continente africano e de incrementar os negócios do país ali. Mas, apesar disso, o comércio com o continente tem diminu- ído, assim como a presença política do Brasil lá. A indisposição de Dilma com os assuntos do exterior pode até ser contabilizada anedoticamente: nos primeiros três anos de seu mandato, ela recebeu 21 chefes de Estado; no mesmo perí- odo, Lula havia recebido 63 e Fernando Henrique Cardoso, 50. Suas viagens ao exterior no triênio inicial foram cerca da metade das que os dois predecessores realizaram. Mesmo no transcorrer da Rio+20, o principal evento diplomático hospedado pelo Brasil em sua gestão, ela só aceitou se reunir com dez dos 54 chefes de Estado que vieram ao país. Talvez o conhecimento prévio de que a anfitriã não teria muito ânimo para conversar com seus colegas tenha influenciado a decisão de muitos deles, inclusive do americano Barack Obama, de não prestigiar com sua presença a Rio+20, que acabou sendo uma cúpula de poucos resultados significativos, embora não tenha chegado a ser um fracasso como muitos temiam, em grande parte devido à competência negociadora dos líderes da delegação brasileira, os embaixadores Luiz Alberto Figueiredo Machado e André Aranha Corrêa do Lago. Estes conseguiram ao menos costurar um documento final coerente e cheio de boas intenções compromissadas, que possibilitaram a definição de “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” em substituição aos objetivos do milênio, apesar de ter poucas decisões efetivas, o que, evidentemente, não pode ser debitado ao Brasil ou ao governo Dilma especificamente. A má vontade da presidente Dilma com a diplomacia passou a ser demonstrada inclusive publicamente, como na formatura da turma do Instituto Rio Branco, em abril de 2012, quando perguntou em seu discurso quantos engenheiros havia entre os formandos (nenhum, como ela provavelmente já sabia) e explicou o por quê da indagação: “Porque nós vamos discutir ciência, tecnologia e inovação. Eu quero saber quem é melhor em biotecnologia. Eu quero saber como é que eu faço a ponte. Isso é fundamental”. O pequeno engajamento da presidente com a diplomacia faz com que o mesmo país que há cinco anos se achava capaz de solucionar os mais difíceis problemas do mundo agora deixe de mandar seu chanceler para uma reunião de poucas e importantes nações para debater a crise da Síria. E que não participe da conferência mundial de segurança em Munique, em 2014, dois eventos fundamentais da pauta internacional, em que a presença brasileira poderia trazer frutos para a nação. Mercosul Apouca paciência com o Itamaraty por parte da presidente, que com frequência e desde quando ainda eleita toma decisões sem consultá- lo ou na direção oposta à que ele a aconselha, por vezes leva o Brasil a cometer erros gravíssimos. Em 2012, acatou a iniciativa da Argentina para acelerar a entrada da Venezuela no Mercosul sem a aprovação prévia do Legislativo do Paraguai, o que constituiu inegável ilegalidade ante as regras do grupo. Tal decisão veio na esteira de outras discutí- veis, tanto do ponto de vista ju

rídico quanto polí- tico no âmbito no Mercosul, um dos projetos de política externa mais relevantes do país nos últimos 25 anos. O Mercosul se encaixa na vertente de diplomacia econômica que mais interessa à presidente e que vem se tornando um tema cada vez mais polêmico na sociedade brasileira, com setores expressivos começando a colocar em dú- vida a conveniência da filiação do Brasil a ele, face a seus problemas estruturais e conjunturais. O Mercosul tem enfrentado dificuldades no campo do comércio, tanto dentro do bloco – especialmente com a Argentina, que, de tão constantes podem ser consideradas quase crônicas – quanto com outras regiões do mundo. Muitos especialistas creem que todas elas devem ser debitadas na conta da Argentina, com quem o Brasil estaria sendo há muito tempo excessivamente leniente. É claro que todas essas teses são passí- veis de debate. Indiscutivelmente, no entanto, o Mercosul tem funcionado como um impeditivo para o Brasil se entender com outros países ou grupos de países para chegar a acordos de livre comércio: ou por responsabilidade da Argentina ou devido à possível exagerada paciência estratégica do Brasil com o vizinho ou em decorrência de interesses de setores da própria sociedade brasileira. A indiscutível letargia do país em termos de acordos bilaterais de comércio fica ainda mais evidente com a desenvoltura aparente com que alguns de nossos vizinhos (Chile, Colômbia, Peru e México) articulam a Aliança do Pacífico, que – ao menos teoricamente – apresenta perspectivas muito mais promissoras a seus integrantes do que o Mercosul aos dele. O fato é que desde sua constituição, em 1991, o Mercosul só foi capaz de fechar acordos de livre comércio fora do subcontinente com Israel, Egito e Palestina, que têm economias diminutas. Essas questões com o Mercosul antecedem ao governo Dilma e foram enfrentadas também por seus antecessores imediatos, com maior ou menor êxito, dependendo da vontade política de cada um deles e das condições conjunturais de cada momento específico. Por exemplo, um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia tem sido negociado desde o século passado, sem que se tenha logrado nenhum êxito, em parte por causa das idiossincrasias dos europeus, em parte por conta das posições da Argentina e do próprio Brasil. Mas, a essas questões antigas, às quais não se pode atribuir responsabilidade a Dilma, acrescentam-se outras, estas, sim, geradas por inabilidade da atual presidente, como a decisão açodada de suspender o Paraguai do grupo por conta do impeachment do presidente Fernando Lugo, considerado ilegal pelos integrantes do Mercosul, sob a liderança da Argentina. Pode-se argumentar se a destituição de Lugo foi ou não ilegal de acordo com a Constituição paraguaia, mas o fato é que muito poucos setores da sociedade do país vizinho pareceram concordar com a tese de que ela tenha sido um golpe, inclusive os apoiadores de Lugo e ele próprio, que a aceitaram sem muita resistência ou protesto. Por outro lado, a decisão do Mercosul de suspender o Paraguai também foi tomada de maneira duvidosa e em ritmo acelerado demais. A suspensão do Paraguai deu espaço à admissão da Venezuela ao grupo, já mencionada acima, que enfraqueceu institucionalmente ainda mais o bloco e criou mais obstáculos para futuros acordos de livre comércio, dadas as restrições que diversos países do mundo fazem ao regime bolivariano da Venezuela e as muitas exigências ideológicas que o regime do presidente Maduro impõe aos parceiros. O enfraquecimento da posição do Brasil como líder regional, e mesmo do Mercosul, é tão ostensiva que uma nota oficial do grupo do Mercosul sobre a situação política da Venezuela, em que manifestações da oposição ao governo Maduro foram classificadas de “ações criminosas”, teve caráter tão diverso do desejado pelo Brasil que o Itamaraty não a reproduziu em seu site. Das três notas de entidades regionais que se manifestaram sobre a Venezuela, em fevereiro de 2014, o Itamaraty só colocou em seu portal a da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos). Deixou de fora a da Unasul e a do Mercosul por estarem distantes demais das posições que ele havia defendido nesses grupos. Estados unidos Um dos pontos da política externa em que o começo do governo Dilma parecia muito promissor, embora não necessariamente inovador, era o da relação bilateral com os EUA, bastante abalada durante o segundo mandato do presidente Lula, em especial por causa do acordo com Turquia e Irã sobre o programa nuclear iraniano, em 2010, o abrigo ao presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, na embaixada brasileira em Tegucigalpa, em 2009, e as desavenças entre emissários dos dois países durante o socorro às vítimas do terremoto no Haiti, em 2010. A escolha para o Itamaraty de Antônio Patriota, que havia sido embaixador em Washington e é casado com uma cidadã americana, foi interpretada como ótimo sinal pelo governo Obama, que retribuiu ao enviar a secretária de Estado Hillary Clinton para representá-lo na posse de Dilma. A visita de Obama a Brasília, ainda no primeiro semestre de 2011, foi considerada um sucesso, assim como a ida dela a Washington, em abril de 2012, e o bom momento culminaria em outubro de 2013, quando teria ocorrido a primeira visita de Estado de um presidente brasileiro aos EUA desde a de Fernando Henrique Cardoso, em 1995. As expectativas eram tão altas que foram antecipados anúncios de grande magnitude durante o encontro, talvez até um apoio explícito dos EUA à pretensão brasileira de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (como Obama já havia feito em relação à Índia, em 2010) e a decisão brasileira de que a americana Boeing seria escolhida como a fornecedora dos novos caças a jato que a FAB estava comprando. Mas, como se sabe, Dilma cancelou a visita depois da revelação pelos vazamentos de Edward Snowden, de que a NSA – agência de segurança dos EUA – havia espionado o governo brasileiro e até grampeado comunicações pessoais da presidente. O gesto de suspender a viagem pode ter causado boa reação por parte da opinião pública brasileira, mas, talvez, se tivesse mantido a visita, Dilma pudesse ter chegado a Washington em posição de força e obtido lá mais concessões do lado americano do que com seu protesto. O incidente paralisou o processo de reaproximação entre os dois países. A presidente brasileira exigia um pedido de desculpas e o compromisso de que a espionagem do Brasil e dela pró- pria pela NSA seria interrompida ao menos em termos similares aos que o presidente Obama usou para tratar da Alemanha e de sua chanceler, Angela Merkel, também alvos da agência. Enquanto isso não ocorresse, a relação bilateral ficaria na geladeira, pelo menos do lado do Brasil. É interessante contrastar a atitude de Dilma com a de Merkel, que também reagiu de modo intenso, tendo inclusive aberto um processo judicial formal em seu país contra as ações americanas de espionagem, mas não deixou de negociar com os EUA e visitou Obama em maio de 2014. Na Assembleia Geral da ONU de 2013, Dilma fez um discurso bastante forte contra a “intrusão” americana, que classificou de “grave violação dos direitos humanos e das liberdades civis; de invasão e captura de informações sigilosas e, sobretudo, de desrespeito à soberania nacional”, e se aliou a Merkel para apresentar um projeto de resolução para pôr fim a atividades de governos para invasão de privacidade e de espionagem eletrônica. O Brasil acabou por escolher a proposta da empresa sueca Saab para a compra dos caças a jato. Dilma tentou incluir no Marco Civil da Internet dispositivo para obrigar empresas americanas de tecnologia a estocar todos os seus dados no Brasil para ficarem submetidas à ação da justiça brasileira em casos de invasão de privacidade. Aos poucos, no entanto, as coisas começaram a se acomodar. O Brasil recusou liminarmente, pela voz da própria presidente, o pedido de asilo que Snowden fez ao país por meio de uma c

arta aberta ao povo brasileiro, gesto que foi muito bem recebido por Washington. O governo brasileiro também convidou o presidente americano para participar do evento Netmundial, que discutiria a governança mundial da internet em São Paulo, e que originalmente era visto como um ato antiamericano. Os EUA mandaram ao Netmundial uma delegação encorpada, e o Brasil agiu para que o documento final do encontro fosse suave nas críticas aos EUA. O Brasil não concretizou ainda a retaliação a quem tem direito (obtido no âmbito da OMC) contra os EUA devido aos subsídios americanos ao algodão, em outro gesto de boa vontade com Washington. Mas, é improvável que a relação bilateral com os EUA em nível de governos volte com Dilma na Presidência, aos patamares de fluidez que teve durante as administrações Bill Clinton e Fernando Henrique Cardoso, como se antecipava em 2011. Assim como Dilma, o presidente Obama também não é muito entusiasmado com a política externa, prefere concentrar seu foco nos problemas domésticos. Quando se aventura com iniciativas internacionais, raramente elas são voltadas para as Américas, e, nestas, o Brasil não está entre as suas prioridades. Governança da internet Oincidente da NSA, no entanto, ofereceu à presidente uma inesperada bandeira internacional, e ela tem dado mostras que neste assunto pode vir a se concentrar e talvez obtenha reconhecimento. Por causa da espionagem americana, Dilma se empenhou celeremente para aprovar no Congresso o Marco Civil da Internet, o que ocorreu em abril de 2014. O documento, uma espécie de “constituição” para a rede, estabelece “princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no país” por parte dos usu- ários, dos provedores e também do governo e coloca o Brasil na vanguarda do mundo em termos de regulamentação da rede. Isso lhe confere autoridade política para ser um dos líderes do debate para a construção de um marco internacional comum. No Netmundial, evento que reuniu, em São Paulo, representantes de governos e ONGs de 79 países, o Marco Civil brasileiro foi tomado como modelo. Mundialmente, há uma tendência para que se encontre uma forma de regular a internet, que não existia até poucos anos atrás, e, neste contexto, a experiência brasileira com o Marco Civil tem peso. Ao não insistir na inclusão na legisla- ção aprovada da obrigatoriedade de os provedores de internet instalarem os data centers no Brasil, Dilma ganhou pontos para se tornar uma interlocutora de respeito nas negociações futuras. A polêmica sobre a governança mundial da internet se concentra na polarização entre as posições dos EUA, de um lado, favorável a que nenhum governo ou entidade multilateral tenha individualmente poder sobre a rede, e de outro a de China e Rússia, que querem que a União Interna- cional de Telecomunicações (UIT), organismo da ONU, seja a responsável pela sua regulamentação internacional. Até 2012, o Brasil vinha apoiando alternativa favorável ao controle pela UIT, mas Dilma vem se afastando dessa posição e tem caminhado na direção de que a governança mundial da internet deve ser exercida por múltiplos atores, algo mais próximo da posição americana. Pode ser que, com o lastro do Marco Civil, o Brasil possa apresentar uma proposta conciliatória ao fórum internacional sobre o assunto, que vai ocorrer na Turquia, em setembro. Conclusão Em 2014, o Itamaraty anunciou que elaboraria um “livro branco” da política externa brasileira que estabeleceria, a partir de eventos de di- álogo com a sociedade civil, os princípios, prioridades e linhas da ação externa do Brasil. Em abril deste ano, de fato, foram realizadas diversas sessões na sede do MRE, com a presença de pessoas e entidades representativas dos que se preocupam com a política externa do país. Esta pode ser uma louvável tentativa de recuperar tempo e espaço perdidos ao longo do primeiro mandato da presidente Dilma nessa área. Por outro lado, e mais preocupantemente, fala-se na disposição em alguns setores do governo de estimular a criação de um Conselho Nacional de Política Externa, em bases ainda pouco claras, mas que pode guardar alguma semelhança com as dos “conselhos populares”, que Dilma tenta instituir por meio de um decreto que estabelece uma “política nacional de participação social, a qual “ajudaria” as instâncias formais do governo a elaborar políticas públicas nas mais diversas áreas e que fiscalizaria a implementação delas. Com o histórico destes três anos e meio em que a presidente da República deu reiteradas demonstrações de nutrir pouca simpatia pelo Itamaraty e ter pouca confiança nele, este conselho pode vir a ser mais uma estocada contra a casa que vem conduzindo a política externa do país desde sua independência. Não foi por acaso que entre os projetos internacionais que realmente parecem ter mobilizado entusiasmo da presidente em seu governo encontrem-se dois que nada têm a ver com o Itamaraty: o Ciência sem Fronteiras e o Mais Médicos, assim como foi sintomática, como descrita acima, a maneira como ela ajudou a colocar cunhas de outros ministérios em atividades antes coordenadas pelo Ministério das Relações Exteriores. Esse pouco caso com os diplomatas de carreira brasileiros, reconhecidos em todo o mundo pela sua competência, não traz bons resultados para a nação, e isso pode ser comprovado pelo balanço das ações do atual governo na área externa. Nestes três anos e meio, o Brasil perdeu relevância no cenário mundial, deixou de aproveitar grandes oportunidades para consolidar conquistas obtidas nas duas décadas anteriores, omitiu-se em questões vitais, cometeu erros diplomáticos que eram incomuns no passado. Ninguém duvida que o Brasil seja e vá continuar sendo um ator global relevante. Mas, a dimensão de sua importância depende em parte da solução que possa dar aos obstáculos internos que constrangem seu progresso e em parte da definição a que consiga chegar sobre o seu papel no mundo. Para isso, é preciso que se confie no corpo de técnicos que o país vem formando há muitas gerações com sucesso, mas, acima de tudo, é imprescindível que a Presidência da Repú- blica tenha clareza de objetivos sobre o papel que o Brasil deve desempenhar na sua região específica e no mundo como um todo.

É professor do Insper. Foi correspondente da Folha de S.Paulo nos EUA e editor da Revista Política Externa. É livre-docente e doutor pela USP e mestre pela Michigan State University. Membro do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta

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