07 novembro 2022

A vitória de Lula no Brasil chega bem a tempo de salvar a Amazônia – será que ele conseguirá fazer isso?

Os próximos quatro anos serão cruciais para o Brasil e o mundo. Para pesquisadora da Australian Catholic University, a situação é desafiadora, mas apresenta uma grande oportunidade para restabelecer a posição do Brasil no mundo e mudar a marca das suas exportações agrícolas como sustentáveis ​​e justas.

Os próximos quatro anos serão cruciais para o Brasil e o mundo. Para pesquisadora da Australian Catholic University, a situação é desafiadora, mas apresenta uma grande oportunidade para restabelecer a posição do Brasil no mundo e mudar a marca das suas exportações agrícolas como sustentáveis ​​e justas

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva recebe homenagem de tribos indígenas (Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)

Por Kathryn Baragwanath*

O resultado da eleição presidencial do Brasil é crucial para o futuro das florestas do mundo. No domingo retrasado, o ex-presidente e candidato do Partido dos Trabalhadores Lula da Silva venceu por pouco o titular, Jair Bolsonaro. As taxas de desmatamento aumentaram sob Bolsonaro.

Bolsonaro foi eleito em 2018 com uma plataforma explicitamente anti-ambiental. Ele havia prometido reduzir a fiscalização ambiental, interromper as demarcações de terras indígenas e permitir a extração de recursos de áreas protegidas na Amazônia. O discurso de vitória de Lula sinalizou um forte compromisso com a preservação da Amazônia, protegendo os direitos dos povos indígenas e atingindo a meta de desmatamento zero.

Durante os três primeiros anos de Bolsonaro no cargo, 33.200 quilômetros quadrados de floresta foram derrubados. Essa área tem duas vezes e meia o tamanho da região da Grande Sidney.

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Alguns pesquisadores argumentam que a Amazônia pode estar chegando ao ponto de inflexão, se as taxas atuais de desmatamento continuarem. Isso significaria que a floresta tropical perderia a resiliência às mudanças no clima e no uso da terra. Teria efeitos profundos sobre a biodiversidade, o armazenamento de carbono e as mudanças climáticas em todo o mundo.

O discurso de vitória de Lula marca um claro afastamento da retórica de Bolsonaro. É uma mudança bem-vinda na preparação para a conferência climática das Nações Unidas, COP27, que começou no domingo no Egito. Mas Lula ainda enfrenta grandes desafios para cumprir sua promessa de proteger a floresta tropical.

Desmatamento aumentou na última década

A Amazônia, cobrindo 5,5 milhões de quilômetros quadrados, é responsável por metade da floresta tropical remanescente do mundo. É o lar de uma enorme biodiversidade, tem uma grande influência no clima e nos ciclos hidrológicos do mundo e atua como um sumidouro de carbono.

Preservar a Amazônia é crucial para atingir o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 ℃ acima dos níveis pré-industriais – o objetivo do Acordo de Paris.

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Cerca de 60% da floresta amazônica está no Brasil. Isso significa que as mudanças políticas do país têm enormes repercussões para esse bioma e, por sua vez, para o clima mundial.

A eleição de Lula cria uma possibilidade de acabar com a destruição da floresta. Em seus dois primeiros mandatos (2003-10), Lula conseguiu reduções significativas no desmatamento.

Importantes políticas ambientais foram promulgadas no primeiro mandato de Lula. O sensoriamento remoto foi utilizado para o monitoramento em tempo real da Amazônia. Áreas protegidas e territórios indígenas foram muito expandidos.

Outras políticas notáveis ​​incluíram um foco estratégico no monitoramento e fiscalização em áreas com altas taxas de desmatamento, restabelecimento e regulação de um sistema de sanções ambientais e fazer do cumprimento uma condição de ajuda financeira.

O desmatamento foi reduzido em mais de 80% entre 2004 e 2012. No entanto, o Código Florestal de 2012 flexibilizou algumas das regras de conservação em terras privadas e concedeu anistia para desmatamento prévio. As taxas começaram a subir novamente.

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A eleição de Bolsonaro acelerou essa tendência ascendente. Ele cortou o financiamento para a agência ambiental e tentou permitir a mineração em terras indígenas e áreas protegidas. Uma área de floresta tropical do tamanho da Grande Sidney foi desmatada apenas no ano passado. Foi a pior perda em quase duas décadas.

O que esta eleição significa para a floresta tropical

As vigorosas promessas de Lula de proteger a Amazônia são inéditas na política brasileira. Seu discurso de vitória traz esperança para o futuro da floresta tropical. A pressão internacional para preservar a Amazônia, aliada a um movimento indígena ativo e organizado e à sociedade civil, estão do seu lado.

No entanto, Lula ainda enfrenta uma batalha árdua em seus esforços para deter o desmatamento. Os desafios incluem:

  • Uma agência ambiental enfraquecida: funcionários nomeados por Bolsonaro se recusaram a usar os fundos alocados e, em 2020, a agência atingiu uma baixa histórica de 591 agentes de fiscalização (abaixo dos 989 em 2016), após um corte de 29% em 2019
  • Um aumento da violência relacionada à terra: isso inclui invasões de terras e violência contra ativistas ambientais e povos indígenas
  • Grupos criminosos organizados entrincheirados com interesses em desmatar a Amazônia
  • Um Congresso dominado por conservadores: Lula precisa de sua aprovação para aprovar leis ambientais
  • Uma grande bancada agrícola: parlamentares de diversos partidos são a maior coalizão organizada no Congresso e vêm pressionando por mudanças nas leis de licenciamento ambiental, regulamentações fundiárias e regras que regem as demarcações de terras indígenas
  • Uma pausa no tão necessário apoio internacional: o mais notável é o Fundo Amazônia, criado em 2008 pela Noruega e Alemanha. Os doadores interromperam esse financiamento em 2019 depois que Bolsonaro aboliu o comitê técnico do fundo em meio a taxas recordes de desmatamento e incêndios florestais em massa. A Noruega (que doou mais de US$ 1,2 bilhão) já sinalizou que deseja retomar a cooperação climática assim que Lula tomar posse.

Além disso, Lula garantiu apenas uma vitória eleitoral apertada e está assumindo um país dividido ao meio. Ele terá que projetar políticas inovadoras que vinculem as preocupações ambientais com o desenvolvimento sustentável e as oportunidades econômicas. Só então ele conquistará uma nação polarizada.

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Os próximos quatro anos serão cruciais para o Brasil e o mundo. O Brasil já reduziu o desmatamento. O novo governo precisará tirar lições de seu sucesso anterior, ao mesmo tempo em que aprende com as recentes falhas políticas.

A situação é desafiadora para o novo presidente. Mas também apresenta uma grande oportunidade para restabelecer a posição do Brasil no mundo e mudar a marca das suas exportações agrícolas como sustentáveis ​​e justas.


*Kathryn Baragwanath é pesquisadora na Australian Catholic University


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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