Guerra mudou o mundo, e o Brasil terá que escolher um lado na nova polarização global
Em entrevista, professor de relações internacionais Paulo Wrobel diz que conflito está mudando alinhamentos de países e blocos, e a postura de equidistância proposta pela diplomacia brasileira reflete falta de ousadia, pode tornar o país irrelevante em questões globais e é insustentável enquanto cresce a tensão entre Ocidente e Rússia
Em entrevista, professor de relações internacionais Paulo Wrobel diz que conflito está mudando alinhamentos de países e blocos. Para ele, a postura de equidistância proposta pela diplomacia brasileira reflete falta de ousadia, pode tornar o país irrelevante em questões globais e é insustentável enquanto cresce a tensão entre Ocidente e Rússia
Por Daniel Buarque
A invasão russa da Ucrânia, iniciada cem dias atrás, transformou a política internacional, criou novas tensões globais, mudou alinhamentos históricos de Estados e blocos, criou uma nova polarização e vai pressionar países de todo o planeta –incluindo o Brasil– a se posicionarem e escolherem um lado.
“Estamos numa fase de re-arrumação, de transição, algo como pós-pós-Guerra Fria, ou Guerra Fria 2.0. Há várias tentativas ainda de se definir o que está acontecendo, mas uma coisa está clara: O mundo não vai ser mais o mesmo do que era antes de 24 de fevereiro deste ano com a invasão agressiva, genocida, da Rússia na Ucrânia”, avaliou o professor de relações internacionais Paulo Wrobel em entrevista à Interesse Nacional.
Wrobel analisou o cenário global após mais de três meses de conflito na Europa. Para ele, o abandono da neutralidade de nações que tinham longa tradição de evitar posicionamentos –como no pedido de Finlândia e Suécia para se juntarem à Otan— indica que o Brasil terá que deixar para trás o que ele vê como falta de ousadia da sua história diplomática, ou corre o risco de se tornar um país irrelevante.
Economista, cientista político e doutor em relações internacionais, Wrobel é professor da PUC-Rio e da Universidade Estácio de Sá. Segundo ele, o Brasil precisa aceitar o risco de se alinhar, e a história, os valores e os interesses do país são do mundo ocidental.
Leia a entrevista completa abaixo
Daniel Buarque – Finlândia e Suécia abandonaram sua neutralidade histórica. Analistas dizem que países, especialmente na Europa, precisam escolher um lado para se alinhar. Como fica o Brasil nesse contexto, considerando que o país historicamente também busca a neutralidade? O Brasil vai conseguir continuar se colocando de forma equidistante? Ou essa pressão para escolher um lado vai chegar aqui também?
Paulo Wrobel – Não acho que se trate propriamente de neutralidade. O Brasil tem uma postura antiga de política externa liderada pelo nosso Ministério das Relações Exteriores, independentemente de quem seja o presidente ou o governo, que é uma postura altamente discutível. Nossa postura é fundamentalmente uma busca por evitar riscos. A elite que pensa nossa política externa, nossa grande estratégia, parte do pressuposto de que o melhor que pode nos acontecer é nós ficamos bem com todo mundo. Não nos indispomos com ninguém, evitamos riscos, evitamos tomar qualquer atitude mais agressiva na relação com os nossos vizinhos. E assim não lideramos ninguém. É difícil avaliar se isso é bom. Para você ser mais ativo internacionalmente, é preciso correr riscos.
No caso da invasão da Ucrânia, a expressão usada foi equidistância. Não é mesma neutralidade que se via na Europa antes. Ou seja, é uma forma de alegar que essa questão não nos diz respeito. Mas isso é questionável. O fundamento da nossa política externa, tanto em termos de retórica quanto em termos de ação, é que o Brasil é um defensor perpétuo do direito Internacional. É uma excelente tradição. E, ao invadir a Ucrânia, a Rússia rasgou o direito internacional. Todos os tratados do direito nacional, todos os tratados de segurança europeia, todos os tratados bilaterais com a Ucrânia, todos os tratados de segurança, todos os tratados de não proliferação de armas nucleares. Tudo a Rússia rasgou. E o Brasil, que respeita o direito Internacional, que vive em função do direito internacional, não tem nada a ver com isso? É uma posição equivocada da nossa diplomacia. Não é a primeira vez, mas está cada vez mais difícil o país se ausentar do mundo e dizer que não tem nada a ver com o que acontece. Um dos grandes riscos disso é o resto do mundo olhar para o Brasil e passar a considerar que não conta com o país para mais nada.
O mundo está se realinhando. Em algum momento nós vamos ter que optar. Como foi durante a Guerra Fria. Na Guerra Fria nós optamos e fomos optados por uma aliança com os Estados Unidos. Então, em algum momento, nós vamos ter que definir com quem vamos nos alinhar. E a nossa tradição, a nossa história, os nossos valores, os nossos interesses de toda ordem, são do mundo ocidental. É aí que nós vivemos. É daí que nós viemos e por aí que caminhamos.
Daniel Buarque – Considerando o atual contexto global em transformação, o BRICS não se coloca como uma nova alternativa de alinhamento para o Brasil?
Paulo Wrobel – Essa é uma questão importante. Nenhum dos países do BRICS tomou uma atitude nitidamente pró-ocidental no caso da guerra. A China está alinhada à Rússia, mas Brasil, Índia e África de Sul ficaram equidistantes. É difícil saber se isso é em função do BRICS, pois o BRICS não é uma aliança no sentido de posições políticas conjuntas internacionais. Até porque países do grupo têm tensões próprias, como China e Índia, além de serem países distantes uns dos outros. Ser parte do BRICS pesa e deve estar contribuindo para o Brasil ter uma certa cautela em relação à Rússia. Mas o BRICS é um grupo complexo, difícil de entender. É uma criação do economista britânico Jim O’Neill, que tomou uma dinâmica própria, criando uma série de importantes iniciativas, como o banco de desenvolvimento. Mas o BRICS não é um foro, não é um grupo de concertação Internacional.
Daniel Buarque – Acha que a diplomacia do Brasil vai assumir essa postura mais ocidental, então?
Paulo Wrobel – Há certos momentos internacionais que exigem que o país tome uma série de decisões às vezes inesperadas, pois o momento histórico é acelerado. Estamos vivendo um momento histórico acelerado. Ele já vinha começando, se agravou com a pandemia e agora com a invasão russa da Ucrânia, esse movimento se adiantou. Momentos históricos agudos exigem posições sérias e exigem coragem. E o Brasil fica preso à sua tradicional falta de ousadia. Nossa diplomacia tem várias qualidades, é muito admirada, mas é muito pouco ousada.
Falta ousadia, pois o Brasil é, querendo ou não, o segundo país mais relevante das Américas, depois dos Estados Unidos. Falta Brasil nas Américas. Nós temos potencialmente uma liderança que não assumimos por falta de ousadia e por não romper com essa ideia de que o país tem que ficar bem com todo mundo. Não tem que ficar bem com todo mundo.
Daniel Buarque – Mas esse alinhamento também traz riscos. Se alinhar ao Ocidente não pode criar problemas na relação com a China, que hoje é o principal parceiro comercial do Brasil?
Paulo Wrobel – Não necessariamente. A China é o primeiro parceiro comercial de praticamente o mundo inteiro. Se o Brasil se aliar ao Ocidente, em uma frente contra a Rússia, é a China que vai ter que optar se ela quer manter as relações comerciais com o Brasil e o Ocidente. A China importa grande parte do que produzimos, mas o que exportamos para a China –alimentos, minério de ferro e petróleo– é fundamental para eles.
Nós somos tão importantes para a China quanto a China é para nós. Tudo isso é parte do jogo geopolítico e econômico internacional, que está se redefinindo. E o Brasil não pode ficar medroso, temendo a posição dos outros, porque quanto mais o país teme a oposição dos outros, mais ele se enfraquece.
Daniel Buarque – Acha que essa polarização vai atingir todo o mundo?
Paulo Wrobel – Nós estamos numa fase de re-arrumação, de transição, algo como pós-pós-Guerra Fria, ou Guerra Fria 2.0. Há várias tentativas ainda de se definir o que está acontecendo, mas uma coisa está clara: O mundo não vai ser mais o mesmo do que era antes de 24 de fevereiro deste ano com a invasão agressiva, genocida, da Rússia na Ucrânia.
Ainda há dois países mais ou menos neutros na Europa: a Áustria e a Irlanda. Mas, mesmo sendo neutros, ambos são partes integrantes da União Europeia. A União Europeia não tem uma política de defesa comum, não tem uma política externa comum, mas está um pouco implícito que tanto Áustria quanto Irlanda estão apoiando as sanções à Rússia. Então, com a decisão da Finlândia e da Suécia de se juntarem à Otan, praticamente um fato consumado, nenhum país europeu vai manter uma neutralidade total –algo que ocorreu durante os 45 anos de Guerra Fria e nesses mais de 30 anos após a Guerra Fria. Agora a questão se definiu nitidamente. A Europa unida de Lisboa à Ucrânia, é uma coisa só.
A Ásia está mais ou menos dividida. Vê-se nitidamente Japão, Coreia do Sul, Singapura e pequenos países apoiando a Otan. E os outros países, nitidamente a China, fazem parte do bloco russo, em uma aliança clara, explícita entre China e Rússia que não vem de agora.
Até agora o ministro das relações Exteriores da China diz que a culpa de tudo é dos Estados Unidos. É uma narrativa bizantina, bizarra. A Rússia invade um país soberano e a culpa é dos Estados Unidos?
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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