02 maio 2025

A comemoração pela vitória na Segunda Grande Guerra e o Brasil

Apesar de sua contribuição na Segunda Guerra, o Brasil raramente é lembrado nas celebrações da vitória. Agora, 30 anos após sua última participação, Lula vai a Moscou para a cerimônia a convite de Putin — em meio a uma guerra e a uma possível reconfiguração das alianças globais que pode redefinir o papel geopolítico do país

Soldados da Força Expedicionária Brasileira na Itália durante a II Guerra Mundial (Foto: Arquivo Nacional)

O Brasil, depois de alguma hesitação na década de 1940, finalmente decidiu corretamente se colocar ao lado dos aliados e combater o nazismo e o fascismo na Segunda Grande Guerra.

A Força Expedicionária Brasileira combateu junto com o Exército norte-americano na Itália e teve participação na Batalha de Monte Cassino.

Mais de 1.000 soldados tombaram na luta contra o nazismo, e sua memória está preservada no cemitério de Pistoia, mas poucos se lembram disso.

‘As comemorações do Dia da Vitória ocorrem todos os anos, mas nunca o Brasil é convidado para delas participar’

As comemorações do Dia da Vitória ocorrem todos os anos, e manifestações públicas são realizadas em muitos países europeu, mas nunca o Brasil é convidado para delas participar.

Desde o fim da guerra, na celebração dos 50 anos da vitória, em maio de 1995, pela primeira vez, o Brasil foi convidado pelo governo britânico a participar em Londres dessas comemorações.

Como embaixador em Londres, pude acompanhar o presidente Fernando Henrique Cardoso, que esteve presente em todos os atos comemorativos. Foi um momento histórico em que foi lembrada e reconhecida a contribuição brasileira para a vitória aliada.

‘Trinta anos depois, o Brasil voltou a ser convidado a participar das comemorações da vitória’

Trinta anos depois, o Brasil voltou a ser convidado a participar das comemorações da vitória.

Desta vez, a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, como FHC, vai representar o Brasil nas solenidades. Não vai ser em Londres, mas em Moscou.

Atendendo ao convite do presidente russo, Vladimir Putin, no meio de outra guerra envolvendo Moscou, desta vez na Ucrânia, Lula vai à Rússia no dia 9 para a celebração da vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazista na Grande Guerra Patriótica, como a Segunda Grande Guerra é chamada na Rússia.

‘A visita ocorre em meio a grande transformação econômica e na ordem internacional e quando, a exemplo do que ocorreu no século 18, o mundo vê atônito uma reversão de alianças’ 

A visita ocorre em meio a grande transformação econômica e na ordem internacional e quando, a exemplo do que ocorreu no século 18, o mundo vê atônito uma reversão de alianças. 

Em 1756, as alianças de longa data na Europa entre a Guerra da Sucessão Austríaca e a Guerra dos Sete Anos foi revertida.  A Áustria passou de aliada da Grã-Bretanha a aliada da França; a República Holandesa, uma aliada britânica de longa data, tornou-se mais anti-britânica e assumiu uma posição neutra, enquanto a Prússia se tornou aliada da Grã-Bretanha. Algo tão revolucionário está acontecendo agora, quando a Rússia passa ser próxima dos EUA e a Europa pode deixar de ser aliada estratégica de Washington. 

‘A participação de Lula não é uma reversão de alianças, mas se coloca ao lado de um dos vencedores da guerra, uma das potências aliadas, que, nos últimos 80 anos, ficou do lado oposto do Ocidente’

A participação de Lula não é uma reversão de alianças, mas se coloca ao lado de um dos vencedores da guerra, uma das potências aliadas, que, nos últimos 80 anos, ficou do lado oposto do Ocidente. Segundo se noticiou, o embaixador da Ucrânia teria sugerido a ida de Lula a Kiev, antes da visita à Rússia. Lula teria tentado falar por telefone com Zelensky, mas o presidente da Ucrânia teria recusado o pedido de Lula de falar à distância e criticou a ida do presidente brasileiro à Rússia.

Nos próximos anos, a história pode se repetir com EUA, China e Rússia (no lugar da Europa) se entendendo de maneira geopolítica, e darem início a uma nova era nas relações internacionais, em que os três países decidirão o rumo da economia e da política global, passando a estabelecer “esferas de influência” globais. 

‘A presença de Lula em Moscou poderá ser vista como uma antecipação da posição de independência e de equidistância nas tensões políticas e econômicas globais. Ou como uma decisão precipitada’

A presença de Lula em Moscou poderá ser vista como uma antecipação da posição de independência e de equidistância nas tensões políticas e econômicas globais. Ou como uma decisão precipitada, se a Rússia não colocar um fim na guerra com a Ucrânia e os EUA se retirarem da tentativa de mediação

É de interesse do Brasil manter a tradicional postura na política externa de equidistância e independência de países ou grupo de países, sem alinhamentos automáticos, acima de ideologia ou partidarismo.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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Geopolítica 🞌

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