A escalada das exceções
O risco que o Brasil está correndo, nas próximas semanas, é o maior ativismo do Departamento de Estado, liderado por Marco Rubio, senador ultraconservador da Florida, com uma agenda definida contra os governos de esquerda na América Latina

O presidente Donald Trump anunciou tarifa global, entre 15 e 25%, aplicável a todos os produtos exportados para os EUA, a partir de 6 de agosto. A medida, contudo, teve algumas variações.
Por diversas razões, em especial, politicas, algumas nações tiveram tarifas fixadas acima da tarifa global: países asiáticos (entre 23 a 25%), Índia (25%), África do Sul (30%), Canada (35%), Brasil (50%). Levando em conta exclusivamente o interesse das empresas e dos consumidores norte-americanos, foi anunciado pelo secretario de comércio que produtos não cultivados nos EUA, terão um tratamento especial e poderão ser exportados sem tarifa (inclusive para não aumentar o preço interno e impactar o índice inflacionário); café, cacau, manga, suco de laranja e outros produtos.Com exceção da China, que teve as negociações com o governo de Washington prorrogadas por 90 dias, os principais parceiros comerciais dos EUA como a União Europeia (15%), o Japão (15%) e a Coreia (15%) conseguiram fechar acordos em negociação direta com Donald Trump, apesar das críticas internas.
Em um primeiro momento, o governo Trump está apresentando toda essa negociação como uma grande vitória politica e econômica, com ingresso de mais de 110 bilhões de dólares desde a imposição do tarifaço em abril passado.
Com relação ao Brasil, a crise escalou.
O presidente Trump assinou ordem executiva taxando os produtos de exportação para os EUA em 50% a partir de 6 de agosto com exceções, que alcançam cerca de 700 itens, como, entre outros, aviões e pecas, certos tipos de aço, suco de laranja, peças de automóveis, minério de ferro, ferro gusa, celulose. Esses produtos pagarão apenas 10% de tarifa.
O Brasil, que recebeu a tarifa mais elevada do mundo, poderá ainda se beneficiar das exceções nos produtos agrícolas anunciadas. O governo brasileiro deverá continuar o esforço negocial para a redução dos 50% de tarifa sobre todos os outros produtos de exportação para os EUA, que, em 2024, representaram 40 bilhões de dólares (cerca de 11% do total das exportações brasileiras).
Motivações políticas, a exemplo de outros países que tiveram as tarifas fixadas acima da tarifa global, explicam os 50%.
O governo Lula afirma, por essa razão, que os EUA não querem negociar a redução. Embora as negociações técnicas conduzidas pelo Vice-presidente e Ministro do Desenvolvimento e Comercio Exterior, Geraldo Alckmin tenham avançado na ultima semana, com contatos diretos com o secretário do Comércio e o USTR, e começaram a ser desobstruídas, no dizer do ministro da Fazenda, Haddad (desmentido pelo chefe da Casa Civil, Rui Costa, segundo o qual as negociações não avançaram em nada), o governo continuou sem acesso `a Casa Branca.
Somente na quarta feira, depois de mais de seis meses de governo, o ministro Mauro Vieira manteve encontro direto com Marco Rubio no Departamento de Estado. Não se sabe se houve tentativa do presidente Lula de falar com Trump, aparentemente não, em face das declarações públicas do Palácio do Planalto que chegou a dizer que esperava que Trump ligasse para Lula, contrariando toda a lógica dos entendimentos mantidos com todos os países, até aqui, com a Casa Branca.
Em nova escalada da crise politica entre os dois paises, o governo de Washington decidiu aplicar a lei Magnitski contra o ministro Alexandre de Morais, com forte repercussão politica interna. O governo brasileiro emitiu dura nota criticando a medida e reafirmando a soberania e a rejeição de interferência externa em assunto de natureza interna no Brasil.
Ao Brasil, não interessa a continuada escalada da crise politica diplomática. O governo tem de ter claro seu objetivo: a redução do impacto econômico e comercial das tarifas sobre o setor privado. Do lado do governo, continuar a negociar, em nível técnico, as questões econômicas, com as Big Techs (onde, segundo Alckmin, houve duas reunioes, inclusive com a participação de representante do secretario do Comércio dos EUA, e se avançou em uma agenda para esclarecimentos por parte do governo brasileiro) e das contrapartidas para a redução das tarifas que afetarão a pauta de exportação brasileira para o mercado dos EUA.
Em paralelo, deverá intensificar-se o contato das empresas brasileiras com a US Chamber of Commerce e as contrapartes norte-americanas para que as grande empresas compradoras de produtos brasileiros pressionem o presidente Trump para a rebaixa dos 50%. Não caberia uma imediata retaliação.
A lei de reciprocidade que o governo Lula está ameaçando aplicar, deverá ser vista com cautela e, se aplicada, não devera prejudicar ainda mais o interesse nacional. Nesse sentido, o Palácio do Planalto deveria aguardar a reação dos demais países e evitar aplicar reciprocidade tarifaria contra os EUA e a taxação das Big Techs, quebrar patentes de produtos farmacêuticos ou propriedade intelectual.
Do ponto de vista politico-diplomático, pragmaticamente, não há como concluir as negociações com os EUA com vistas a uma redução dos 50%, sem um contato de alto nível direto com Casa Branca, como fizeram todos os outros países, inclusive os comunistas, como o Vietnã. Depois das negociações técnicas, a palavra final é dada por Trump, como se viu nos entendimentos com o governo trabalhista de Londres, com a União Europeia, com o Japão e com a Coreia do Sul. Ou Lula chama Trump ou envia o Vice-Presidente para conversar com a Casa Branca e o Vice republicano, JD Vance.
De nada adiantaram as visitas dos senadores a Washington e o encontro do ministro Mauro Vieira com Marco Rubio. No Brasil, para reduzir o impacto negativo, o governo Lula deveria anunciar medidas emergenciais para ajudar os setores mais afetados, na linha do anunciado pelo ministro Haddad.
Finalmente, para entender o quadro negativo em que se encontra o Brasil no contexto global, um dos fatores principais foi a condenável ação politica da oposição bolsonarista em Washington e na Florida, desde a eleição. É também verdade que não houve qualquer ação do governo brasileiro para se contrapor `a narrativa de Eduardo Bolsonaro contra o STF e a favor das medidas restritivas `as exportações brasileiras.
A ausência de canais diretos com o governo Trump na área política e diplomática, acima da ideologia e do partidarismo, e levando em conta a errática personalidade do presidente norte-americano, explica em grande parte a dificuldade atual de conecção com a Casa Branca e o Departamento de Estado. Além desse fator externo, a politização desse assunto para fins de politica interna, dificultou a tomada de decisões visando tão somente o interesse nacional e a defesa do setor privado, industrial e agro-negocio, que sempre paga a conta.
O risco que o Brasil está correndo, nas próximas semanas, é o maior ativismo do Departamento de Estado, liderado por Marco Rubio, senador ultraconservador da Florida, com uma agenda definida contra os governos de esquerda na América Latina. Venezuela, Cuba, Nicaragua, Colombia ja foram afetados por medidas restritivas e invasivas do governo de Washington. Agora, o Brasil começa a ser atingido. Caso haja novas medidas contra membros do Supremo Tribunal Federal e do governo federal ou ações contra o governo brasileiro, a situação politico-diplomática pode voltar a escalar com consequências imprevisíveis.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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