Acordo Mercosul-União Europeia – Agora vai
Impulsionado pelas incertezas no comércio global após a política tarifária de Donald Trump, o acordo deve finalmente avançar e ajudar a colocar os países da América do Sul como pronto para novos acordos em negociação

Depois de mais de 25 anos de marchas e contramarchas, afinal, o acordo Mercosul e a União Europeia deve ser assinado até o final do ano.
O acordo Mercosul-UE, com seus três pilares (livre comércio, cooperação técnica e cooperação política), vai ser fatiado e o acordo comercial foi submetido à consideração da Comissão Europeia.
As outras duas vertentes seguirão para aprovação pelos parlamentos dos 27 países. Assim, o documento, depois de traduzido para as 24 línguas oficiais, será submetido ao Colégio de Comissários, responsável pelo Orçamento da EU e por propor legislações. Com isso, a tramitação será mais simples e rápida, dependendo para aprovação apenas de maioria qualificada de 15 dos 27 países membros, representando 65% da população.
‘O presidente Macron, por razões de política interna, tem sido vocal contra a aprovação, mas sua oposição não fez crescer o número de apoiadores’
Posteriormente, o acordo será submetido ao Parlamento, onde uma maioria simples será suficiente para aprová-lo. Poucos países se manifestaram contra o acordo sob a liderança da França. O presidente Macron, por razões de política interna, tem sido vocal contra a aprovação, mas sua oposição não fez crescer o número de apoiadores e mais recentemente a oposição dentro da Comissão Europeia diminuiu pela ação positiva por parte da Alemanha, Portugal e Espanha.
A decisão da Comissão Europeia de levar adiante e finalizar o longo processo de negociação entre os 4 países do cone sul e os 27 europeus teve que ver mais com fatores geopolíticos do que com questões comerciais. As últimas demandas relacionadas com questões ambientais foram superadas, inclusive porque a própria UE flexibilizou suas regras restritivas em função da pressão das empresas europeias.
Segundo informações de Bruxelas, a Comissão propõe acrescentar no acordo um ato legal que torna operacionais salvaguardas bilaterais do capítulo do Acordo Mercosul-UE. O ato a ser adotado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho visa a proteger os setores agrícolas mais sensíveis, reconhecendo as preocupações dos agricultores europeus, sobretudo da França. O ato é unilateral e não reabre a negociação.
A Comissão vai manter entendimentos sobre essa questão com os países do Mercosul com vistas a assegurar a implementação do Acordo. Em vista da importância do assunto, a tendência é dos países do Mercosul não contestarem essa decisão unilateral e, se for o caso, também adotarem ato unilateral com sua interpretação.
‘O empurrão final foi dado pela nova política comercial dos EUA e a imposição unilateral de medidas restritivas e protecionistas que afetaram todos os países, aliados, como a Europa, e adversários, como a China, de forma significativa’
O empurrão final foi dado pela nova política comercial dos EUA e a imposição unilateral de medidas restritivas e protecionistas que afetaram todos os países, aliados, como a Europa, e adversários, como a China, de forma significativa. A incerteza e a imprevisibilidade dos desdobramentos dessa política norte-americana estão trazendo novas oportunidades e novas parcerias ao redor do mundo.
O acordo Mercosul-UE forma uma das maiores áreas de livre comércio global, com um mercado de mais de 750 milhões de pessoas, com um quinto do comércio global, e oferece oportunidades para ambos os lados nas áreas de comércio, investimentos e cooperação tecnológica.
‘O acordo permite que o Brasil se mostre com uma posição de equidistância entre os dois pólos tensionados no cenário global’
Do lado do Mercosul, o acordo permite que o Brasil se mostre com uma posição de equidistância entre os dois pólos tensionados no cenário global. Ninguém nega as vinculações do Brasil com o Ocidente nos princípios, valores e laços culturais (até a eleição do presidente Trompa), mas, nos últimos 15 anos, a economia brasileira ficou crescentemente dependente das compras dos países asiáticos e da China. Mais de 50% das exportações brasileiras são direcionadas para a Asia e 40% das exportações do agro nacional vão para a China.
Se tudo funcionar como previsto, a Comissão aprovará o acordo comercial e a assinatura poderá ocorrer em dezembro na reunião presidencial do Mercosul que se realizará no Brasil, durante a presidência brasileira. O acordo entre o Mercosul e a Área de Livre Comércio com a Europa (EFTA), que inclui os países não membros da UE, também deverá ser assinado até o final do ano.
A assinatura desses acordos recolocará o Mercosul no cenário global e novos acordos em negociação, como o com os Emirados Árabes Unidos e vários países asiáticos, poderão avançar. Os entendimentos entre o Mercosul e o Canadá e o México serão mais complexos e difíceis, por questões geopolíticas em vista da dependência das economias desses países com os EUA.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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