30 setembro 2025

As tarifas de Trump são o incentivo que os Brics precisavam

Considerando o desafio de criar consenso dentro do Brics desde sua expansão, as tarifas de Trump podem servir como um incentivo convincente para unir o grupo e impulsionar sua cooperação

Foto: PR

Por Luis Gouveia Jr*

Em julho, os Brics realizaram sua cúpula de 2025 no Rio de Janeiro. Poucos dias após a cúpula, Donald Trump usou sua rede social, Truth Social, para ameaçar aqueles que desejam se juntar aos BRICS. Em meio às ameaças tarifárias, o presidente dos EUA afirmou que os estados participantes das “políticas antiamericanas” dos Brics enfrentariam tarifas de 10%.

Algumas semanas depois, Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre as importações do Brasil, supostamente em resposta a processos judiciais contra Jair Bolsonaro. Pouco depois, ele anunciou tarifas de 50% sobre produtos provenientes da Índia – justificando as tarifas devido às importações indianas de petróleo e armas russos.

No Brasil e na Índia, as reações foram bastante semelhantes.

Seus respectivos líderes, o presidente Lula e o primeiro-ministro Narendra Modi, recusaram-se veementemente a seguir um caminho servil. Ambos alegaram que as tarifas de Trump constituem uma interferência estrangeira inaceitável e um ataque à soberania de seus países.

Lula afirmou que não se humilhará para fechar um acordo com os EUA. Mesmo no Brasil, altamente polarizado, a maioria da opinião pública parece apoiar as alegações de Lula.

Enquanto isso, na Índia, Narendra Modi afirmou estar pronto para “pagar o alto preço” para salvaguardar os interesses indianos. Se Trump realmente pretendia enfraquecer os Brics, suas políticas estão tendo o efeito oposto.

O presidente dos EUA está unindo o grupo em um momento em que eles enfrentavam desafios significativos.

Os Brics nunca foram um grupo completamente harmonioso em termos de interesses e posicionamento internacional. Índia e China têm uma rivalidade de longa data na Ásia.

A Índia há muito tempo vê com desconfiança a proximidade da China com o Paquistão, seu principal inimigo. Durante décadas, o país atuou como uma força para conter a expansão chinesa no sul da Ásia, incluindo o Oceano Índico.

Brasil, Índia e África do Sul têm consistentemente buscado manter uma postura não alinhada, recusando-se a se alinharem totalmente à Rússia em suas tensões com o Ocidente. Por exemplo, apesar de se recusarem a impor sanções à Rússia, presidentes brasileiros têm defendido a resolução do conflito.

Com a recente expansão do grupo, os Brics enfrentaram novos desafios devido a divergências internas de interesses.

A entrada do Irã representou um problema no consenso do grupo sobre a situação em Gaza. O Ministro das Relações Exteriores iraniano, Abbas Araghchi, afirmou que seu país não concorda com a solução de dois Estados na Palestina, conforme defendida na declaração dos BRICS de 2025.

O Irã também tem rivalidades significativas com os Emirados Árabes Unidos, incluindo interesses divergentes no Iêmen. Os Emirados Árabes Unidos são outro novo membro que se juntou aos Brics em 2023.

Além dos desafios políticos impostos pela presença do Irã, Egito e Etiópia também têm algumas rivalidades regionais, com posições divergentes nas tensões da Etiópia com a Eritreia. Se Brasil, Índia e África do Sul já se mostravam cautelosos em adotar uma postura antiamericana mais clara por meio do BRICS, Indonésia, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita são outros novos membros do BRICS que mantêm boas relações com os EUA.

O Bics é um grupo baseado em consenso. Com o aumento das divergências dentro do grupo, alguns esperavam que questões mais controversas dificilmente avançariam dentro do grupo. As políticas com maior potencial para criar polêmicas com os EUA avançariam mais lentamente. Um exemplo notável são as pretensões do Brics de suplantar o dólar no comércio internacional.

Em 2023, o Brasil, com o apoio da Rússia, liderou a proposta de avaliação da criação de uma moeda do Brics para o comércio intragrupo. A Índia rejeitou cautelosamente tal proposta, afirmando que preferia negociar em sua moeda nacional. Acima de tudo, a Índia não queria tomar uma medida que pudesse criar problemas com os EUA por causa da moeda do Brics.

Portanto, as ações de Trump demonstram que ele está interpretando mal o grupo e, mais importante, a atual dinâmica intra-Brics.

Embora a Índia e, em menor grau, o Brasil tenham atuado como forças que tentaram manter o grupo sem uma postura claramente anti-EUA, a imposição de tarifas a esses países os levará a perder o medo de ofender a sensibilidade americana.

Embora a moeda do Brics pareça improvável de avançar, um sistema de pagamentos do BRICS se torna ainda mais próximo da realidade. Buscando criar uma alternativa ao SWIFT, a declaração de 2025 afirmou o apoio à Força-Tarefa de Pagamentos do Brics e a intenção de estabelecer tal sistema financeiro. Se a Índia tem atuado como parceira cautelosa dentro do grupo por décadas, as tarifas americanas de 50% potencialmente romperão os laços que a inibiram de apoiar políticas que vão mais assertivamente contra os interesses dos EUA.

Não surpreendentemente, Lula afirmou que pretendia discutir as respostas do Brasil às tarifas de Trump com seus parceiros do Brics. Com o aumento da animosidade em relação à América do Norte Com os vizinhos da América Latina, o Brasil provavelmente recorrerá a novos parceiros comerciais.

O mesmo pode ser dito da Índia. Apesar da rivalidade geopolítica do país com a China, os dois gigantes asiáticos mantêm uma sólida parceria comercial. A China é o segundo maior parceiro comercial da Índia, superada apenas pelos EUA. Com as novas tarifas americanas, a China ganhará ainda mais influência econômica sobre o país.

Considerando o desafio de criar consenso dentro do Brics desde sua expansão, as tarifas de Trump podem servir como um incentivo convincente para unir o grupo e impulsionar sua cooperação. Suas tentativas de “punir” o Brasil e a Índia podem potencialmente distanciá-los dos EUA.

A estratégia de tratar aliados como adversários pode, às vezes, ser eficaz (como sugerido pela aceitação pela União Europeia dos termos dos EUA para reduzir tarifas). No entanto, alguns aliados, como o Brasil e a Índia, podem não aceitar tal comportamento.


*Luis Gouveia Jr é doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Coimbra/Centro de Estudos Sociais, Portugal. Sua pesquisa de doutorado, que analisa os BRICS e sua cooperação em segurança internacional, é financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Concluiu o mestrado em Estudos Latino-Americanos na Universidade de Oxford (St Antony’s College) e seu trabalho foi publicado em Alternatives, Frontiers in Political Science e Janus.

Este texto é uma republicação traduzida do portal E-International Relations sob uma licença Creative Commons CC BY-NC 4.0

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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