Ataques de Israel ameaçam o regime iraniano e o equilíbrio regional
A ampla rejeição popular e a voz das ruas tornam a extrema direita de Netanyahu e a autocracia repressora de Khamenei dois regimes muito parecidos. Mas as semelhanças param por aí. Netanyahu foi salvo por três guerras insufladas por seu governo. Em contraste, para a República Islâmica, uma guerra direta com Israel sempre foi o grande fantasma a evitar. O desenrolar desse cenário de visões antagônicas a respeito da guerra parece desacreditar o ditado popular – quando um não quer, dois não brigam.

Os ataques israelenses desta semana ao Irã foram a mais devastadora investida militar sofrida pelo país desde a guerra Irã-Iraque, na década de 1980. A iniciativa do governo israelense ocorre em um Oriente Médio marcado por flagrante inferioridade militar do Irã, por forte alinhamento de Netanyahu com Trump, e pela negociação em curso do programa nuclear iraniano.
Esse quadro coincide com uma conjuntura de crescente insatisfação popular com os regimes dos dois grandes países rivais – a extrema direita israelense e a autocracia islâmica iraniana. Nenhum desses três atores – Israel, Irã e EUA – contemplava a guerra como opção estratégica preferencial. Mas a combinação dos fatores antes indicados criou uma janela de oportunidade para Israel materializar a ilusão de sua hegemonia regional.
Mais uma vez o mundo vive, aterrorizado, sob a égide do futuro de uma Ilusão.
Inferioridade militar iraniana
A origem do atual conflito reside na dupla barbárie iniciada em 7 de outubro de 2023. O ato terrorista do Hamas foi responsável pela morte de 1.200 civis israelenses e pela tomada de 250 reféns. Por sua vez, o governo Netanyahu promoveu a destruição de cerca de 70% da infraestrutura da Faixa de Gaza, a morte de mais de 60 mil civis e o genocídio da população palestina.
A sequência dessa tragédia foi um conflito indesejado pelo Irã e transformado na tábua de salvação do governo Netanyahu – impopular, alvo de gigantescas manifestações de rua e muito próximo da derrocada política. O primeiro-ministro foi salvo pela guerra contra o Hamas.
‘Nesse momento de rendimentos políticos decrescentes da barbárie em Gaza, Netanyahu inaugurou uma “nova fase da guerra”’
Entretanto, o prolongamento do conflito deixou evidente a impossibilidade de eliminação do inimigo e a incapacidade de trazer os reféns de volta. Nesse momento de rendimentos políticos decrescentes da barbárie em Gaza, Netanyahu inaugurou uma “nova fase da guerra”, dessa vez contra o Hezbollah, no sul do Líbano. Em contraste com a frustração militar com o Hamas, as investidas no sul do Líbano tiveram êxito – humilharam o Hezbollah, com a explosão dos pagers, a destruição da principal base de lançamento de mísseis e a morte do líder Hassan Nasrallah.
A “nova etapa da guerra” – eufemismo para mais uma guerra – mudou a equação política. Um governo frustrado pela incapacidade de destruir o Hamas resgatava seu prestígio militar junto ao establishment. O saldo foi uma sucessão de indiscutíveis vitórias táticas que chegaram a neutralizar o maior proxy do Irã – o Hezbollah. A resposta iraniana veio com o inédito ataque direto de mísseis sobre Israel em 1º de outubro de 2024. Mas o ineditismo foi acompanhado de ineficácia, graças à interceptação da quase totalidade dos mísseis pelo Domo de Ferro israelense.
O conflito escalava, mas a guerra aberta não interessava a nenhum dos principais rivais. Além disso, para outro grande player – a Arábia Saudita conservadora e adversária do Irã revolucionário – as investidas contra Teerã eram bem-vindas, mas com a importante ressalva de não chegar no limite de uma guerra aberta. Riad e Tel Aviv mantinham uma aliança não escrita, mas os sauditas se afastaram de Israel em função da tragédia humanitária na Faixa de Gaza, além de serem tradicionais defensores da solução de dois Estados para a Palestina.
‘A inferioridade militar iraniana foi-se configurando a partir de abril de 2024, com a investida israelense contra a Embaixada iraniana em Damasco, e seus desdobramentos’
A inferioridade militar iraniana foi-se configurando a partir de abril de 2024, com a investida israelense contra a Embaixada iraniana em Damasco, e seus desdobramentos – o inédito ataque direto do Irã ao território israelense .
Os dois países cruzaram o Rubicão. Por primeira vez, o Irã não usou proxies, e atacou diretamente Israel. Esse revidou com cerca de 350 mísseis e drones sobre território iraniano, precedidos de investidas das Forças de Defesa Israelenses (FDI) a instalações nucleares e militares, além de atentados a oficiais de alta patente dos Guardas Revolucionários iranianos.
Embora sem causar perdas significativas, além de danificar a base do sistema de radar iraniano, os ataques registraram importante advertência -Israel chegou próximo do programa nuclear iraniano, o grande projeto estratégico e geopolítico do Irã.
‘A supremacia tecnológica e militar israelense ficou mais evidente ainda em novembro de 2024, com o cessar fogo entre Israel e o Hezbollah’
A supremacia tecnológica e militar israelense ficou mais evidente ainda em novembro de 2024, com o cessar fogo entre Israel e o Hezbollah, que resultou de uma conjuntura tripla: Israel lutava em três frentes e precisava concentrar esforços; o Hezbollah temia possível destruição, diante de novos ataques israelenses; e o Irã, fragilizado pela crescente oposição doméstica e ameaçado por mísseis israelenses, declinava de defender o principal integrante do “eixo da resistência” – o Hezbollah.
Até aquele momento, os EUA de Biden eram uma impotente superpotência. Não conseguiam deter o ímpeto belicista de Netanyahu, mas esse não se aventurava a uma guerra direta sem o apoio norte-americano. Trump mudou essa equação.
Alinhamento Netanyahu-Trump
O alinhamento entre Netanyahu e Trump já existia no primeiro mandato e foi a base dos Acordos Abraão, em cujo contexto Israel e as monarquias do Golfo estabeleceram relações diplomáticas. Mas o segundo mandato encontrou um Oriente Médio muito distinto – a barbárie/genocídio israelense em Gaza; um Irã inferiorizado diante da supremacia militar e tecnológica israelense; e o Programa Nuclear Iraniano – objeto de acordo desfeito pelo próprio Trump em 2018 – estava muito mais avançado e transformado na pedra angular da política iraniana.
Os primeiros cem dias de Trump tiveram a marca do absurdo Tarifaço, que tenta desfigurar a arquitetura econômica construída no imediato pós-guerra, procura subverter as cadeias globais de produção e propõe um protecionismo anacrônico e inviável. A rejeição dos mercados e dos agentes políticos a essa política comercial impensável no século XXI foi robusta e acirrou o embate econômico entre as duas superpotências. Diante desse cenário, o Oriente Médio acabou eclipsado. Mas o grande dilema de Trump II na região era conhecido. Qual política seguiriam os EUA com relação ao Irã – pressão máxima ou desescalada regional?
‘Em contraste com Biden, que nunca conseguiu controlar a caminhada de Netanyahu rumo ao genocídio em Gaza, Trump assumiu com a aura de grande peace maker no conflito na Faixa de Gaza e na guerra da Ucrânia’
Em contraste com Biden, que nunca conseguiu controlar a caminhada de Netanyahu rumo ao genocídio em Gaza, Trump assumiu com a aura de grande peace maker no conflito na Faixa de Gaza e na guerra da Ucrânia. Anunciou, em seu estilo bombástico, que terminaria a guerra no Oriente Médio em um dia. Aconteceu o oposto.
Seguro da aliança com o novo mandatário norte-americano, Netanyahu deixou crescer os assentamentos na Cisjordânia, agravou a barbárie humanitária em Gaza e promoveu uma escalada substancial na guerra, com uma sequência de ataques devastadores de mísseis sobre o Irã.
A escalada da guerra era evidente e agora dos dois lados. De nada adiantava Trump manifestar sua oposição oficial ao conflito, porque o efeito sobre o terreno era o oposto – o alinhamento Trump-Netanyahu era o motor oculto da guerra.
O dilema da guerra – neutralizar o programa nuclear ou ‘regime change’
Uma guerra aberta era indesejável – provocaria ataques de grande intensidade de Israel às instalações nucleares iranianas. Após longos anos de negociação, o Acordo sobre o Programa Nuclear Iraniano ( Joint Comprehensive Peace Agreement – JCPA) foi finalmente firmado em 2015, entre o Irã e os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha, graças, em grande medida, ao empenho de Obama.
A concertação plural de Obama, que viabilizou o Acordo, foi substituída pela política de maximum pressure, praticada por Trump, que se aliou à extrema direita israelense de Netanyahu e ao príncipe saudita Mohammed bin Salman – MBS. Apesar de ter curta duração – os EUA dele se retiraram em 2018 – o Acordo teve efeitos positivos, ao fortalecer os grupos reformistas iranianos.
‘É preciso lembrar que, apesar de a hierarquia religiosa não abrir mão de sua hegemonia política, nas últimas três décadas, o Irã teve três primeiros-ministros de corte liberal‘
É preciso lembrar que, apesar de a hierarquia religiosa não abrir mão de sua hegemonia política, nas últimas três décadas, o Irã teve três primeiros-ministros de corte liberal: Rafsanjani, em 1989; Khatami, em 1997; e Rouhani, em 2013 e reeleito em 2017. No primeiro mandato de Rouhani, foi assinado o JCPA, com o apoio decisivo de Obama. O Acordo foi um marco na política iraniana e parecia abrir caminho para a superação da histórica desconfiança iraniana em relação aos EUA desde 1979.
Mas o caminho foi fechado. O Acordo Nuclear teve curta duração, e em 2018 Trump determinou a retirada dos EUA, aplicou sanções ao Irã e transferiu a Embaixada norte-americana para Jerusalém.
O acordo sobre o programa nuclear iraniano era o grande instrumento de moderação do sistema político iraniano. Seu rompimento significou forte retrocesso e a marginalização dos liberais, consolidada com a eleição do ultraconservador Ebrahim Raisi. O novo Presidente foi muito ligado aos Guardas Revolucionários, à ala mais reacionária do clero islâmico e defensor de um programa nuclear com níveis mais altos de enriquecimento de urânio e destinado a fins bélicos.
Conclusão
A ampla rejeição popular e a voz das ruas tornam a extrema direita de Netanyahu e a autocracia repressora de Khamenei dois regimes muito parecidos. Mas as semelhanças param por aí. Netanyahu – à beira do abismo político – foi salvo por três guerras insufladas por seu governo: contra o Hamas; contra o Hezbollah; e contra o Irã. Em contraste, para a República Islâmica, uma guerra direta com Israel sempre foi o grande fantasma a evitar. O desenrolar desse cenário de visões antagônicas a respeito da guerra parece desacreditar o ditado popular – quando um não quer, dois não brigam.
Irã
Desde os primeiros anos da Revolução Iraniana de 1979, o país vive a dualidade de uma sociedade civil vibrante versus um Estado islâmico repressor. O analista iraniano Ali Vaez assim caracteriza o regime. “É uma teocracia que inadvertidamente secularizou a população. É uma república que demoliu a base participativa para legitimar seu poder.”
Aquela dualidade se reflete numa estrutura de poder fracionada entre o presidente da República eleito pelo povo, e o líder supremo escolhido pela hierarquia religiosa. Nos momentos em que o presidente tinha forte apelo popular e adotava medidas liberalizantes, a rivalidade entre as duas figuras se agravava, e a mão pesada do líder supremo se impunha. Foi assim com Rafsanjani, Khatami e Rouhani.
Esse último, nos dois mandatos presidenciais, de 2013 a 2021, combateu o militarismo dos Guardas Revolucionários ( International Revolutionary Guards Council- IRGC),o extremismo religioso, valorizou quadros técnicos, e em 2015 foi responsável pela aprovação do Acordo sobre o Programa Nuclear Iraniano.
‘Essa onda liberal foi interrompida por presidentes autoritários, fiéis ao clero islâmico, e eleitos em pleitos com sérias acusações de fraude’
Essa onda liberal foi interrompida por presidentes autoritários, fiéis ao clero islâmico, e eleitos em pleitos com sérias acusações de fraude, como Ahmadinejad (2005-2013) e Raisi (2021-2024). Em julho de 2024, após a morte desse último, foi eleito o moderado Masoud Pezeskian, que não teve tempo nem clima para alterar o jogo político.
A política interna iraniana oscila entre duas forças. De um lado, estão o Líder Supremo Khamenei ( sucessor de Khomeini desde a morte desse em 1989) e os Guardas Revolucionários (IRGC). Do outro lado, se situam os presidentes liberais, apoiados pela classe média, por intelectuais, estudantes e por amplos segmentos da sociedade civil.
O desgaste de 46 anos do clero islâmico no poder, somado à repressão política e de costumes contribuem para o enfraquecimento do regime.
‘O Irã de hoje é uma sociedade muito mais complexa e uma população altamente insatisfeita com o regime’
O Irã da Revolução de 1979 era um país de 34 milhões de habitantes, metade agrária, que tinha como amálgamas o fervor religioso, a aspiração de liberdade e a fé em Khomeini. O Irã de hoje é uma sociedade muito mais complexa – cerca de 90 milhões de habitantes, 75% urbana, com maioria de jovens, grande contingente de universitários, e uma população altamente insatisfeita com o regime.
A primeira pergunta é por que esse caldo de cultura não provocou a queda do regime. A resposta mais óbvia é a brutal repressão, que cresce sempre que milhões de mulheres vão às ruas, como em setembro de 2022, após a trágica tortura e morte da jovem Mahsa Amini, presa pela banalidade do uso impróprio do véu islâmico e sob custódia da polícia.
‘As expectativas crescentes de mudança com a eleição de presidentes reformistas foram sempre reprimidas e eliminadas. O corolário é desencanto, desilusão e a fadiga de revolução’
Outra resposta é um mix de falta de alternativa com fadiga de revolução. Os quadros liberais foram sendo marginalizados de forma recorrente, ao longo dos mandatos de vários presidentes reformistas. Quem assumiria o poder em caso de derrocada do regime? Essa é uma pergunta sem resposta. A isso se somam quatro décadas e meia de dominação política e brutal repressão social. As expectativas crescentes de mudança com a eleição de presidentes reformistas foram sempre reprimidas e eliminadas. O corolário é desencanto, desilusão e a fadiga de revolução.
A segunda pergunta está ligada à guerra aberta deflagrada por Israel nos últimos três dias, e aos ataques devastadores a instalações militares e nucleares. O que poderá acontecer com o regime islâmico? No curto prazo, a consequência deverá ser semelhante à guerra Irã-Iraque – o nacionalismo cresce e reforça o regime. Entretanto, nos médio e longo prazos, o cenário poderá ser diferente. A recessão econômica, a paralisia política e o caos social poderão produzir um clima de forte e prolongada instabilidade, com a fragilização e possível derrocada do regime.
Israel
Como antes assinalado, o governo de Netanyahu estava à beira do abismo, quando foi salvo por três guerras por ele insufladas. A primeira resultou da barbárie praticada pelo Hamas, ao liquidar 1200 israelenses e fazer 250 reféns. A resposta israelense – totalmente desproporcional – transformou-se em outra barbárie. Quando essa primeira do conflito começou a produzir rendimentos políticos decrescentes para o primeiro-ministro, esse inaugurou a chamada “nova etapa da guerra”, na realidade uma segunda guerra, dessa vez destinada a destruir o Hezbollah. Com a vitória eleitoral de Trump e a aliança incondicional com Israel, Netanyahu lançou-se à almejada ousadia de destruir as instalações nucleares do Irã – era sua terceira guerra.
Com um conflito aberto de grandes proporções com seu grande rival na região, o futuro de Israel deverá depender, entre outros, de três fatores principais: a trajetória da guerra e do Programa Nuclear Iraniano; o envolvimento dos EUA; e as oscilações da política israelense, tendo como referência o papel político de Netanyahu.
‘O saldo dos primeiros ataques mútuos da guerra parece privilegiar Israel’
O saldo dos primeiros ataques mútuos da guerra parece privilegiar Israel. Mais de duas centenas de mísseis e drones iranianos sobre o território israelense produziram forte abalo emocional na população civil, mas poucos danos em termos de destruição da infraestrutura física e de vítimas fatais. A ajuda norte-americana e de países vizinhos, além da proteção do domo de ferro, minimizaram os danos.
Em contraste, os mísseis lançados por Israel liquidaram grande parte do sistema de defesa aérea iraniano, o que deverá facilitar investidas futuras, inclusive sobre plantas iranianas de óleo e gás. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a maior planta de enriquecimento de urânio no Irã – Fordow – foi atacada, mas pouco se sabe sobre suas mais de duas mil centrífugas. A partir de 2018, quando os EUA se retiraram do Acordo Nuclear Iraniano, o país aumentou o número de centrífugas e passou a enriquecer urânio a 60%, o que viabilizaria a produção de artefato nuclear em pouco tempo. Atentados israelenses contra cientistas envolvidos no programa nuclear produziram diversas mortes, inclusive do Chefe da Organização de Energia Atômica do Irã, além do físico e Reitor da Universidade Islâmica de Azad.
O objetivo maior da guerra – a destruição das instalações nucleares iranianas – até agora parece de difícil concretização. Diversos analistas indicam que apenas com a ajuda dos EUA haveria alguma possibilidade de destruir as plantas nucleares. Entretanto, mesmo assim, há grandes dúvidas, o que estimula um plano alternativo, veiculado por autoridades israelenses, de promover a desestabilização do país e a derrocada do regime. Caso exitosa, essa alternativa teria como consequência – sempre na perspectiva israelense – inviabilizar o Programa Nuclear Iraniano.
‘Embora Trump negue qualquer envolvimento na guerra, o mais provável é que tenha havido alguma coordenação entre EUA e Israel destinada a promover, tanto uma tática de guerra, protagonizada pelas Forças de Defesa Israelenses (FDI), como uma tática diplomática – a negociação de um novo Acordo sobre o Programa Nuclear’
Um cenário alternativo seria algum avanço, entre EUA e Irã, nas negociações destinadas a viabilizar um novo Programa Nuclear Iraniano. Embora Trump negue qualquer envolvimento na guerra, o mais provável é que tenha havido alguma coordenação entre EUA e Israel destinada a promover, tanto uma tática de guerra, protagonizada pelas Forças de Defesa Israelenses (FDI), como uma tática diplomática – a negociação de um novo Acordo sobre o Programa Nuclear. Esse modelo duplo teria o objetivo de enfraquecer o Irã e, em seguida, negociar em condições mais vantajosas para Israel. De qualquer forma, compreensivelmente, autoridades iranianas negam qualquer negociação do Acordo, enquanto Israel continuar lançando mísseis sobre o país.
Além da evolução da guerra, o outro elemento central para os destinos do país está ligado às oscilações da política interna israelense, estruturada em quatro blocos – esquerda, direita, religioso e árabe. A esquerda tem visão mais pragmática da política externa e defendia, nos anos 1990, a cessão de territórios para a formação de um Estado Palestino. A direita prioriza uma visão nacionalista e favoreceu historicamente o uso da força no conflito árabe-israelense.
Desde a criação de Israel em 1948 até 1977, a coalizão liderada pelo Partido Trabalhista sempre alcançava maioria no Knesset. Entretanto, a partir de então, os trabalhistas perderam muitas cadeiras no Parlamento, enquanto o Likud cresceu e se aproximou de uma maioria. Esse declínio acelerado do partido Trabalhista – responsável, em grande medida, pela criação do Estado de Israel e hegemônico por mais de três décadas – experimenta um acelerado declínio político, que atingiu seu nível mais baixo em 2022, quando obteve apenas 4 cadeiras, em contraste com 51, no início dos anos 1970.
‘Para neutralizar opositores e impedir sua condenação nos muitos processos de corrupção, Netanyahu se lança a uma busca desesperada de apoio político em partidos pequenos de extrema direita e religiosos’
Esse desmonte da esquerda israelense coincide com a ascensão de Netanyahu, que assume como Primeiro-Ministro em 2009. Os partidos tradicionais – Trabalhista e Likud – perdem influência, ocorre fragmentação do sistema político, com a permanência de Netanyahu no poder, o que acentua as distorções do sistema político. Para neutralizar opositores e impedir sua condenação nos muitos processos de corrupção, Netanyahu se lança a uma busca desesperada de apoio político em partidos pequenos de extrema direita e religiosos.
O resultado dessas alianças de conveniência foi uma política de integral apoio à expansão dos assentamentos na Cisjordânia e o aumento dos subsídios às comunidades ortodoxas. Nessa sequência de distorções do sistema político, Netanyahu promove ataques recorrentes ao Judiciário e inclui membros do Partido Sionista, da extrema direita religiosa, no Gabinete formado em 2022.
Como parte desses movimentos, o primeiro-ministro indica Bezalel Smotrich como ministro das Finanças e Itamar Bem Guir, como Ministro da Defesa. Os dois são membros do inner circle com papel proeminente na política externa e de segurança. Os dois são supremacistas judeus, acreditam que os palestinos “não pertencem a Israel” e que a Cisjordânia deve ser incorporada ao Estado judeu. Ambos advogam o uso da violência contra os palestinos e o prolongamento do conflito na Faixa de Gaza até a destruição total do Hamas. O Ministro das Finanças fez declarações públicas a favor da limpeza étnica dos palestinos na Faixa de Gaza.
A avaliação precedente focalizou os três fatores principais que condicionam os destinos de Israel – a evolução da guerra e do Programa Nuclear Iraniano, o envolvimento dos EUA, e as oscilações da política interna israelense.
Os primeiros dias da guerra demonstram a conhecida superioridade tecnológica e militar de Israel, mas o objetivo maior – a destruição do Programa Nuclear Iraniano – parece ainda muito distante, assim como a projetada derrocada do regime islâmico. Até agora o perfil de peace maker – implícito nas bombásticas declarações de Trump sobre o rápido fim das guerras na Faixa de Gaza e na Ucrânia – mais parece o oposto, uma vez que sua aliança incondicional com Netanyahu foi a pedra angular para o lançamento do conflito com o Irã.
Finalmente, as turbulências da política interna israelenses tornam claros os descaminhos de um primeiro-ministro refém de personagens ligados à limpeza étnica dos palestinos e à continuação da guerra a qualquer preço na Faixa de Gaza. Um líder com esse perfil, apoiado pela superpotência norte-americana, cercado por assessores desqualificados, é um mau presságio para Israel, para o Oriente Médio e para a humanidade.
Sergio Abreu e Lima Florêncio é colunista da Interesse Nacional, economista, diplomata e professor de história da política externa brasileira no Instituto Rio Branco. Foi embaixador do Brasil no México, no Equador e membro da delegação brasileira permanente em Genebra.
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