26 junho 2025

Brics firma-se como força de mudança na arquitetura financeira internacional

Se o Brics quiser se tornar uma força transformadora, é necessário reforçar a coordenação interna e ampliar parcerias com outros países em desenvolvimento

Brasil abre evento do Brics pedindo fim de guerras e de tensões (Foto: Agência Brasil)

Por Ana Saggioro Garcia*

O Brasil receberá a cúpula do Brics+ em julho desde ano, completando 16 anos desde a primeira reunião de líderes em 2009. Naquele momento, o mundo enfrentava a crise financeira global, iniciada em 2008 nos EUA. A percepção de que as instituições financeiras internacionais não refletiam a distribuição de poder na economia global uniu os países do Brics.

Sua demanda comum foi, portanto, a de reformar essas instituições, com destaque para o Fundo Monetário Internacional (FMI), que havia demonstrado limitações na prevenção da crise financeira de 2008. Assim, o Brics, em sua fase inicial, adotou uma agenda reformista, buscando maior representatividade e influência nas instituições existentes, sem necessariamente confrontá-las. Porém, essa agenda reformista foi perdendo força à medida que as tensões geopolíticas se intensificaram.

Atualmente, mais de 20 países solicitaram adesão ao grupo, incluindo grandes produtores e exportadores de petróleo. Nesse contexto, fatores como as crescentes tensões entre Estados Unidos e a China, a ocupação da Crimeia seguida pela invasão da Ucrânia pela Rússia, o debate sobre alternativas monetárias ao dólar norte-americano e a ampliação do bloco para países regionalmente relevantes, têm contribuído para a transformação do Brics em uma coalizão geopolítica.

Promoção de reformas estruturais

Apesar dessa inflexão para a geopolítica, os países do Brics continuam a desempenhar um papel estratégico na promoção de reformas estruturais da arquitetura financeira internacional, sobretudo se atuarem de forma coordenada e articulada com outros países em desenvolvimento. Conforme debatemos no âmbito do G20, a estrutura financeira vigente, moldada no pós-Segunda Guerra Mundial, mostra-se crescentemente disfuncional frente aos desafios contemporâneos do desenvolvimento.

Segue sendo prioritário que o Brics+ atue conjuntamente em prol da reforma do sistema de cotas e de governança do Fundo Monetário Internacional (FMI), assegurando uma representação mais equitativa dos países do Sul Global.

Paralelamente, é necessário que pressionem pela revisão da política de empréstimos do FMI, especialmente no que tange à definição de limites para as taxas de juros dos Direitos Especiais de Saque (SDRs), de modo a proteger os países tomadores do encarecimento excessivo da dívida durante crises financeiras. Adicionalmente, deve-se fomentar um modelo anticíclico para o sistema de sobretaxas, que funcione como um mecanismo de proteção — e não de penalização — em períodos de vulnerabilidade fiscal.

Torna-se urgente, assim, um redesenho profundo dos instrumentos financeiros multilaterais. O atual Common Framework do G20, por exemplo, carece de mecanismos efetivos para obrigar a participação dos credores privados nos processos de reestruturação da dívida, e tampouco incorpora critérios associados às responsabilidades climáticas ou sociais dos países devedores.

Melhoria de quadros fiscais e busca de recursos para o clima

Hoje o BRICS+ é composto tanto por países credores (a China), quanto por devedores (Egito, Etiópia e África do Sul). A Etiópia, novo membro do Brics+, está em negociação sobre tratamento da dívida no G20 desde 2021. Se o Brics quiser “liderar pelo exemplo”, a China deve aliviar de forma significativa a dívida mantida com países do Brics, de forma apoiá-los a melhorar seu quadro fiscal e aumentar recursos disponíveis para o investimento em desenvolvimento e clima.

Outra frente essencial de ação diz respeito à reforma da Análise de Sustentabilidade da Dívida (DSA) conduzida pelas instituições financeiras internacionais. Os métodos atualmente utilizados ignoram as necessidades de investimento em áreas críticas como adaptação climática, transição energética e inclusão social.

É imperativo incorporar objetivos de desenvolvimento de longo prazo nos critérios de avaliação da sustentabilidade das dívidas soberanas. O Brics+ deve agir de forma concertada, em diálogo com outros países em desenvolvimento e com o sistema das Nações Unidas, para estabelecer as bases de um marco multilateral de governança da dívida. Tal arcabouço pode incluir novos parâmetros de DSA; incentivos à participação dos credores privados; ampliação do leque de países elegíveis; mecanismos de transparência — como um registro internacional de dívidas soberanas — e compromissos com direitos humanos, equidade de gênero e salvaguardas ambientais.

Presidência brasileira

A presidência brasileira dos Brics+ pode acelerar a implementação do Arranjo Contingente de Reservas (ACR) para apoiar países com dificuldades na balança de pagamentos. O mecanismo precisa ser fortalecido por meio de um redesenho que amplie a parcela desvinculada do Fundo Monetário Internacional (atualmente limitada a 30% dos recursos). O ACR deve incorporar uma cesta de moedas que contemple os novos membros dos Brics e operar empréstimos em moedas locais, reduzindo a exposição ao dólar americano. Sempre que possível, os empréstimos devem ser concedidos na moeda do país beneficiado, mitigando os impactos do endividamento externo.

É igualmente relevante destacar que, em 2024, os países do Brics reconheceram a importância estratégica da recém-estabelecida Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Cooperação Tributária Internacional (UNFCITC). A criação dessa convenção foi uma demanda histórica dos países em desenvolvimento, que enxergam na ONU um fórum mais democrático e representativo do que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tradicionalmente dominada pelos interesses das economias centrais.

A OCDE tem liderado as negociações sobre a agenda de combate à erosão da base tributária e à transferência de lucros (BEPS), culminando na proposta dos Dois Pilares para a reforma da tributação internacional. Contudo, o acordo formulado nesse âmbito tem se mostrado insuficiente para responder às necessidades dos países do Sul Global.

Nesse contexto, o Brics+ tem um papel crucial a desempenhar na consolidação da UNFCITC como novo lócus institucional para o avanço de normas tributárias globais. Além disso, durante o G20 realizado em 2024, foi apresentada a proposta de criação de um imposto global sobre indivíduos de alto patrimônio líquido — proposta reiterada na Declaração de Kazan.

Para que essa agenda avance de maneira, os países do Brics+ precisam construir um consenso interno em torno da proposta e agir de forma coordenada com outros países em desenvolvimento no fortalecimento da UNFCITC, de modo a garantir que os novos mecanismos tributários sejam moldados por princípios de justiça fiscal e solidariedade internacional.

Construir uma arquitetura financeira internacional alternativa requer adotar uma perspectiva contra-hegemônica voltada aos interesses coletivos do Sul Global. Se o Brics quiser se tornar uma força transformadora, é necessário reforçar a coordenação interna e ampliar parcerias com outros países em desenvolvimento.


Ana Saggioro Garcia, Professora Adjunta de Relações Internacionais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

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