21 agosto 2025

Como a extrema-direita cultiva a falta de confiança nas instituições para se beneficiar

Ao atacar o Congresso, os políticos colaboram para a deterioração da imagem institucional, mas reforçam o apoio de suas bases eleitorais cada vez mais radicalizadas.

Por Hilton Cesario Fernandes*

A convivência com políticos radicais sempre é difícil e faz parte do processo democrático. Seus próprios pares tendem a neutralizar os ímpetos daqueles mais exaltados com algum isolamento ou medidas disciplinares brandas, que raramente chegam ao ponto de excluir algum representante. No Brasil, Jair Bolsonaro é um dos exemplos mais evidentes, pelas diversas afrontas ao decoro parlamentar em sua carreira que nunca foram devidamente enfrentadas.

Parte da fraca reação aos extremistas pode ser explicada pelo corporativismo e o receio de políticos de criar antecedentes que possam afetá-los no futuro. Punições mais duras também podem ter sido evitadas por constrangimento diante das ameaças de seus adeptos, tanto na agressividade imoderada das redes sociais digitais como em comportamentos criminosos que podem recorrer até à violência propriamente dita. Foi o que ocorreu nos ataques em Brasília quando da diplomação de Lula, nas invasões do 8 de janeiro de 2023, na tentativa de atentado a bomba contra o Supremo Tribunal Federal (STF), e, de certa forma, com a ocupação do congresso por políticos de extrema direita no início de agosto.

O último caso é emblemático do que tem sido o modus operandi da extrema direita, que se declara censurada ou injustiçada para, logo em seguida, lançar mão da desobediência com a justificativa de que os meios institucionais não funcionam. Não que não houvesse saídas regimentais para obstruir sessões no Congresso, mas nenhuma delas forçaria os limites legais, nem daria a visibilidade que os parlamentares buscavam. A alegação de “protesto pacífico” pode até funcionar para quem vê as fotos das ocupações, mas perde força quando os próprios deputados e senadores divulgam frases de efeito e ameaças em suas redes sociais.

As instituições são o alvo principal dos extremistas

As condições que possibilitaram esses ataques vêm sendo desenvolvidas ao longo de anos, com provocações e descumprimentos de regras com o objetivo de testar os limites das instituições, normalizar as críticas e propagar dúvidas a respeito das normas legais e sociais.

Não se trata de questionamento, o que pode ser saudável para a Democracia, mas de um desgaste proposital das instituições que beneficiará apenas aqueles que gritam mais alto, que se consideram acima das leis e não têm pudor em usar quaisquer recursos para alcançar seus próprios interesses. O cientista político Giuliano da Empoli há tempos alerta sobre esse processo e como as ferramentas de comunicação digital, em especial as redes sociais, colaboram ao gerar uma falsa sensação de que o cidadão não precisa mais dos meios formais para mediar seus interesses, ao mesmo tempo em que facilitam o discurso transgressor típico de lideranças populistas.

A partir do momento em que as instituições perdem a confiança da população, suas ações são facilmente colocadas em dúvida, e quem as enfrenta pode ser visto como herói. Foi essa a tentativa de Jair Bolsonaro no 7 de setembro de 2021, ao dizer claramente que não iria obedecer às ordens do ministro do STF, Alexandre de Moraes. O recuo nos dias seguintes apenas comprovou a estratégia de testar os limites institucionais enquanto os esgarça.

Do mesmo modo, as críticas às urnas eletrônicas não se referiam apenas aos equipamentos, os ataques à imprensa não buscavam denunciar conspirações e nem o movimento antivacina estava preocupado com efeitos colaterais do medicamento. Essas ações fazem parte de um conjunto de ideias que buscam minar a confiança nas instituições, aumentando o sentimento dos cidadãos de que estão sendo enganados e que necessitam de salvadores com a coragem de denunciar o grande arranjo que controla a sociedade. Cria-se, assim, um novo demônio, que pode ser culpado por tudo que for negativo na vida do cidadão. O salário baixo, a multa de trânsito, a inflação, o fracasso nos negócios, a prisão por falta de pagamento da pensão, tudo é culpa deste grande conluio de políticos e idealistas que assumiram o poder e tiraram os privilégios, ou melhor, os “direitos” da população.

A desconfiança é um campo fértil para o populismo

A verdade é que este comportamento conquista votos. De acordo com uma pesquisa da Ipsos-IPEC divulgada em julho de 2025, importantes instituições políticas (Congresso, Presidência e partidos,) possuem baixos níveis de confiança da população, o que promove o surgimento de lideranças que se autodeclaram anti-sistema. Ironicamente, ao atacar o Congresso, os políticos colaboram para a deterioração da imagem institucional, mas reforçam o apoio de suas bases eleitorais cada vez mais radicalizadas.

Diante disso, torna-se difícil para o cidadão comum compreender o que realmente está acontecendo no cenário político. O que antes poderia ser óbvio, agora gera dúvidas frente ao inusitado e à falta de confiança nas fontes de informação. Não é surpreendente, portanto, que a ocupação do Congresso por políticos de extrema direita não tenha gerado indignação generalizada entre os brasileiros. Afinal, se as instituições não são confiáveis, toda manifestação em defesa de direitos pode ser aceitável.

Da mesma forma, o discurso de censura e perseguição começa a fazer sentido em um contexto de desinformação. Não por acaso, uma pesquisa do Datafolha divulgada dias antes da ocupação mostrou que 45% dos brasileiros acreditam que Jair Bolsonaro está sendo perseguido e injustiçado, enquanto 50% discordam dessa afirmação e apenas 5% não souberam opinar.

A árdua tarefa será reconstruir a confiança nas instituições a partir das próprias instituições. Dentro das práticas democráticas, é possível pensar em ações que permitam essa recuperação, como o aumento da participação social, do envolvimento em decisões políticas e da transparência das esferas públicas. Entretanto, os que hoje se beneficiam deste quadro pouco estão preocupados com a democracia. Continuarão agindo apenas para seus próprios interesses e, enquanto estiverem ganhando votos, garantirão o poder para isso.


Hilton Cesario Fernandes, Cientista Social e Professor na pós-graduação em Ciência Política, Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

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