28 maio 2025

Cooperação dá lugar à competição geopolítica na Antártida, e Brasil pode perder espaço

O futuro da Antártida será definido nas próximas décadas. O Brasil está diante de uma escolha estratégica: investir e se manter protagonista, ou correr o risco de ser espectador em um processo de redefinição das regras globais

O Grupo-Base da Estação Antártica Brasileira (Foto:Governo Federal)

Por Armando Alvares Garcia Júnior*

A Antártida tornou-se peça-chave do xadrez geopolítico contemporâneo. Em um cenário internacional marcado por disputas de poder, grandes potências enxergam o continente gelado como território estratégico para a projeção de influência global, segurança e acesso a recursos naturais. A intensificação da presença de Estados Unidos, China e Rússia na região, com investimentos em infraestrutura, tecnologia e pesquisa, exige que o Brasil reavalie sua postura e fortaleça sua política para garantir relevância e defesa de seus interesses no Polo Sul.

A presença brasileira na Antártida se consolidou há quatro décadas, com o início do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) e a instalação da Estação Antártica Comandante Ferraz. Inaugurada em 1984 na Ilha Rei George, a base foi reconstruída e modernizada, reabrindo em 2020 após um incêndio que a destruiu em 2012.

Com laboratórios de ponta, capacidade para dezenas de pesquisadores e operações o ano todo, a estação brasileira abriga projetos nas áreas de clima, oceanografia, biologia, glaciologia e geociências. O país ainda opera o módulo Criosfera 1 no interior do continente, utiliza navios de apoio e mantém equipes de cientistas em campanhas sazonais. Toda essa estrutura assegura ao Brasil o status de membro consultivo do Tratado da Antártida, com direito de participar das decisões sobre o futuro do continente.

Mas a dinâmica global mudou rapidamente nos últimos anos. EUA, China e Rússia agora vêem a Antártida como espaço de disputa por poder, informação e possíveis riquezas. Os norte-americanos alertam para atividades de uso duplo, em que pesquisas científicas se misturam a objetivos militares ou de coleta de dados estratégicos. A China expandiu sua presença, inaugurou sua sexta base em 2024 e investe em infraestrutura de comunicação avançada, com capacidade para monitoramento por satélite. A Rússia modernizou instalações históricas e reativou antigas estações, além de ampliar sua logística polar.

O crescimento dessas potências gera pressões por mudanças nas regras atuais, especialmente diante da possibilidade de revisão do Protocolo de Madri a partir de 2048, o que pode reabrir discussões sobre exploração mineral e energética no continente.

Competição comercial toma lugar da cooperação científica

O ambiente polar, antes dominado por uma cultura de cooperação científica, passou a incorporar elementos de competição e vigilância. A instalação de radares, comunicações criptografadas e tecnologias sensíveis aproxima a Antártida do cenário de outras regiões disputadas do planeta. O monitoramento ambiental e o controle sobre áreas de pesca, tráfego marítimo e possíveis rotas de navegação, tornam-se fatores de poder. A presença militar disfarçada de cooperação científica ganhou espaço nos debates estratégicos.

O impacto geopolítico para o Brasil vai além da ciência. O país exerce papel de destaque no Atlântico Sul e construiu histórico de liderança entre os países do Sul Global, defendendo a ideia de governança equilibrada e respeito à soberania dos Estados emergentes. A atuação antártica fortalece parcerias regionais, em especial com Argentina e Chile, e garante acesso a informações essenciais para o entendimento do clima, dos oceanos e das dinâmicas ambientais que afetam diretamente o território brasileiro. O direito de participar das negociações internacionais depende do compromisso permanente com a pesquisa e com a manutenção da infraestrutura polar.

Há riscos claros de marginalização. Países com presença contínua tendem a influenciar a redação de normas, a divisão de áreas de interesse e o acesso a recursos estratégicos. O Brasil, ao garantir operações regulares e protagonismo científico, preserva seu espaço em fóruns decisórios: Reunião Consultiva do Tratado da Antártida, a Comissão para a Conservação dos Recursos Marinhos Vivos Antárticos e o Comitê para Proteção Ambiental.

Caso o país se retraia, perde o direito de voto e voz nas discussões, abrindo caminho para decisões tomadas exclusivamente pelas grandes potências. O acesso a dados meteorológicos, a participação em projetos globais de modelagem climática e o desenvolvimento de tecnologias adaptadas às mudanças ambientais dependem do envolvimento direto no continente gelado.

Região é estratégica na ciência, na economia e na diplomacia

A Antártida influencia o regime de chuvas e os ciclos do Atlântico Sul, impactando agricultura, energia e recursos hídricos brasileiros. O controle sobre informações científicas é também fator de poder econômico e diplomático. Países que lideram pesquisas em mudanças climáticas ganham espaço em negociações sobre comércio, sustentabilidade e financiamento internacional. O monitoramento de possíveis novas rotas marítimas, diante do degelo polar, pode redefinir fluxos comerciais e rotas de exportação.

A diplomacia brasileira precisa atuar em múltiplos níveis. O fortalecimento do PROANTAR, a modernização da Estação Comandante Ferraz e a ampliação da rede de cooperação científica com países do hemisfério sul tornam-se prioridades de política externa. O país pode liderar uma agenda que combine pesquisa, defesa ambiental e proteção de interesses estratégicos. A construção de alianças com parceiros regionais e africanos reforça o posicionamento do Brasil diante das grandes potências, ampliando sua capacidade de barganha.

O futuro da Antártida será definido nas próximas décadas. O Brasil está diante de uma escolha estratégica: investir e se manter protagonista, ou correr o risco de ser espectador em um processo de redefinição das regras globais. O continente gelado pode parecer distante, porém suas dinâmicas já moldam o presente e o futuro da segurança, do desenvolvimento e da soberania nacional. Manter-se relevante na Antártida é garantir que o Brasil tenha voz ativa em um dos tabuleiros mais sensíveis da geopolítica contemporânea.


*Armando Alvares Garcia Júnior, PDI. Derecho Internacional Público y Relaciones Internacionales, UNIR – Universidad Internacional de La Rioja

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

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