Crise política no Reino Unido
Instabilidade política e econômica gerou nos últimos anos uma sucessiva troca de primeiros-ministros, semelhante ao que ocorre na Itália ou em países do Terceiro Mundo
Instabilidade política e econômica gerou nos últimos anos uma sucessiva troca de primeiros-ministros, semelhante ao que ocorre na Itália ou em países do Terceiro Mundo
Por Rubens Barbosa*
A vida não tem sido fácil para o Partido Conservador na Inglaterra. Depois da saída da União Europeia (Brexit), o país entrou em um momento delicado pelo agravamento simultâneo da crise econômica e da desorganização política. Essa instabilidade gerou nos últimos anos uma sucessiva troca de primeiros-ministros (Cameron, Teresa May, Boris Johnson, Truss), semelhante ao que ocorre na Itália ou em países do Terceiro Mundo.
A economia da Inglaterra desacelerou e a inflação subiu a níveis históricos. As pendências legais com a União Europeia no tocante à Irlanda e ao comércio exterior continuam a desafiar o governo de Londres. Do ponto de vista político, o Partido Conservador, com ampla maioria no Parlamento, evita a convocação de novas eleições gerais, exigida pela oposição, pelo desgaste interno e a inevitável derrota para o Partido Trabalhista, mas não pode conter a insatisfação de seus membros, refletida nas sucessivas escolhas para a liderança de um partido dividido.
O último capítulo foi vivido esta semana com a renúncia da premiê Liz Truss, sucessora de Boris Johnson, o grande articulador do Brexit. Liz Truss, a breve, tornou-se a líder britânica com menor tempo (44 dias) na chefia do governo na história política de seu país, expondo toda sua debilidade e incompetência. Até uma alface durou mais do que a primeira-ministra, gozou um tabloide londrino.
Depois de um longo processo de escolha da nova liderança no Partido Conservador, a nova primeira-ministra apresentou seu plano para recuperar a combalida economia e manter as rédeas do poder. O plano, que visava basicamente estimular a economia, previa cortes severos de impostos para os mais ricos e para as empresas, e, em paralelo, aumentos de crédito e um empréstimo bilionário para tentar cobrir o rombo nas contas públicas, estimado em 45 bilhões de libras (R$ 266 bilhões). A proposta foi muito mal recebida no país, em um momento no qual a inflação do Reino Unido ultrapassou os 10% – a maior taxa nos últimos 40 anos -, e fez a libra desabar para o menor valor da história frente ao dólar. O Partido Conservador retirou-lhe o apoio, Truss voltou atrás em seu plano econômico, demitiu o secretário do Tesouro e não lhe restando outra alternativa, acabou por renunciar.
A escolha do novo primeiro-ministro, o quinto em seis anos, deverá ser mais rápida do que a anterior. Truss disse que, em uma semana, seu sucessor seria indicado. Não está claro quem poderá assumir. No entanto, alguns nomes já estão sendo cogitados – entre eles o do próprio ex-premiê Boris Johnson. Segundo o jornal britânico The Times, Johnson é um dos possíveis candidatos a voltar ao posto. Outra publicação, o Telegraph, aponta Rishi Sunak, derrotado por Truss nas últimas eleições internas, como outro possível candidato. O novo secretário do Tesouro, Jeremy Hunt, e o ministro da Defesa, Benn Wallace, e Penny Mordant, líder do governo no Parlamento, também podem ser cogitados. Para poder concorrer, será necessário contar com mais de 100 apoios dentre os membros de um comitê formado para conduzir a escolha do novo líder do partido.
O contexto mais amplo deixa maior preocupação para a saúde econômica e política do país. Essa nova crise política ocorre no meio do conflito da Rússia na Ucrânia, com o corte do fornecimento de gás e petróleo russos a Europa, no qual o Reino Unido tem uma posição de forte engajamento. Na chegada do inverso, na Inglaterra, as classes mais pobres poderão ter de escolher entre a comida ou o aquecimento, porque tanto os alimentos quanto a energia tiveram aumentos significativos afetando diretamente grande parte da população mais idosa.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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