02 dezembro 2022

Dificuldades para o Mercosul

O novo governo brasileiro que se inicia em 2023 enfrentará enormes desafios políticos, econômicos, em várias áreas, incluindo na política externa. Um dos quadros mais complexos a serem resolvidos diz respeito a questões complicadas de políticas pendentes no âmbito do Mercosul

O novo governo brasileiro que se inicia em 2023 enfrentará enormes desafios políticos, econômicos, em várias áreas, incluindo na política externa. Um dos quadros mais complexos a serem resolvidos diz respeito a questões complicadas de políticas pendentes no âmbito do Mercosul

Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, em 2021 (Foto: Clauber Cleber Caetano/PR)

Por Rubens Barbosa*

O novo governo se aproxima. No dia 1º de janeiro, Lula assume a direção da máquina burocrática brasileira com enormes desafios políticos, econômicos, orçamentários, na área de educação, saúde, ambiental, cultural e por fim, mas não menos importante, na área externa. Para começar, apresento um quadro limitado das questões políticas pendentes no âmbito do Mercosul.

O Brasil está indicando querer reabrir as negociações com a União Europeia para modificar certas decisões sobre a participação da indústria. A União Europeia tem dupla preocupação antes de colocar em vigência o acordo: assegurar o cumprimento das disposições sobre comércio e desenvolvimento sustentável, um dos capítulos do acordo, sem atrasar muito o já demorado processo de ratificação junto ao Parlamento Europeu. Para tanto, está sendo cogitado o fatiamento da aprovação do acordo: as cláusulas econômicas e comerciais entrariam em vigor imediatamente e as ambientais seriam mais demoradamente examinadas. Deve ainda ser lembrado que a UE está aprovando medidas restritivas a produtos agrícolas do Mercosul dentro da legislação de desmate de florestas e de descarbonização de empresas europeias (CBAM)

O Uruguai, sem nenhuma coordenação com seus parceiros, e no contexto do que chamam de flexibilização do Mercosul, tomou duas iniciativas que despertaram reações negativas dos demais membros do grupo subregional: iniciou conversas isoladas para assinatura de acordo individual com a China e agora pede a adesão ao antigo acordo TPP, que inclui 11 países asiáticos, liderados pelo Japão (os EUA se retiraram, e a China cogita pedir a adesão).

Por outro lado, a Venezuela está suspensa do Mercosul pela invocação da Cláusula Democrática, sem previsão de volta plena para o âmbito do grupo. A Bolívia por seu turno, desde o governo de Dilma Rousseff, está com seu pedido de adesão ao Mercosul parado em exame no Congresso Nacional.

O novo governo brasileiro deveria encaminhar decisões a respeito dessas questões, de acordo com seu interesse, sem considerações ideológicas ou partidárias.

No tocante à União Europeia, não seria oportuno, nem condizente com nossos interesses, reabrir as negociações do acordo, o que adiaria ainda mais sua entrada em vigor. A solução de dividir o acordo aceleraria a ratificação e projetaria o Mercosul no complexo cenário internacional como uma alternativa viável para a ampliação das regras e do comércio bilateral ou regional. O Protocolo Adicional sobre as obrigações na área ambiental, se não for além do que esta previsto no acordo não criaria maiores problemas. No tocante às restrições comerciais em processo de elaboração, a nova politica ambiental e externa para a mudança de clima deveria ser transmitida de imediato às autoridade europeias para mostrar que elas não deveriam se aplicar ao Brasil pelos resultados de curto prazo que acarretaram na linha das preocupação europeia, como aliás já fizeram Noruega e Alemanha ao reconstituir o Fundo Amazônico.

As iniciativa do Uruguai, algumas vezes estimuladas pelo ministro Paulo Guedes, à revelia do Itamaraty, não teriam acontecido se o Brasil não tivesse abdicado de sua liderança da América do Sul e no Mercosul. Com a volta do Brasil, como disse o presidente eleito, as duas propostas serão de alguma maneira absorvidas e não deverão prosperar. Tendo na Ásia nosso principal parceiro comercial, com destaque para a China, no caso do  ex-TPP, acho que seria de nosso interesse examinar mais detidamente o assunto e talvez fazer o pedido de adesão coletivo do Mercosul. O pedido seria diplomático e levaria tempo para que os 11 países respondam. Não haveria nenhuma negociação comercial pelo menos por um ano.

Quanto à suspensão da Venezuela e a adesão da Bolívia, a simples discussão dos assunto terá forte implicação para a política interna no Brasil e não seria oportuno acelerar qualquer decisão que promova a participação plena do dois países antes do encaminhamento de soluções para a democratização e o resguardo dos direitos humanos. Além disso, a volta e a entrada dos dois países não deveria colocar em segundo plano as negociações comerciais nem fazer voltar a experiência do Mercosul político e social dos governos anteriores do PT.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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