Diplomacia telefônica
Na prática, não Celso Amorim nem Mauro Vieira, mas Joesley Batista é que se tornou o maior articulador para assuntos internacionais do presidente Lula

Nos últimos dias, noticiou-se que conversas telefônicas entre presidentes tentaram avançar interesses concretos nas políticas externas dos EUA em relação à Venezuela e do Brasil em relação aos EUA.
No fim de semana, o presidente Donald Trump ligou para o presidente venezuelano e deu um ultimato para Nicolás Maduro deixar o poder em Caracas. A conversa teria sido intermediada por Brasil, Catar e Turquia.
No telefonema, talvez a última tentativa de Washington de mudar o regime sem uma ação militar, Trump ofereceu uma saída da família de Maduro para um terceiro país, onde ficaria exilado, em troca da renúncia de seu cargo presidencial e a volta da democracia à Venezuela.
‘O governo Trump está em situação delicada depois de montar uma custosa operação militar nas costas da Venezuela’
O governo Trump está em situação delicada depois de montar uma custosa operação militar nas costas da Venezuela e ficar imobilizado pela ausência de um plano detalhado que não envolva a invasão do país com o risco de mortes de soldados norte-americanos.
Com a rejeição da negociação proposta, Maduro deixou Trump com a alternativa de um ataque cirúrgico a bases militares ou centros de produção de narcóticos em território venezuelano, a fim de evitar um desgastes político interno pela percepção do fracasso de toda a operação montada para conter o narcotráfico e mudar o regime em Caracas.
Segundo o Miami Herald, o impasse ficou caracterizado pela discordância em três pontos: Maduro teria pedido “anistia geral” para qualquer acusação de crimes cometidos por ele e por seu grupo político; teria prometido eleições livres em troca de manter o controle sobre as Forças Armadas; e teria pedido algum tempo para sair do governo. As três respostas foram rejeitadas pelo presidente norte-americano. Caso as conversas pudessem avançar, falou-se que Maduro poderia sair para Cuba, Irã, Rússia ou Turquia.
‘A qualquer momento, poderá haver ou um ataque com míssil ou ação de comando com vistas a capturar o presidente Maduro’
Diante do impasse, Trump anunciou o fechamento do espaço aéreo venezuelano, o que poderia indicar a iminência de alguma ação militar contra o território venezuelano. A qualquer momento, poderá haver ou um ataque com míssil contra alvo militar ou do narcotráfico ou ação de comando, preparada pela CIA, com vistas a capturar o presidente Maduro.
Na terça feira, o presidente Lula tomou a iniciativa de ligar para Trump com um triplo objetivo, segundo notícias vazadas pelo Palácio do Planalto: Pedir a marcação de encontro para dar continuidade `às negociações comerciais a fim de retirar os 40% sobre os 22% dos produtos exportados para os EUA que são afetados por essa tarifa e eliminar as sanções políticas contra membros do governo e ministros do STF; buscar a cooperação com os EUA para combater o crime organizado; e pedir uma saída diplomática para a crise com a Venezuela, oferecendo mediação a fim de evitar uma operação militar contra Caracas.
Lula informou ter enviado documento sobre eventual cooperação no combate ao crime organizado e mostrou-se muito confiante sobre uma decisão positiva da Casa Branca no tocante a redução da tarifa de 40% sobre as exportações brasileiras para os EUA.
‘Do ponto de vista do Brasil, a iniciativa de Lula de ligar para Trump foi oportuna e pragmática’
Do ponto de vista do Brasil, a iniciativa de Lula foi oportuna e pragmática. Depois do encontro de Mauro Vieira com Marco Rubio, ficou acertado que seria convocada reunião técnica para tratar das questões comerciais, mas passadas quase três semanas, o encontro não foi marcado.
Foi importante também propor a cooperação entre os dois países no combate ao crime organizado e ao narcotráfico, levando em conta as operações da Polícia Federal brasileira e o que está acontecendo com a Venezuela.
Os comentários e a oferta de intermediação na crise dos EUA com a Venezuela com toda probabilidade não serão levados em conta pelo lado americano. Segundo declarações de Trump, a conversa foi positiva, mas ele publicamente só fez referência às questões comerciais, às sanções e à cooperação no combate ao crime organizado, tendo sido evasivo quanto à oferta brasileira.
Espera-se agora que seja marcada a data para as conversas avançarem no tocante `às questões comerciais, às Big Techs e à investigação sobre a Seção 301 da lei de comércio exterior dos EUA, em caso contrário, ficarão evidentes as restrições natureza ideológica nas relações com o Brasil.
‘As conversas na área comercial, quando ocorrerem, não deverão ser simples nem rápidas’
As conversas na área comercial, quando ocorrerem, não deverão ser simples nem rápidas. Os EUA ainda não puseram na mesa as contrapartidas que esperam receber do lado brasileiro e, dependendo do que for pedido, poderá haver dificuldades para Lula.
No que diz respeito às sanções políticas que Lula tem mencionado repetidamente, a decisão caberá a Marco Rubio, que foi quem as impôs e que, pelo peso ideológico de suas ações, será difícil revogá-las, podendo ainda ser anunciadas novas sanções.
Quanto à Venezuela, caso os EUA decidam atacar o território do país (Washington pediu que os cidadãos norte-americanos saiam da Venezuela), o governo brasileiro ficará em posição difícil, tendo de dosar suas críticas ao governo norte-americano para não criar nova tensão política e diplomática com Washington.
Viajando pessoalmente em avião de sua companhia a Caracas, Joesley Batista conversou com Maduro sobre sua saída do poder na Venezuela, acenando, pelo que circulou, com asilo no Brasil. Com isso, ajudaria Trump e Lula a evitar um ataque militar para mudar o regime em Caracas.
Joesley deixou saber que gostaria de atuar como uma ponte entre Brasil e EUA, dada a proximidade com os presidentes Lula e Trump.
Na prática, não Celso Amorim nem Mauro Vieira, mas Joesley Batista é que se tornou o maior articulador para assuntos internacionais do presidente Lula.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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