Donald Trump eleito – O que o mundo pode esperar desse novo mandato?
Enquanto o mundo aguardava ansioso pelo resultado final, o paradoxo é que desde o final da Guerra Fria, os eleitores norte-americanos têm demonstrado menor interesse pelo restante do planeta
A apuração das eleições mais acirradas dos Estados Unidos (EUA) nas últimas décadas já confirma: Donald Trump foi eleito para mais um mandato à frente da Casa Branca. Mesmo antes do resultado oficial, Trump discursou na Flórida e reforçou promessas de uma “nova era de ouro” para o país e de “consertar” as fronteiras. O que o mundo pode esperar do novo mandato e quais são os principais desafios para sua política externa?
Cada vez mais, o pleito dos EUA se torna um evento global e midiático, fenômeno intensificado pela polarização das democracias, dividindo a opinião pública de vários países entre defensores dos partidos Republicano ou Democrata. No Brasil, Trump possui apoiadores fieis e certamente sua vitória animará a extrema direita global, energizando bases e impulsionando candidaturas similares nos próximos anos.
Enquanto o mundo aguardava ansioso pelo resultado final, o paradoxo é que desde o final da Guerra Fria, os eleitores norte-americanos têm demonstrado menor interesse pelo restante do planeta. A partir da segunda década do século XXI, tornaram-se mais isolacionistas, apoiando candidatos que defendem menos atenção aos problemas de outros países e prioridade aos seus próprios interesses. Esse, aliás, é um dos motes da campanha de Trump: América Primeiro.
Priorizar o interesse nacional não é novidade nas relações internacionais, mas se torna um problema quando essa prática é adotada enfaticamente pela principal potência econômica e militar, como ocorreu no primeiro governo Trump (2017-2021).
Os EUA desempenham papel crucial na ordem internacional construída após a Segunda Guerra Mundial, mantendo regras, normas e instituições que norteiam as relações entre países, como acordos comerciais e cooperação internacional em áreas como saúde e política monetária.
Em tempos de alta propagação de notícias falsas, é importante lembrar que a ordem internacional não é, como muitos nas redes acreditam, um plano de dominação de supostos comunistas, mas sim uma governança baseada nos valores que os EUA passaram a propagar após sua vitória em 1945.
Por isso, é chamada de ordem internacional liberal, reunindo o liberalismo político, pela democracia, e o econômico, com o livre mercado. A continuidade dessa ordem depende de países que compartilhem esses ideais e do compromisso do seu criador em preservá-la.
Sabemos que essa não é uma prioridade do novo presidente, o que sugere enfraquecimento da ordem e episódios pouco liberais, como mais uma etapa da guerra comercial e a retirada dos EUA de acordos sobre mudanças climáticas.
O país contribui com cerca de 22% do orçamento da Organização das Nações Unidas (ONU), instituição alvo de críticas nas últimas décadas, mas ainda o único fórum que reúne todos os países. Os EUA também são os maiores financiadores da OTAN, aliança militar recuperada com a Guerra da Ucrânia.
Como os EUA lideram os rankings de emissões cumulativas de gases de efeito estufa e per capita, certamente nenhuma iniciativa de mitigação das mudanças climáticas terá sucesso sem a participação norte-americana. Mais um ponto fundamental da atualidade é a Inteligência Artificial (IA), e também nesse tema os EUA estão à frente.
A importância do país contrasta com as bandeiras defendidas por Trump. Há pistas de como sua política externa será conduzida, com base em seu primeiro mandato, mas Trump é imprevisível. Um vice-presidente profundamente alinhado com Trump e um congresso dividido, mas com leve vantagem Republicana, são fatores que podem fortalecer uma política externa agressiva, com poucas concessões até para aliados.
Os europeus aguardavam preocupados os resultados e não era segredo que a maioria ansiava pela vitória de Kamala Harris, com exceção de políticos de extrema direita como Viktor Orbán, da Hungria. Quanto à Ucrânia, Trump prometeu encerrar a guerra com a Rússia “em 24 horas”, mas os termos permanecem indefinidos. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky deseja recuperar todo o território invadido, objetivo que Trump indicou que não apoiará.
A OTAN amanheceu hoje sob o risco de ruptura, já que Trump quer que europeus paguem mais pela sua manutenção. A guerra da Ucrânia reanimou a aliança, com o medo dos europeus da Rússia de Putin. Diferente de cinco anos antes, quando foi considerada obsoleta, agora a OTAN é essencial para a política de segurança da União Europeia, que espera menor engajamento dos EUA.
Nas relações comerciais EUA-Europa, Trump provavelmente aumentará as tarifas aos produtos europeus e, ainda pior, impulsionará a guerra comercial com a China, principal parceiro da União Europeia (UE). Com barreiras tarifárias nos EUA, os chineses podem desviar o comércio excedente para a Europa, prejudicando indústrias, especialmente a alemã.
No Oriente Médio, Trump apoia Israel incondicionalmente e chegou a propor um acordo de paz draconiano para os palestinos em seu primeiro mandato. Espera-se que ao menos consiga um cessar-fogo usando sua proximidade com o governo israelense.
Se com aliados a abordagem é dura, com adversários é de enfrentamento. A China espera uma nova rodada de tarifas e o acirramento da guerra comercial, conflito que não arrefeceu sob os Democratas, que mantiveram as tarifas do primeiro governo Trump.
E como fica a América Latina nesse contexto? A região não está nas prioridades de nenhum lado do espectro político norte-americano e ficará ainda mais distante de importância na presidência de Trump. O interesse dos EUA é apenas estratégico: diminuir o fluxo de imigrantes. A área do Triângulo do Norte, que inclui El Salvador, Guatemala e Honduras, receberá especial atenção por ser a origem da maioria dos imigrantes.
A vitória de Trump animará a extrema direita do continente e foi ansiosamente aguardada pelo presidente argentino Javier Milei, mas o primeiro mandato de Trump mostrou que mesmo governos ideologicamente alinhados não podem esperar grandes gestos de cooperação da Casa Branca. Apesar dos acenos ao ex-presidente Jair Bolsonaro e trocas de tuítes, poucas ações concretas resultaram desse alinhamento. Trump não salvará a Argentina e, no máximo, diminuirá o isolamento internacional de Milei, especialmente após a demissão da chanceler Diana Mondino. Isso porque, no passado, a ausência do principal fiador da ordem internacional fez com que os europeus buscassem cumprir esse papel, fomentando acordos de cooperação em diversas áreas com o maior número de parceiros. Visto que Trump representa uma ameaça para esse processo, provavelmente os europeus tentarão garantir o mercado do Cone Sul.
O retorno de Trump à presidência da maior potência mundial traz apreensão sobre os rumos da política internacional. O mundo já tem experiência com seu estilo de política externa, mas sua imprevisibilidade não deixa margem para tranquilidade. Ao analisar o cenário global para os próximos quatro anos, é inevitável pensar que o caos pode ameaçar a ordem estabelecida, cabendo aos países que perseveram nos seus valores, em especial a democracia, agir para preservá-la.
Flavia Loss de Araujo, Doutora pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP) e coordenadora da Pós-Graduação em Política e Relações Internacionais, Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)
This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional